Arquivo do mês: abril 2019

MODELO

MIRANDA SÁ: Email mirandasa@uol.com.br)

“Há quatro características que um juiz deve possuir: escutar com cortesia, responder sabiamente, ponderar com prudência e decidir imparcialmente”. (Sócrates)

É impossível omitir a comemoração dos 5 anos de Lava Jato, festejada pelos faxineiros que trabalham para varrer os restos de corrupção deixados pelos governos lulopetistas atravancando corredores dos ministérios, tribunais, casas do Congresso e empresas estatais.

Entre as velinhas sopradas nas festas de março, uma, de grande luminosidade, foi dedicada ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, pela sua disposição, energia e independência nos primeiros julgamentos, com o reconhecimento estendido aos seus colaboradores, juízes de outros estados, procuradores e policiais federais.

Como o epicentro da Lava Jato ficou em Curitiba, Moro representou com a equipe da Operação, a ação fundamental de investigação, buscas, prisões e julgamento, que quase à unanimidade, o povo brasileiro exige.

Assim, não é por acaso que ele passou a ser alvo do fanatismo lulopetista, pela coragem de levar à prisão o chefe da Orcrim Política, Lula da Silva, condenando-o por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, crimes cometidos no exercício da Presidência da República. Julgamento homologado pelo TRF4 e pelo STJ.

Acompanham o combate ao juiz da Lava Jato várias tentativas do “Bando dos 4” do STF para soltar o Pelegão, como assistimos agora com a manhosa e aviltante liberação do presidiário para dar entrevista a um jornal de conhecida oposição ao governo Bolsonaro. É indiscutível que, como parte do esquema, eram esperados ataques que o Condenado faria (e fez) ao Ministro da Justiça.

Lula, como seus cultuadores e cúmplices na corrupção, não perdoa Moro por ter livrado a icônica Petrobras (eixo da maior corrupção governamental e partidária do mundo), dos contratos fraudulentos que davam prejuízos de até 20%; dos diretores que recebiam propinas; e do PT, beneficiado com a roubalheira.

Assim, não é demais exaltá-lo como um modelo a ser respeitado e seguido. O verbete “Modelo”, dicionarizado, é um substantivo masculino de origem italiana “modello”, que por sua vez herdou do latim vulgar, “modellum,i” de “mŏdus, i”, significando ‘medida em geral’, ‘medida que não se deve ultrapassar’.

Sua sinonímia é fértil, arquétipo, espelho, exemplo, ideal, imagem, padrão, paradigma, e muito mais, como também é vasto o seu uso substantivo, como medida, bitola; nas artes plásticas, desenho; na dramaturgia, expressão; na comunicação, impresso; na profissão, manequim; na arquitetura, maquete; no Comércio, marca; na confecção, molde; e, na moda, vestimenta.

O brilhante discípulo de Freud, Carl Gustav Jung, nos legou o conceito de arquétipos, as imagens primordiais gravadas no inconsciente coletivo, exemplificando-os como arquétipos da Morte, do Herói e do Fora de Lei. E assim, podemos considerar Sérgio Moro um arquétipo da Justiça.

Por ele, lemos no balanço dos cinco anos da Lava Jato, da condenação de criminosos de colarinho branco, dantes imexíveis, até a punição de poderosas empreiteiras, produtos de exportação de propinas e corrupção dos governos lulopetistas no comércio exterior.

Acrescente-se a recuperação (até agora) de cerca de RS$ 14 bilhões dos delatores, executivos criminosos e empresas, quantia jamais imaginada. Este sucesso superou a Operação Mãos Limpas promovida pela justiça italiana com exemplos de denodo e honradez.

Ainda faltam, neste balaio, o BNDES – cuja abertura da “caixa preta” foi prometida pelo presidente Jair Bolsonaro na campanha eleitoral; e também o julgamento de Dilma Rousseff, responsável pela compra criminosa da Refinaria de Pasadena.

Assim, nos festejos do quinto aniversário da Lava Jato, celebramos a chegada do juiz Sérgio Moro ao Ministério da Justiça. Ele é um modelo a ser seguido pelos colegas de ministério, pelo desprendimento, modéstia e comedimento.

 

Cecília Meireles

Ou isto ou aquilo

Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo…
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.

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Vinícius de Moraes

O Gato

Com um lindo salto
Lesto e seguro
O gato passa
Do chão ao muro
Logo mudando
De opinião
Passa de novo
Do muro ao chão
E pega corre
Bem de mansinho
Atrás de um pobre
De um passarinho
Súbito, para 
Como assombrado
Depois dispara
Pula de lado
E quando tudo
Se lhe fatiga
Toma o seu banho
Passando a língua
Pela barriga.

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Camões

Soneto 5 

Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

(…)

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si
é o mesmo Amor?

BRUZUNDANGAS

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“Tanto quero o pão, como o vinho, a fantasia e a realidade”.  (Cazuza)

Ler e reler é para mim uma diversão rentável, pois acumulo cultura como um usurário, seguindo o ensinamento prático da grande Cecília Meirelles que escreveu: “Gosto de estudar o que me dá conhecimento melhor das pessoas, do mundo, da unidade”.

Foi por isto que na Sexta-Feira da Paixão me peguei com Lima Barreto, que considero uma referência literária, ao nível do grande Machado de Assis. Saltitei sobre “Os Bruzundangas”, o estudo de um País que “vivia de expedientes”…

Vale a pena ler Lima, até para aprender o uso de certas palavras – algumas já mortas e enterradas, e outras entubadas, sobrevivendo na UTI da Gramática.

Descrevendo a República dos Estados Unidos da Bruzundanga, o narrador mostra que o País é o avesso do que ensinava Bossuet, teórico do absolutismo, sob o argumento que o governo era divino e que os reis recebiam seu poder de Deus. Os bruzudunguenses criticam os políticos, deputados, senadores, ministros e até o presidente.

O visitante observou que o povo tem, em parte, razão, por que lá os políticos são o pessoal mais medíocre que há. Apegam-se a velharias, a coisas estranhas à terra que dirigem. Eles ignoram o desemprego dos nacionais e facilitam a entrada de milhares de forasteiros…

“O ensino superior fascina todos na Bruzundanga. Os seus títulos, como sabeis, dão tantos privilégios, tantas regalias, que pobres e ricos correm para ele…  Mas só são três espécies que suscitam este entusiasmo: o de médico, o de advogado e o de engenheiro”.

Entretanto, de acordo com a sua Constituição, em Bruzundanga é livre o exercício de qualquer profissão, extinguindo todo e qualquer privilégio do diploma. Aliás, quando se reuniu a Constituinte no País, nasceu no povo uma grande esperança, mas entre os poderosos houve muita discordância.

Calaram-se, porém, os críticos, quando ficou estabelecido nas disposições gerais, com letra bem miudinha: “Toda vez que um artigo desta Constituição ferir interesses de pessoas da “situação”, ou membros dela, fica subentendido que ele não tem aplicação no caso. Até a oposição foi unânime em aprova-lo, porque todos esperavam ficar um dia na “situação”.

Se algum cidadão reclamasse de inconstitucionalidade e apelasse para a Justiça (lá em Bruzundanga se chama Chicana), logo a Suprema Corte indagava se feria interesses de pessoas da situação e decidia conforme o famoso artigo.

É lógico que só os advogados se obrigam a conhecer a barafunda de leis, enquanto os filósofos pensam que com relação ao Estado não se exija apenas o conhecimento dos textos jurídicos, mas também a opinião dos “especialistas”.

“Um País como a Bruzundanga precisa ter os seus heróis e heroínas para justificar aos olhos do seu povo a existência fácil e opulenta das facções que a têm dirigido”; e a imprensa, dominada por grandes jornais e revistas elegantes, monopolizam a opinião sobre a arte, a literatura e a política. Daí saem aqueles que são eleitos, por aplausos, para a Academia de Letras.

Os deputados eleitos, quando empossados tratam logo de colocar em bons lugares a sua clientela; vendem o voto, fazem reformas corporativas, inventam cargos, para alcançarem o seu objetivo político. Enfrentam em parceria com a Justiça, a Lei fundamental de Bruzundanga, que reza: “Todos os cargos públicos são accessíveis a todos os bruzundanguenses, mediante as provas de capacidade que a lei exigir”.

De comentário em comentário, Lima Barreto terceiriza a descrição de um país de fantasia que muito se parece com aquele que nós brasileiros herdamos do lulopetismo, e como paródia, lembro que quando se via um cara entrar do Planalto todo espevitado, perguntava-se quem era, e a resposta era pronta: – “É um pelego sindical”.

 

 

 

 

Fernando Pessoa

Quando as crianças brincam

E eu as oiço brincar,

Qualquer coisa em minha alma

Começa a se alegrar.

E toda aquela infância

Que não tive me vem,

Numa onda de alegria

Que não foi de ninguém.

Se quem fui é enigma,

E quem serei visão,

Quem sou ao menos sinta

Isto no coração.

NOEL ROSA – Politicamente incorreto

 

QUEM DÁ MAIS? (Leilão do Brasil)

 

Quem dá mais por uma mulata que é diplomada

Em matéria de samba e de batucada

Com as qualidades de moça formosa

Fiteira, vaidosa e muito mentirosa?

Cinco mil réis, duzentos mil réis, um conto de réis!

Ninguém dá mais de um conto de réis?

O Vasco paga o lote na batata

E em vez de barata

Oferece ao Russinho uma mulata

Quem dá mais por um violão que toca em falsete

Que só não tem braço, fundo e cavalete

Pertenceu a Dom Pedro, morou no palácio

Foi posto no prego por José Bonifácio?

Vinte mil réis, vinte e um e quinhentos, cinquenta mil réis!

Ninguém dá mais de cinquenta mil réis?

Quem arremata o lote é um judeu

Quem garante sou eu

Prá vendê-lo pelo dobro no museu.

Quem dá mais por um samba feito nas regras da arte

Sem introdução e sem segunda parte

Só tem estribilho, nasceu no Salgueiro

E exprime dois terços do Rio de Janeiro?

Quem dá mais? Quem é que dá mais de um conto de réis?

(Quem dá mais? Quem dá mais? Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três!)

Quanto é que vai ganhar o leiloeiro

Que é também brasileiro

E em três lotes vendeu o Brasil inteiro?

Quem dá mais?

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INCÊNDIO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“Um fogo devora um outro fogo. Uma dor de angústia cura-se com outra”. (Shakespeare)

Desde os primórdios da humanidade o fogo fascina as pessoas. No processo civilizatório, foi adorado no Egito e nos impérios orientais; sendo divinizado na Índia e tornado mito na Grécia antiga.

Na obra dos historiadores gregos Ésquilo e Hesíodo está gravada a história do titã Prometeu, que é reverenciado como defensor da humanidade por ser o responsável pelo roubo do fogo no Olimpo para dá-lo aos mortais sendo, portanto, responsável pelo progresso humano.

Na mitologia escandinava, tão rica em heróis, encontramos a admirável luta do grande deus Thor contra os Gigantes de Fogo, entidades fantásticas preparadas para assumir a destruição final do mundo.

Individualmente, loucos piromaníacos se notabilizaram por cometer crimes à sua época, sendo Eróstato o primeiro grande incendiário conhecido por atear fogo no Templo de Artemisa, em Éfeso, em 356 a.C.

Registra-se, a seguir, o incêndio da Biblioteca de Alexandria, no Egito, em 48 a.C., durante a guerra civil romana entre Pompeu e Júlio César. Esta biblioteca, uma das maravilhas da Antiguidade foi recuperada; mais tarde, no ano de 640, foi novamente destruída pelo fogo por ordem do califa Omar ao emir Amr Ibn al-As.

Atribui-se ao imperador Nero o incêndio que reduziu uma quinta parte de Roma a cinzas, no ano 64; e o facínora acusou os cristãos pelo seu crime.

Em 1519, o conquistador do México Hernann Cortés ordenou que se incendiasse a capital dos astecas, Tenochtitlan, uma das mais lindas e populosas cidades do mundo, para obter a rendição da grande civilização pré-colombiana.

No século passado, em 1933, uma combustão consumiu o Reichstag, em Berlim, com chamas que alcançaram e arruinaram a democracia alemã. Foram os nazistas autores da queima, mas Hitler, como Nero responsabilizou um demente holandês pelo crime.

A Psiquiatria traça o perfil do piromaníaco como um indivíduo movido pelo desejo mórbido e incontrolável de provocar incêndios, queimar ou atear fogo às coisas. Sua característica doentia é ser levado ao ato sem motivação para fazê-lo.

Assistimos a pouco a tentativa de lavrar um incêndio no STF com as faíscas da medida personalista e antidemocrática de ressuscitar a censura nos órgãos de comunicação, alcançando os internautas por críticas feitas aos ministros togados.

No caso do site “O Antagonista” e da revista “Crusoé” a repressão policialesca recebeu o argumento de que divulgaram “fake news”, acusação desmentida pelo “O Globo” afirmando ser verídica a citação de Marcelo Odebrecht sobre o “Amigo do amigo do meu pai”, referindo-se ao presidente da Corte, Dias Toffoli.

Depois, a própria Procuradoria Geral da República comprovou a veracidade da matéria jornalística, censurada injustamente e posteriormente revogada pelo próprio autor da absurdez, o ministro Alexandre Moraes, alegando numa atitude incompatível a quem julga que desconhecia ser verdade a publicação.

Quanto aos internautas do Facebook e do Twitter, sob repressão, as suas críticas a um ou outro togado e ao STF, como um todo, deve-se que na Corte, que deveria ser o Templo da Justiça, as verdades são unipessoais e as canetas monocráticas.

Vê-se assim que por individualismo de uns e corporativismo generalizado, alastram-se as chamas que podem atingir grandes proporções, atingindo fatalmente o Estado Democrático de Direito. Isto ocorrendo, para manter as liberdades democráticas será preciso intervir no Poder Judiciário com o antídoto homeopático “similia similibus curantur”, do latim: “semelhante pelo semelhante se cura”, ou seja, contra o veneno totalitário, totalitarismo.

 

BARRABÁS

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“Todos os nossos dias e em vários momentos chega-nos a pergunta: “Cristo ou Barrabás?
(Daniel Brito)

Ao decidir como relator de um agravo, o ministro Celso de Mello usou a frase latina “nemo auditur propriam turpitudinem allegans” (“Ninguém pode se beneficiar da própria torpeza”), o princípio do Direito Romano que é repetidamente alardeado nos círculos jurídicos.

Somente o termo torpeza é um tanto inusual, e por isso deve ser traduzido como “desonestidade”, “falta de compostura”, “indecência”, expressões diretas que são rejeitadas na Magistratura para esconder do povo os seus segredos. Por isso, usam sentenças no latim.

No caso em pauta, perdoem-me a licença imaginativa, a pomposa frase certamente era usada por Pôncio Pilatos, governador na província romana da Judeia, execrado historicamente por ter sido o juiz que sentenciou Jesus Cristo a morrer na cruz; hoje, comparado com alguns magistrados do STF, readquire o respeito dos cristãos.

Aliás, nas igrejas cristãs Ortodoxa e Copta, Pilatos foi reabilitado, e até canonizado pela Igreja Etíope, junto com a sua mulher Santa Prócula. Os teólogos orientais concluíram que ele nada fez senão cumprir o que estava programado por Deus.

Esta absolvição deve-se ao lado humano, generoso de Pilatos, que tentou salvar Jesus a pedido da esposa Cláudia Prócula. Lembrou-se do indulto, costume judaico de soltar um preso na Páscoa, e então pediu ao povo para escolher entre Barrabás, ladrão e assassino, ou Jesus, chamado Cristo.

A multidão, agitada pelos ministros do Sinédrio liderados por Caifás, e pelos profanadores do Templo expulsos por Jesus, escolheu Barrabás; assim, Cristo foi entregue aos soldados para ser crucificado. O apócrifo “Evangelho de Nicodemos” aponta nos “Atos de Pilatos” que a condenação do Cristo é exclusiva dos fariseus.

Atualmente, no campo das leis, é clara a preocupação dos defensores do direito para que seja coibido qualquer ato de abuso de confiança, mesmo aparentemente legal. Mesmo assim, sob críticas de entidades representativas da magistratura e da advocacia, e a ampla condenação da opinião pública, vêm ocorrendo excessos inconvenientes.

Só se desviam dos princípios consagrados na Constituição com respeito à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa, jornalistas mercenários e profissionais corporativistas, uns ganhando para calar e outros atacando para se defender.

É por isto que me faço presente nesta luta pela Democracia que sofre ataques pontuais de fascistóides. Assim pede a consciência de um patriota que se coloca acima dos partidos e das personalidades políticas.

Aos cristãos de todas as denominações que atravessam esta Semana Santa que não ouçam os caifazes condenando Cristo e libertando Barrabás. É um apelo feito com amor no coração, para que todos engrossem a procissão da Liberdade, cantando o hino da “Censura Nunca Mais! ”

TOGAS

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer…” (Rui Barbosa)

Li num velho livro de páginas amarelecidas, publicado muito antes da minha geração abrir os olhos, o romance de um juiz honesto que se revoltou por ver um colega de magistratura condenar uma pobre mulher por se submeter a um aborto.

O meritíssimo sabia que uma outra mulher, cometendo o mesmo delito numa luxuosa clínica, assistida por um cirurgião renomado, jamais iria a um tribunal. Ele tinha a consciência do privilégio das classes dominantes para que a lei seja ignorada quando se trata de um deles.

Juízes são pessoas de carne e osso. Entre eles há os que ralam num concurso para conquistar a cátedra e os que fazem vassalagem aos poderosos para ganhar o cargo. Uns enfrentam as pressões, outros as ignoram, e mais alguns se aproveitam disso para obter lucro político ou pecuniário.

Dois mil e trezentos anos atrás, o filósofo ateniense Platão, que viveu no período clássico da Grécia Antiga, fez uma condenação ao dizer que “O juiz não é nomeado para fazer favores com a Justiça, mas para julgar segundo as leis”. Mas eu me pergunto, e se a Lei for má? Se for leniente com o crime?

A resposta é extraída do cérebro privilegiado de Rui Barbosa, que se trata de covardia a má interpretação da Lei; e escreveu:  – “O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde”.

A visão da correta da função de julgar de um bom magistrado é perceber que pode errar e só o alivia a modéstia de esperar que o caso vá à 2ª Instância para ter a aprovação ou ser corrigido.

Ocorre, porém – vamos cutucar a onça com vara curta – que ao chegar na 2ª Instância, outro colega, igualmente honesto, pode pensar que o processo teve a tramitação correta e aprova-o sem se aprofundar a decisão anterior.

A ficção quando noveliza a Justiça traz coisas curiosas; Tolstoi num dos seus livros, traz a história do juiz da corte superior da Rússia Imperial que, para anular ou confirmar as decisões anteriores, olhava o número de ordem do processo; se fosse par, anulava e se fosse ímpar, confirmava…

O juiz russo vestia a toga negra dos advogados e solicitadores presentes ao tribunal, a vestimenta comumente usada pelos cidadãos romanos, sendo proibido o seu uso aos estrangeiros e escravos. Havia as brancas dos senadores e as púrpuras dos vitoriosos em guerras externas e depois dos imperadores.

“Toga”, como verbete dicionarizado, é um substantivo feminino que define a capa dos romanos, destacando-lhes para o gozo de inúmeros privilégios; e atualmente indica seu uso pelos magistrados com prerrogativas semelhantes.

Cá no Brasil, nos dias avessos de hoje, a toga é o adjetivo qualificativo dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que pelos comportamentos e palavras se julgam donos da verdade.

No STF, as verdades são unipessoais e as canetas monocráticas. Foi por isso que um deles que soltou o corrupto José Dirceu, articulador do Mensalão, o gigantesco esquema de propinas para ele próprio e para os hierarcas do Partido dos Trabalhadores. Pouco importou que o ex-primeiro-ministro do Governo Lula estivesse condenado a 30 anos e 9 meses de prisão por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Foi o ministro Dias Toffoli, atual presidente do Supremo, que articulou esta excrescência contando com o voto de Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowsky, que atuam na 2ª Turma da Corte com a mesma formação político-ideológica.

Agora, juntando-se à essa minoria que sonha com a implantação de uma ditadura do Poder Judiciário, vem o ministro Alexandre Moraes atentar contra as liberdades democráticas, impondo por puro corporativismo a censura a sites e publicações que divulgam as implicações de Toffoli com a Odebrecht.

Sempre atento e independente, o jurista Modesto Carvalhosa diz que a decisão de Moraes ao censurar a revista “Crusoé” e “O Antagonista” é “sinal de decadência total” da mais alta corte do país.

Lembrou-me o juiz da Suprema Corte Americana, Benjamim Cardoso, disse certa vez que “O Direito, como o viajante, deve estar pronto para o dia seguinte”. E o nosso “after day” é triste, vendo o Direito refém de onze juízes praticamente controlados por uma minoria insana.