Arquivo do mês: janeiro 2021

LEITURA

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem.”  (Mário Quintana)

Antes de me profissionalizar como jornalista, trabalhei em vários órgãos da imprensa do Rio de Janeiro que já não circulam. Guardo com saudade “A Manhã”, dos Diários Associados, onde reportei o esporte amador dos subúrbios cariocas; e, o “Diário Trabalhista”, onde fiz a incursão pelo jornalismo político. Reverencio especialmente a lembrança da revista “Leitura”.

Despertando para a vida, tive a felicidade de ver, mesmo de longe, na redação da Leitura, na Rua das Marrecas, Carlos Drummond, Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego, Lúcia Miguel Pereira, Raquel de Queiroz, Rubem Braga…. E ao tê-los por perto, mergulhei na produção literária deles….

Graças à convivência imaginária com estes ídolos, tornei-me um voraz leitor. Li tudo o que me caiu nas mãos; além dos periódicos, jornais e revistas, os almanaques (multiplicavam-se naquela época), “best-sellers” estrangeiros, peças teatrais, poesias, romances, e até bula de remédio…

Adotei obsessivamente uma máxima de Monteiro Lobato, que veio num artigo escrito para a Leitura, alertando: – “Quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê. ”

Partindo daí, não vejo o “pior analfabeto” de que fala Brecht; para mim todos analfabetos são os piores indivíduos da raça humana… Excetuam-se apenas os combatentes em campo de guerra, conforme ouvi um relato sobre a atuação da Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra.

Um primo meu, que foi para a Itália guerrear contra o nazi-fascismo, contava uma passagem do comandante da FEB, general e depois marechal Mascarenhas de Morais, uma história que nenhum livro divulga.

“Quando inspecionava as tropas, Mascarenhas viu um soldado que trazia duas medalhas no peito, a cruz da bravura e a cruz do mérito; então perguntou ao oficial no comando: -“Por que este soldado ainda não foi promovido? ”. E ouviu que o praça era analfabeto e o regulamento impedia isto.

O General foi curto e grosso: – “Se ele demonstra coragem enfrentando o inimigo e conquista vitórias, quem vai exigir que leia e escreva? ”; e atropelando a regra, promoveu o soldado a sargento…

Esta é a única exceção porque o analfabetismo é imperdoável, mesmo considerando que o acesso aos estudos no Brasil é privilégio da alta burguesia e das classes médias; mas não são poucos os que rompem com isto, e mesmo com o ensino público deficiente, enriquecem-se pelo autodidatismo. Não há perdão sequer para militares analfabetos cujo combate se trava nas trincheiras da política…

A leitura está muito facilitada pelo advento da Internet e o acesso às redes sociais. Acompanhei (não vou citar nomes) muitos que se iniciaram trocando dois esses pelo cê cedilha e botavam ene antes de pê e bê…. Na sua maioria, passaram a escrever razoavelmente bem, e esta evolução se deve à leitura expressa no exercício da escrita e à paciência e à bondade dos vários professores que atuam na Rede.

O verbete Leitura, dicionarizado, é um substantivo feminino significando “ação de ler, compreender um texto escrito”; tem origem no verbo latino “lĕgo,is,lēgi,lectum,legĕre”, captar com os olhos, substantivado como “lectura,ae”.

Não me lembro qual o filósofo que defendeu a tese da importância da leitura ultrapassar os livros, aconselhando que se deve ler diretamente a realidade que nos cerca. Considero interessante a proposta, mas quem tem preguiça de pegar um livro terá olhos para ler o mundo?

Está certo o Padre Antônio Vieira quando diz que “Quem não lê, não quer saber; quem não quer saber, quer errar”. É assim que lemos penosamente a realidade brasileira, vendo a falta de estímulo do Ministério da Educação e das próprias universidades que dão mais valor a um diploma do que ao conhecimento.

Aos meus leitores (coautores dos textos, como diz Ledo Ivo) os meus agradecimentos; e, como na sinonímia da palavra “Ler” encontramos também “Advinhar”, podem crer que faço tudo para compreendê-los e interpreta-los.

MITOMANIA

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br )

“Não é aconselhável encontrar símbolos em tudo aquilo que se vê. Os símbolos tornam a vida cheia de horrores…” (Oscar Wilde)

Sou um admirador do mineiro Affonso Romano de Sant’Anna como poeta, mais do que como professor de literatura…. Degusto as poesias e nunca assisti suas aulas…. O pessoal do Twitter é testemunha de que não canso de postar os versos dele, recortados na sua maioria da “Implosão da Mentira”, um poema sempre atual no nosso cenário político…

A implosão da mentira faz parte da minha preocupação, pela multiplicação de falsos símbolos e criação de mitos vazios destinados a movimentos e personalidades na luta pelo poder; é a veneração dos tontos pelos protagonistas do show da mentira.

Exigente em relação aos agentes públicos, vejo muitas dessas figuras mais como mitômanas (ou mitomaníacas, como querem muitos) do que como mitos (como querem alguns).

Para a Mitomania, compulsão patológica para mentir, vou sempre a Sant’Anna, do qual reproduzo um excerto, extrato magnifico da sua poesia, à apreciação dos meus leitores:

“Mentiram-me./  Mentiram-me ontem e hoje mentem novamente./ Mentem de corpo e alma, completamente./ E mentem de maneira tão pungente que acho que mentem sinceramente./ Mentem, sobretudo, impune/mente”.

O verbete Mitomania dicionarizado é um substantivo feminino de origem grega, composto da raiz “mythos”, que significa ‘história’ ou ‘palavra’, e do sufixo “mania”, significando ‘desejo desordenado’. O termo é vigente na Psicologia como a tendência mórbida para contar mentiras compulsivamente, criar histórias fantásticas ou simular situações inexistentes.

Por não encontrarmos textos fora da Medicina sobre a mentira patológica, acatamos os estudos médicos sobre os sinais e sintomas deste transtorno de personalidade, entendendo-os como a “predisposição para mentir”.

Estudos neurocientíficos sugerem que este transtorno decorre de determinadas condições mentais, como transtorno bipolar, esquizofrenia ou transtorno de personalidade limítrofe.

Pesquisa feita pela Universidade Stanford, da Califórnia, Estados Unidos, levantou dados com crianças de 200 famílias de origem e formação diferentes, e concluiu que meninos e meninas começam a mentir com seis anos, mas que pela repressão doméstica e a convivência escolar abandonam o hábito; são poucos indivíduos que se tornam mitômanos.

Para o poeta e escritor russo Boris Pasternak, autor do famoso romance “Doutor Jivago”, em que relata as perseguições do regime stalinista contra a liberdade de expressão do pensamento, tem uma frase que talvez lhe condene aqui e agora: – “Os detentores do poder ficam tão ansiosos por estabelecer o mito da sua infalibilidade que se esforçam ao máximo para ignorar a verdade.

É um pensamento que vem de encomenda para o presidente Jair Bolsonaro, eleito “mito” pelos seus aduladores fanáticos e, talvez por isto usa e abusa da própria condição mitômana da infalibilidade… Desdenhou da pandemia do novo coronavírus tratando-a como uma “gripezinha”, receitou, a conselho de Trump, remédios ineficazes e condena a imunização em massa pela vacina.

Aparelhou o Ministério da Saúde com militares da ativa e da reserva sem a menor experiência em saúde pública. Perfilam-se diante dele, mas batem cabeça na campanha da vacinação aceitando suas ordens negacionistas.

Felizmente os brasileiros em geral – com exceção dos cultuadores da personalidade do Presidente – registram os discursos irrealistas, as opiniões insensatas e o comportamento estúpido dele, tudo oxigenado de mentiras para fazer-se acreditar.

Enganou durante um certo tempo com mensagens inexatas e fictícias que não se mantiveram; pelo contrário, levaram-no de “mito” a mitômano, aquela pessoa que “de tanto mentir tão brava/mente constrói um país de mentira diária/mente”…

 

 

ADULADORES

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

 “Os aduladores são a pior espécie de inimigos” (Tácito)

Encontramos nos dicionários de nordestinês do cearense Tomé Cabral e do paraibano Horácio de Almeida o termo “Adulão” designando o adulador. É usado como um desprezo ao agente da subserviência, que a altivez popular do Nordeste condena.

O verbete Adulador é dicionarizado como adjetivo, o que bajula, o lisonjeador; e também como substantivo masculino para o Indivíduo que adula; quem faz elogios em excesso. A etimologia é latina, “adulator,oris”, aquele que adula.

Esta fauna é encontrada em todos ramos da atividade humana e se multiplica com filhotes tal e qual ratazanas de esgoto, que pare doze ou mais cada vez….  Surgem na escola, no emprego, nas forças armadas e nas repartições dos governos; e até de onde não se espera, no exercício profissional…

Aprendi com a minha mãe que o bajulador é um ser desprezível e meu pai dizia que a gente fica mais confiante e mais forte com as críticas. Estas lições me fazem incomodar muita gente com a verdade, do que agradar com bajulações.

Por isso, recebo críticas sobre o que escrevo defendendo a vida contra o negacionismo obscurantista, filho da ignorância e da politicagem. Faço-o permanentemente comentando, denunciando e perfilando os cúmplices conscientes do vírus, ou omissos em contestá-lo.

Como uma realidade funesta, a pandemia do novo coronavírus construiu um sistema mental de revolta, que assumo, contra os que desdenham a ameaça da covid-19 e negam os avanços científicos na busca de combate-la.

Numa comédia de Shakespeare, “Noite de Reis”, um dos personagens rejeitado no seu meio, que comenta – “Os amigos me adulam e me fazem de asno, mas meus inimigos dizem abertamente que o sou; de forma que os amigos me prejudicam e com os inimigos aprendo a me conhecer”.

Como a cena política é um teatro, nós, do auditório, assistimos os personagens principais trocando falsas lisonjas influenciando os coadjuvantes a adulá-los para melhor aproveitar-se deles.

Nada melhor representa isto do que as figuras que cercam o presidente Jair Bolsonaro, a partir dos próprios filhos, que sempre viveram à sua sombra e às suas custas; e se estende aos ministros nomeados do círculo familiar ou figurantes reservistas para mostrar compromisso militar.

Lembram-me a “Verdade de um Revolucionário”, em que o verdadeiro líder de 1964, o general Olímpio Mourão Filho, vê pela lupa da verdade o mundo da bajulação, e observa: “Ponha-se na presidência qualquer medíocre, louco ou semianalfabeto, e vinte e quatro horas depois a horda de aduladores estará à sua volta”.

Na crise inegável que atravessamos, os bajuladores não se limitam ao governo, são figurantes secundários que se abraçam ao tronco do poder como parasitas para sugar a sua seiva…  Multiplica-se no varejo das redes sociais, legiões de fantoches (o povo os trata como mamulengos) manipulados desde os porões do Palácio do Planalto.

Essas marionetes não regatearam aplausos quando Bolsonaro declarou no ano passado que “a pandemia está no fim e pressa para vacina não se justifica”; e agora deram uma guinada de 180 graus, convertendo o líder negacionista em “Pai da Vacina”…. Quanta hipocrisia!

Por fanatismo ou vantagens pessoais, pouco importa aos aduladores que Chefe, mesmo com presumível formação militar, ignore o grande estrategista Carl von Clausewitz e seu livro “Da Guerra”, ensinando que “quem não colabora, prejudica”; e também desconhece a lição antológica de Napoleão Bonaparte: – “Quem sabe adular também é capaz de caluniar’.

No mundo civil, temos a antiquíssima filosofia hindu ensinando que “as línguas dos aduladores são mais macias do que seda na nossa presença, mas são como punhais na nossa ausência….

 

 

Pablo Neruda

O monte e o rio

Na minha pátria tem um monte.
Na minha pátria tem um rio.
Vem comigo.
A noite sobe ao monte.
A fome desce ao rio.
Vem comigo.
E quem são os que sofrem?
Não sei, porém são meus.
Vem comigo.
Não sei, porém me chamam
e nem dizem: “Sofremos”
Vem comigo
E me dizem:
“Teu povo,
teu povo abandonado
entre o monte e o rio,
com dores e com fome,
não quer lutar sozinho,
te está esperando, amigo.”
Ó tu, a quem eu amo,
pequena, grão vermelho
de trigo,
a luta será dura,
a vida será dura,
mas tu virás comigo.

Gabriela Mistral

O Pensador de Rodin

 

Apoiando na mão rugosa o queixo fino,
O Pensador reflete que é carne sem defesa:
Carne da cova, nua em face do destino,
Carne que odeia a morte e tremeu de beleza.

E tremeu de amor; toda a primavera ardente,
E hoje, no outono, afoga-se em verdade e tristeza.
O havemos de morrer passa-lhe pela mente
Quando no bronze cai a noturna escureza.

E na angústia seus músculos se fendem sofredores.
Sua carne sulcada enche-se de terrores,
Fende-se, como a folha de outono, ao Senhor forte

Que o reclama nos bronzes. Não há árvores torcida
Pelo sol na planície, nem leão de anca ferida,
Crispados como este homem que medita na morte.

DISCRIÇÃO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“Falar é bom, calar é melhor, mas ambos são desagradáveis quando levados ao exagero” (La Fontaine)

Li certa vez, mas olvidei o nome do autor, o pensamento: – “a avareza das palavras não é falta de cultura, mas sinal de inteligência”. Sem dúvida, um bom conselho, porque quem exagera no falar é taxado de boquirroto, falador e tagarela…. Quem muito fala é sempre indiscreto, mente ou revela segredos; e o povo não perdoa.

Algumas pessoas, porém, gostam de falastrões, principalmente dos falastrões políticos que põem nas redomas da adoração pessoal. É conceito geral, entretanto, que levantar ideias com poucas palavras é louvável, mas que se deve evitar o exagero.

A História dos Estados Unidos tem um capítulo dedicado ao presidente republicano Calvin Coolidge, um intelectual do Estado de Vermont. Ali se ressalta o comedimento dele com as palavras; diz que iniciava seus discursos prometendo reduzir o assunto a ser tratado.

E tem uma anedota sobre ele contando que um dia, voltando da Igreja, Coolidge foi perguntado pela esposa: – “Que tal o sermão de hoje? ”; ele respondeu: – “Bom”. Ela continuou: – “Qual foi o tema? ”; e ele: – “Pecado”. A mulher insistiu: – “Que disse o pastor?; ele: – “Contrário”….

Esta sovinice de Coolidge com as palavras chegou ao máximo quando num jantar uma senhora se achegou e disse-lhe: – “Presidente, eu apostei que conseguiria fazê-lo falar cinco palavras…” Ele interrompeu-a: – “Perdeu”.

O exemplo do norte-americano vem de longe. Quando fizemos o ginásio e estudamos a História Romana, encontramos Júlio Cézar, cujo relatório após a conquista da Gália se resumiu ao “Vim, vi e venci” (Veni, vide, vinci). E mais tarde tivemos também o admirável René Descartes, que constituiu um sistema filosófico resumindo a sua tese sobre a Razão com apenas três palavras: – “Penso, logo existo”.

A discrição merece respeito e deveria ser obrigatoriamente usada pelos agentes públicos que exercitam a política. A sabedoria popular usa um ditado que diz “falar é prata, calar é ouro”, e ensina “que palavra fora da boca e pedra fora da mão não voltam atrás…”.

Infelizmente estas lições não mergulham no poço da mediocridade que domina a cena política no Brasil. Fui repórter cobrindo a Câmara Federal e o Senado, e me abate, e me envergonha, que não tenhamos mias congressistas como antigamente; o nível é baixíssimo nas duas casas. Por concessão cautelosa, registro algumas exceções.

Muito mais insignificante é o nível ministerial. Mais baixo do que em qualquer regime, do que em qualquer época, no Império ou na República…. Aí, também por cautela, seria insensato não livrar alguns, poucos, mas existem.

Ocupando pastas, direção de órgãos administrativos superiores ou presidências de empresas estatais, há pessoas que podemos ressalvar sem nos amesquinhar; mas a imensa maioria, entretanto, segue o padrão do presidente Jair Bolsonaro, falando muito para esconder a inação administrativa.

O maior exemplo é do ministro-general Eduardo Pazuello que muitas vezes diz e se desdiz em pronunciamentos importantes para a Nação. Só marcando a data da chegada da vacina e o dia da vacinação, marcou várias horas “Hs” e vários dias “Ds” rodando num carrossel iluminado e colorido de ilusões.

Só não vê quem não quer que o governo federal está baratinado diante da pandemia, sem um comando que imponha respeito, acatando as ordens do ignorantérrimo presidente Bolsonaro, que me traz à lembrança a posição enérgica do rei Juan Carlos dirigindo-se ao boquirroto ditador venezuelano Hugo Chávez, na XVII Conferência Ibero-Americana: – “¿Por qué no te callas? – Uma reprimenda que deveria servir de lição para qualquer político e principalmente para o Presidente.

Serviria como uma luva para o Capitão boca-rota, antigo admirador de Chávez, cujos excessos ilimitados nas declarações e entrevistas, seriam dispensáveis até para ele próprio. O “cala boca” teria o apoio dos eleitores que votaram nele contra a corrupção, e se arrependeram.

Para Bolsonaro, mesmo mouco para qualquer orientação cultural, valeria a lição de Abraham Lincoln: – “É melhor calar e suspeitarem da sua pouca sabedoria, do que falar e eliminar qualquer dúvida…”

 

 

Hilda Hilst

Dez chamamentos ao amigo

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

Marcel Proust

Chopin

Chopin, mar de soluços, lágrimas, suspiros,
Que um voo de ágeis borboletas atravessa,
A brincar com a tristeza, a apascentar seus giros.
Seduz, aquieta, sofre, agita, grita, apressa,
Ama ou embala, e faz rolar em meio às dores
O doce olvido do capricho teu, fugaz,
Como as borboletas embriagadas de flores:
Tua alegria é cúmplice da dor tenaz,
O alado torvelinho amaina os dissabores.
Das águas e da lua meigo confidente,
Príncipe da aflição ou grão-senhor traído,
Quanto mais pálido mais belo, entretido
Com o sol a inundar teu quarto de doente,
Tu te exaltas com a luz, a bem-aventurança
Da luz que chora o seu sorriso de Esperança.

VACINA

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“Vale mais prevenir que remediar!” (Galeno – O “Pai da Farmácia”)

A vacina é indispensável para garantir a saúde e a vida dos povos. Foi com muita tristeza que acompanhamos o nosso atraso no enfrentamento da covid-19, quando em todo o planeta os governos, entidades privadas e instituições filantrópicas se mobilizaram e contribuíram para as pesquisas de anticorpos imunizadores contra o vírus.

É um momento de mobilização mundial sem precedentes para enfrentar a covid-19; inúmeros países investiram bilhões de dólares para o desenvolvimento de vacinas e a comunidade científica, por sua vez, faz História ao produzi-la em tempo recorde.

O Brasil também vive hoje um dia histórico, escrito pela Anvisa, seu corpo de médicos e pesquisadores, que acaba de aprovar, por unanimidade, as vacinas desenvolvidas pelo Butantan e a FIOCRUZ, calando o negacionismo caricato e ignorante. Assim, “Habemus Vacinnae! ”.

Nesta nova realidade, é essencial que se faça (como já se fez) campanhas educativas sobre a imunização. A informação é indispensável para alertar e instruir a sociedade sobre o uso dos imunizantes; e o foco da instrução depende das pessoas esclarecidas contra o obscurantismo negacionista.

Tivemos no passado militares estudiosos da geopolítica e de Economia desenvolvimentista, que quando ocuparam o poder (1964-1979), fizeram várias campanhas educativas explicando a necessidade da vacinação. Eram conscientes da importância de vacinar as crianças para protege-las de doenças epidêmicas que grassavam no País.

Uma dessas promoções, em 1972, obteve o maior sucesso, trazendo um curioso personagem de animação, Sujismundo, que se recusava a tomar vacina, justificando: – “eu não tô doente…”, – “prá quê espetadas inúteis? ” – Eram os argumentos negacionistas da época.

Sujismundo se apresentava mal-ajambrado e sujo, provocando rejeição a si; mas em compensação o programa trazia a figura limpa, inteligente e vivaz de Sujismundinho, um garoto filho de Sujismundo, que exigia ser vacinado.

Aqueles filmes publicitários alertavam que a vacinação era obrigatória para crianças, e os pais que se recusassem vacinar seus filhos perderiam direito ao salário-família. Assim, conseguiu-se debelar muitas enfermidades no Brasil.

O êxito da propaganda incentivou mais tarde, na década de 1980, o aparecimento de Zé Gotinha, personagem que foi estudado na brilhante tese de mestrado de Johnny Ribas da Motta, da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade de Goiás.

Esta segunda campanha, igualmente meritória, trouxe um estímulo para a divulgação regional, com verbas para promover atividades artesanais de comunicação, como teatro de bonecos, literatura de cordel e desafios repentistas….

Mas o que passou, passou. Era muito difícil imaginar que viéssemos a ter na presidência da República um indivíduo com a mentalidade de Sujismundo; mas infelizmente é isto que temos; hoje impera nos círculos do poder a demência negacionista, ignorando os avanços científicos da medicina preventiva.

É triste constatar que este fato negativo é um produto mental importado da loucura de Donald Trump, reacionário retrógrado que felizmente foi derrotado na reeleição pelo povo norte-americano, repudiando suas trapaças egocêntricas…. Mas sua herança boçal do negacionismo vigora no Brasil como uma caricatura toscamente desenhada para as mentalidades colonizadas.

Toda Nação, quase à unanimidade – com exceção do bloco dos sujismundos, doentios seguidores de políticos animadores de auditório –, ansiava por um programa de vacinação de massa para enfrentar o novo coronavírus e a letal covid-19.

Com “ansiedade e a angústia” depreciadas pelo ministro-general Pazuello, eu gostaria de ajudar nisto; se tivesse a força de um ”digital influencer”, abriria nas redes sociais um concurso para eleger o Sujismundo da atualidade… O meu voto seria para Bolsonaro…

 

 

 

Arthur Rimbaud

A eternidade

Achada, é verdade?
Quem? A Eternidade.
É o mar que se evade
Com o sol à tarde.

Alma sentinela
Murmura teu rogo
De noite tão nula
E um dia de fogo.