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Poesia

CAFÉ DA MANHÃ

      Tradução: Silviano Santiago

Pôs café
na xícara
Pôs leite
na xícara com café
Pôs açúcar
no café com leite
Com a colherzinha
mexeu
Bebeu o café com leite
E pôs a xícara no pires
Sem me falar
acendeu
um cigarro
Fez círculos
com a fumaça
Pôs as cinzas
no cinzeiro
Sem me falar
Sem me olhar
Levantou-se
Pôs
o chapéu na cabeça
Vestiu
a capa de chuva
porque chovia
E saiu
debaixo de chuva
Sem uma palavra
Sem me olhar
Quanto a mim pus
a cabeça entre as mãos
E chorei.

 

Jacques Prévert

O poeta francês Jacques Prévert (1900-1977) é daqueles que são absoluto sucesso de público mas enfrentam o nariz torcido da crítica, que o acusa de não ter sofisticação. Também letrista de canções populares, ele é talvez o poeta de seu país mais conhecido no século 20. Em certo sentido, Prévert é um Vinícius francês.

A contradição que Prévert representa é clara: durante o século 20, a poesia se tornou uma coisa cada vez mais difícil, mais distante do cidadão comum. Normal, mas real. Nadando contra a corrente, Prévert conquistou foros de poeta popular, largamente admirado na França e fora dela.

Isso não aconteceu por acaso.  Leia o poema ao lado e conclua: o público tem razão! As palavras são simples, as frases idem.

Fonte: poesia.net28/Carlos Machado

Poesia

Para pintar o retrato de um pássaro

 

 

Primeiro pintar uma gaiola

com a porta aberta

pintar depois

algo de lindo

algo de simples

algo de belo

algo de útil

para o pássaro

depois dependurar a tela numa árvore

num jardim

num bosque

ou numa floresta

esconder-se atrás da árvore

sem nada dizer

sem se mexer…

 

Às vezes o pássaro chega logo

mas pode ser também que leve muitos anos

para se decidir

Não perder a esperança

esperar

esperar se preciso durante anos

a pressa ou a lentidão da chegada do pássaro

nada tendo a ver

com o sucesso do quadro

 

Quando o pássaro chegar

se chegar

guardar o mais profundo silêncio

esperar que o pássaro entre na gaiola

e quando já estiver lá dentro

fechar lentamente a porta com o pincel

depois

apagar uma a uma todas as grades

tendo o cuidado de não tocar numa única pena do pássaro

Fazer depois o desenho da árvore

escolhendo o mais belo galho

para o pássaro

pintar também a folhagem verde e a frescura do vento

a poeira do sol

e o barulho dos insetos pelo capim no calor do verão

e depois esperar que o pássaro queira cantar

Se o pássaro não cantar

mau sinal

sinal de que o quadro é ruim

mas se cantar bom sinal

sinal de que pode assiná-lo

 

Então você arranca delicadamente

uma das penas do pássaro

e escreve seu nome num canto do quadro.

 

Jacques Prévert

 

De “Paroles” (1945)

 

 

O Poeta

 

 

Foto: Robert Doisneau

Foto: Robert Doisneau

 

 

O poema acima foi retirado do livro “Poemas de Jacques Prévert”, edição Nova Fronteira (Rio de Janeiro, 2000), numa seleção e tradução de Silviano Santiago. Alguma sensação de estranheza que possa resultar, para o leitor português, da leitura deste ou daquele verso, nesta tradução para português do Brasil, é abundantemente suplantada pela informadíssima introdução e avisada seleção operadas por Silviano Santiago.