Arquivo do mês: dezembro 2024

Carlos Drummond de Andrade

 

José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
(…)
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho do mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

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Cecília Meirelles

Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão,
deixo o mar bravo e o céu tranquilo:
quero solidão.

Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces? – me perguntarão.
– Por não ter palavras, por não ter imagens.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.

Que procuras? – Tudo. Que desejas? – Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.

A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação…
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?

Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
Estandarte triste de uma estranha guerra…)

Quero solidão.

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DA DEFINIÇÃO

MIRANDA Sá (E-mail mirandasa@uol.com.br)

Quatro leitores do meu artigo “DA TRANSCENDÊNCIA” cobraram-me uma definição sobre a minha crença religiosa; três deles são novos no meu mailing list e assim é evidente não têm de acompanhado meus textos sobre a religião, assunto que abordei muitas vezes

Então vai: sou um a-religioso assumido. Depois de muitos, diversos e longos estudos; dei uma atenção preferencial às religiões monoteístas ocidentais, originárias do culto primitivo do sol e adotado com a burocracia e a hierarquia sacerdotais pelo faraó Akenaton, disciplinando o que já era reconhecido pelo seu bisavô, Amenófis II.

O historiador Will Durant escreveu que as reformas de Akenaton apareceram como “a primeira expressão clara do monoteísmo – setecentos anos antes do profeta Isaías –, um avanço intelectual gigantesco na Idade Antiga, por suplantar as velhas divindades tribais e o politeísmo controlado pelo poder estatal.

Esta “transformação religiosa dramática e revolucionária”, como aprendemos em salas-de-aula, não foi bem assim. Estudioso do tema, Freud reconheceu a existência anterior do culto de Aton; a novidade foi que Akenaton oficializou-o como organização monacal com o preceito até então desconhecido, o monoteísmo universal.

Compreendemos então que o que Akenaton fez foi levar adiante o projeto da 18ª Dinastia do Novo Império que teve com Amenófis II o início dos confrontos entre o faraonato e os sacerdotes de Amon que realmente governavam; ele recusou-se a à situação do “reina, mas não governa”.

Assim, conseguindo vencer a demanda, Amenófis II reduziu o poder dos patrocinadores de Amon e passou a cultuar nos círculo íntimos palacianos o culto deAton – o Disco Solar -; esses ritos influenciaram seu bisneto, Amenófis IV (1353-1336 a.C.) que assumiu o trono e, no quinto ano de reinado pôs o culto a Amon e divindades secundárias fora da lei e aboliu todos os privilégios dos seus sacerdócios.

Assim, condenando a devoção a Amon, Amenófis IV proclamou Aton como uma única divindade, fazendo-se seu intérprete como a encarnação viva dele. Trocou o próprio nome de Amenófis IV, assumindo-se como Aquenaton, faraó e sumo-sacerdote.

Então a religião estatal estabeleceu princípios éticos e rituais criando uma espécie de mandamentos, onde encontramos na primeira categoria – “Não reconhecerás nenhum deus além de mim, e outra, como – “Não cultuar objetos, animais ou estátuas”, e mais – “Não rezar à noite, nem usar o nome do deus nas horas de descanso”. Além do mais, condenou a mentira e o roubo com castigos físicos na terra e eternos após a morte.

Este cenário de um deus único e verdadeiro que iluminava os dias, abrangia toda a Natureza, animais, homens e plantas; o que levou estudiosos e pesquisadores fazerem uma comparação entre Aquenaton e Moisés, pelo abandono de deuses e mera ficção, adotando o monoteísmo.

Temos, por exemplo, uma curiosa teoria levantada pelo pesquisador e autor de obras históricas, Ahmed Osman, no seu livro “A História Secreta” levantando a hipótese de que Moisés e Akenaton foram a mesma pessoa. Diz que se baseou em descobertas arqueológicas, documentos históricos e estudos de Freud.

Osman relata que ambos personagens nasceram no Gósen, e lá foram iniciados nos mistérios de ATUM, a divindade primordial venerada no Templo de Om, em Heliópolis; e este aprendizado participativo incutiu-lhes a crença de um Deus Único.

Ocorre que Moisés foi reconhecido como patriarca na Torá – O Velho Testamento -, enquanto Akenaton sofreu uma queda misteriosa do trono e o seu nome foi apagado dos registros e proibido de ser pronunciado. As referências a ele eram: Grande Herege, Faraó Herético e Faraó Rebelde.

Foi tão forte, entretanto, a adoção do Disco Solar como divindade única e universal que a condenação sofrida por Akenaton persistiu, e há quem o encontre algo dela nos ensinamentos de Baruch Spinoza, *1632 – + 1677), filósofo de origem judaico-lusitana, filho de uma família perseguida pela Inquisição.

Spinoza nos legou a ideia de identificar Deus como Natureza como um ser cósmico de infinitos atributos; contradiz a visão católica (e tendências protestantes) de um deus sendo adorado com a imagem e semelhança do homem.

A concepção divina da Natureza spinoziana foi aceita por Einstein e Freud, aos quais me junto humildemente; e, assim, deixo respondido o quesito religião….

Ferreira Gullar

Cantiga para não morrer

Quando você for se embora,

moça branca como a neve,

me leve.

Se acaso você não possa

me carregar pela mão,

menina branca de neve,

me leve no coração.

Se no coração não possa

por acaso me levar,

moça de sonho e de neve,

me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa

por tanta coisa que leve

já viva em seu pensamento,

menina branca de neve,

me leve no esquecimento.

(Dentro da noite veloz, 1975)

Veja mais sobre “Ferreira Gullar” em: https://brasilescola.uol.com.br/biografia/ferreira-gullar.htm

Carlos Drummond de Andrade

Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal,
senão rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e
uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.

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DA MÍSTICA

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Uma teoria científica do comportamento humano diz que os poderes republicanos no Brasil usam coletes à prova de denúncias aos seus feitos para ocultar a situação que o país atravessa, sem patriotismo entre legisladores, com exagerado personalismo dos juízes no STF e o inato despudor do presidente da República.

Entristece-nos esta situação que leva muitos às experiências místicas indescritíveis, envolvendo-se com a manta do escapismo, e como avestruzes, enterrando a cabeça na areia da abstração.

Para os estudiosos dos fugitivos da realidade a vivência mística é subjetiva, não passam de uma experiência psicológica mergulhada no individualismo avessa ao instinto social dos seres humanos, isolando-se.

Hoje pouco encontrada nas conversações, a palavra Mística é um verbete dicionarizado como substantivo feminino, relativo ao estudo das coisas espirituais; e também como adjetivo, visando mistérios e razões incompreensíveis. A origem é grega “mystikós” vinda do verbo “myo”, que significa “fechar” e, no caso, “fechar os olhos”.

Na Teologia Cristã, mística e misticismo levam às situações que fogem da compreensão por serem desconhecidas pela razão. O doutor da Igreja, Tomás de Aquino, ensina aos cristãos que Mística é “uma vista simples e afetuosa de Deus ou das coisas divinas”.

Do outro lado, Shakespeare em “Henrique IV”, dá uma definição no verso: – “O pensamento é escravo da Vida, e a vida, o bobo do Tempo; e o Tempo, que vigia o mundo inteiro, precisa ter um fim”.

Assim, sem nada enigmático e nem ininteligível, o grande poeta e dramaturgo inglês conclui com o fim, lembrado também pelo nosso Ulysses Guimarães ao dizer que “a Nação quer mudar, a Nação deve mudar, a Nação vai mudar”.

Traz uma proposta revolucionária, sem dúvida, porque nos obriga a fugir do misticismo conformista no caminho da paixão pela Liberdade. Vivemos atualmente a negação da Democracia arbitrariamente usada pelos ministros do STF, auto assumidos como “Guardiães da Democracia”.

Isso leva a cidadania a se encolher, fugindo da participação partidária militante e não expressando sua defesa dos princípios patrióticos. É lamentável que isto ocorra. A Ética e a Filosofia do Direito, tão importantes para o convívio social numa atmosfera democrática, estão em falta; e a culpa é, sem dúvida, do desânimo que grassa nacionalmente.

Os autênticos defensores da liberdade se obrigam a insistir no óbvio, como foi sugerido por Brecht, que alertou: – “Nos omitirmos da política é tudo o que os malfeitores da vida pública querem”, e cercam com a mística arames farpados de sigilos centenários.

Sitiando com essa aramada ignorância, estonteiam as pessoas de baixo QI, oferecendo condições para os “influencers” (em bom brasilês, influenciadores digitais), fazer-lhes a lavagem cerebral “Woke” de estúpida insensatez. Com ela influenciam o negativismo ideológico da paranoia identitária e, a partir daí, exigem submissão total aos interesses de organizações minoritárias.

Esta febre do diversionismo leva os “andares de cima” a se movimentarem para criar o conformismo aos seus desmandos, desviando as atenções do povo para realidade transformando-o numa claque para aplaudir ilusórias promessas de igualdade.

A partir daí, sobe ao palco das iniquidades a influência da mídia mercenária como vimos na anunciada contratação milionária de uma agência de propaganda para o Governo, comprovando a necessidade da baboseira woke para manutenção do poder.

O espírito de Goebbels persiste, provoca e pesa no proceder dos que têm o “espírito de rebanho.”

A mística do despertar para ver apenas coisas miúdas cria fantoches levando-os à cena da polarização eleitoral dos populistas corruptos; enfrenta-os aqueles que esperam esperançosos a verdadeira Filosofia do Amor, lembrando a poesia de Maiakóvski que cantou: – “Amar não é aceitar tudo. Aliás: onde tudo é aceito, desconfio que há falta de amor”

 

Cecília Meireles

De um lado cantava o sol

De um lado cantava o sol,
do outro, suspirava a lua.
No meio, brilhava a tua
face de ouro, girassol!

Ó montanha da saudade
a que por acaso vim:
outrora, foste um jardim,
e és, agora, eternidade!
De longe, recordo a cor
da grande manhã perdida.
Morrem nos mares da vida
todos os rios do amor?

Ai! celebro-te em meu peito,
em meu coração de sal,
Ó flor sobrenatural,
grande girassol perfeito!

Acabou-se-me o jardim!
Só me resta, do passado,
este relógio dourado
que ainda esperava por mim . .

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DA TRANSCENDÊNCIA

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Foi-se embora, esvaecendo desde os finais do século passado, a adesão popular aos grandes valores, aos princípios ideais que deveriam reger a sociedade humana; ocorrência que me parece afetar os países subdesenvolvidos como o Brasil.

Nos estertores do pensamento livre, da adesão a uma causa e a um ideal, passamos à estúpida devoção de artistas, a times de futebol e ao “terrivelmente político” – este sempre enganador com protagonistas que lembram Nelson Rodrigues: – “Eu me nego a acreditar que um político, mesmo o mais doce político, tenha senso moral”.

É-me impossível negar, entretanto, que as devoções humanas fazem parte do comportamento habitual das pessoas. A ciência aponta isto na vida anímica de cada um como transcendência, manifestação e modo de proceder nas experiências afetivas acima da razão.

A Transcendência requer um amplo estudo da realidade imaterial, metafísica e irracional; a Psicologia classifica-a como atitudes assumidas perante diferentes situações, na Filosofia, é o conceito de um pensamento inspirador; e, na Religião, refere-se ao divino ou a princípios metafísicos, como a fé.

Como verbete dicionarizado, a palavra Transcendência é substantivo feminino que vem do latim transcēndo, is, di, sum, ĕre, significando “passar subindo, atravessar, ultrapassar, transpor”. É como vê o conhecimento civilizado, uma conduta que vai de encontro à normalidade ou visto como inexplicável.

Assim, o comportamento humano nos leva a experiências sentimentais como nos apaixonar individualmente ou assumir uma atitude coletiva de admiração ou deslumbramento por algum fato ou personalidade. Encontramos exemplos no fanatismo político ou religioso, um estado de espírito que provoca reações que fogem às situações habituais.

Em contradita à religião estabelecida de um Deus com imagem humana, o filósofo Baruch Spinoza nos traz a compreensão de que Deus e a Natureza são dois nomes para a mesma realidade. Para ele, a Natureza é a manifestação de Deus, e tudo o que existe é causa divina.

Também dialeticamente contraditória, encontramos na política a questão da verdade ser ou não necessária, aceitando-se a mentira como princípio comportamental dos que a exercitam. Desconhece a exigência que se faz ao homem público de falar a verdade, um valor superior e respeitável, e não a degenerescência que assistimos e muitos de nós participamos no cenário político.

Com isto, mergulhamos na História da Civilização e recordamos os capítulos relativos à cultura ocidental que registram o fato de que os antigos gregos mediam o tempo pelas olimpíadas e, na velha Roma, pelos consulados; e constatamos no Brasil polarizado dos populistas Bolsonaro e Lula, a fita métrica da civilização passa pela transcendência das paixões dos seus cultuadores.

Apesar do que está estabelecido, há entre nós a convicção de que ocorre algo errado, fora dos trilhos, na conjuntura brasileira; malfeitos que se refletem nas três dimensões do poliedro político dos poderes republicanos.

Fica longe da concepção que a mídia cínica e mercenária nos dá nos programas políticos da televisão, com as teses defendidas pelos festejados “analistas”, “especialistas”, “intérpretes” e “pesquisadores” em apoio aos governantes, revoltando profissionais da imprensa como Dora Kramer, dando um recado; – “Alguém precisa dizer prá Globo que quando a militância entra na redação, o jornalismo sai por outra porta” ….

Algo que a experiência pessoal mostra, rompendo os limites da Transcendência. Nada tem de onírico, fantasioso, ou de hologramas criados pela Inteligência Artificial…. Os erros, insanidades e corrupção num governo, seja de que lado for, devem ser investigados, denunciados e combatidos.

E, como a transfiguração dos políticos da verdade para a mentira vem do palanque eleitoral ao Palácio de Governo, o crime se estabelece entre os corruptores e os corruptos, com a sombra da desonra para os corrompidos….