Arquivo do mês: fevereiro 2020

AMBIVALÊNCIA

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“Escrevo sobre isolamento e ternura, a perturbadora ambivalência nossa, frivolidade e covardia, às vezes a graça e o riso. ” (Lya Luft)

Na sua nomenclatura, a Psicologia registra “Ambivalência” como a igualdade das tendências antagônicas, termo criado pelo psicanalista Bleuler; e no conceito popular o caráter daquilo que representa dois aspectos e dois valores.

Lembrei-me do vocábulo para responder uma mensagem política comparativa a mim dirigida no Twitter, que respondi como “A culpa é ambivalente: dos bons, competentes e honestos que fogem da política, e do eleitorado que elege o que há de pior na política.  São raras a exceções…”.

Na Matemática há um axioma que reza: “os extremos se tocam no infinito”, o que com vistas à política e à religião, dá razão a Bleuler.

Houve uma época na minha vida que estudei as religiões com avidez, não somente as monoteístas vigentes nas sociedades de maior avanço civilizatório como nas consideradas primitivas.

É discutível o caso do sincretismo religioso, quando as religiões “de Estado” se apropriam de velhos cultos chamados pagãos. Recordo, por exemplo, a adoção por várias seitas judaicas, como a dos essênios, do culto do sol pelo mitracismo. As festas do solstício de Inverno (25 de dezembro), também foram adotadas posteriormente pelo cristianismo.

Na Roma antiga, o imperador Heliogábalo trouxe de Cartago a pedra negra adorada em nome da Deusa do Céu, e bem mais tarde os muçulmanos passaram a adorar na grande Mesquita de Meca uma pedra negra, anteriormente branca, que teria escurecida por causa dos pecados da humanidade.

Este culto foi recuperado pelo profeta Maomé de clãs árabes do deserto em tempos remotos, assim como os cristãos adicionaram à sua crença o “sabat” – o dia do descanso dos judeus -, nos domingos.

Assim, temos na religião a noção de ambivalência. Socialmente tivemos inda agora o Carnaval, velha festividade pagã, entrando no calendário da Semana Santa. Vem da mais remota Antiguidade, como as Sacéias babilônicas e no Egito, na Grécia Antiga, cultuando o deus Dionísio, e em Roma com as bacanais.

Desde então já havia as brincadeiras com sátira social e zombaria das autoridades; as máscaras, batalhas simuladas com frutas e a inversão geral das regras, com homens vestidos de mulher e mulheres vestidas de homens…

No Brasil passou a ser celebrado ao atravessar o Atlântico com os portugueses, desde 1.500, e mais tarde, por ambivalência somando-se às influências musicais Indígena e Africana que introduziram ritmo e a consequente cadência na dança.

Na Colônia a Igreja Católica impôs-lhe preceitos religiosos dando-lhe um significado vinculado à Páscoa – a Terça-Feira Gorda é 47 dias antes do domingo de Páscoa, levando os crentes a um período de reflexão e jejum após os exageros.

Vieram depois as ascendências políticas, primeiro com a oficialização das festividades, que, por contradição, garantia mais liberdade do que hoje na Ditadura Vargas. E também uma quase apropriação da política, com a oposição aproveitando-se dos folguedos para a crítica, ou pelo oportunismo de candidatos às eleições.

E agora temos a hilária condição dos políticos manterem as máscaras carnavalescas durante todo o ano, cobrindo-se de promessas reluzentes com vidrilhos e lantejoulas no período eleitoral…

A ambivalência tem este sentido da duplicidade, muitas vezes contraditórias, irônicas e perturbadoras, que nos ajuda a abandonar o pessimismo e encontrar a alegria que rejuvenesce carnavalescamente…

 

CARNAVAL

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“O povo toma pileques de ilusão com futebol e carnaval. São estas as suas duas fontes de sonho” (Carlos Drummond de Andrade)

Embora com outros nomes, o Carnaval ocorre desde a mais remota antiguidade, como uma festa de liberação por um prazo concedido e limitado dos impulsos individuais e grupais em desacordo com as proibições políticas e religiosas.

Conhecido como entrudo, folguedo, folia, mascarada, orgia e troça, o verbete Carnaval, dicionarizado, é um substantivo masculino de origem latina, “carnis levale” que significa dizer “adeus à carne”.

Todas as civilizações antigas tiveram o seu carnaval; no Ocidente a herança prevalecente é greco-romana. Na Grécia antiga registram-se as festas dionisíacas em homenagem a Dionísio – deus mitológico, patrono do vinho -; e na Roma dos césares eram as chamadas bacanais, dedicadas ao deus da embriaguez, Baco.

As diversões apresentavam o caráter comum da subversão dos costumes e dos valores sociais, com escravos se vestindo de nobres, os marginais de sacerdotes e sempre os homens se vestindo de mulher e vice-versa.

A Igreja Católica se apropriou desses costumes arraigados entre os pagãos para controlar os prazeres mundanos dos fiéis, cujos desejos extravasados deveriam ser relacionados ao jejum da Quaresma. Assim, sob a influência vaticana o carnaval tornou-se uma “festa profana” consentida…

O carnaval chegou ao Brasil no período colonial copiando as festas europeias, principalmente as que ocorriam na Itália e na França no século XVI; aqui se mesclou com a influência indígena, logo no início, e depois com a chegada dos escravos africanos adotando o ritmo cadenciado da batucada. Em Pernambuco registram-se todas essas demonstrações originais.

Hoje a comercialização das festividades momescas (de “Rei Momo” personagem da mitologia grega) ultrapassou os três dias de liberdade para os brincantes que deveriam preceder a quarta-feira de cinzas. Na Bahia dura mais de um mês…

Fui um carnavalesco convicto. Hoje, dos folguedos restam pedacinhos coloridos de saudade como registrou poeticamente David Nasser na marchinha “Confete”… Eram gostosamente ingênuas as fantasias das meninas, bailarina, bruxa, colombina, havaiana, holandesa, índia, jardineira, noiva, odalisca… Os rapazes iam de arlequim, diabo, marinheiro, palhaço, pirata, presidiário, rei zulu, toureiro…

A mistura do sagrado e o profano favoreceu a caricatura da política, a crítica dos costumes e transformação temporária de gênero. Assim, o Carnaval – banditismo à parte -, é só alegria. Eis que saem das tocas as hienas do “politicamente correto” na sua prática inquisitorial das proibições…

Eis que a hipocrisia começou por Belo Horizonte, com a sua Câmara de Vereadores trazendo o avesso dos preconceitos, numa cartilha que expressa um “Carnis Levale

Prohibitorum”, sugerindo que homem não se vista de mulher, não se caracterize como índio, não se maquie de preto…

É a oficialização dos estereótipos numa festa de inversões… O que condenarão nas marchinhas clássicas que falam de “Favela” e não de Comunidade? E aquela maravilha de Lamartine Babo, “O teu cabelo não nega”? E o “Allah-La-ô” de Haroldo Barbosa e Nássara? E o “China Pau” de João de Barro?

Isto consideraria a reprovação dos grandes compositores da mais alta qualidade que os brasileiros ainda lembram e cantam. A culpa atingiria

Ari Barroso, Benedito Lacerda, Evaldo Rui, Fernando Lobo, Haroldo Lobo, Herivelto Martins, Noel Rosa e Wilson Batista, entre outros.

Considero criminoso censurar “A História da Maçã”, “Palhaço”, “Falta um zero no meu ordenado”, “Pedreiro Waldemar”, “Nega Maluca” e “Zé Marmita”. Estão condenadas já, a hilária “Cabelereira do Zezé” e a admirável composição de Ataulfo e Mário Lago, “Amélia”.

Eu consideraria espetacular que estes citados ícones das marchinhas carnavalescas ressuscitassem, e compusessem em conjunto, “A Marcha da Liberdade”!

 

 

 

GUERRA

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“Em tempo de paz convém ao homem serenidade e humildade; mas quando estoura a guerra deve agir como um tigre! ” (Shakespeare)

O Concílio Vaticano II foi um dos mais importantes da Igreja Católica nos nossos tempos. Ao anunciá-lo o saudoso papa João XXIII proclamou como seu patrono São João Crisóstomo, doutor da Igreja e o mais conhecido entre os reformadores eclesiais.

É bom lembrar que Crisóstomo, patriarca de Constantinopla, foi um realista a ponto de considerar que na guerra, para derrotar o inimigo, é louvável recorrer ao ardil, à sabotagem, aos subterfúgios e à traição.

Guerra é guerra. As evasivas estratégicas exigem malícia e paciência, como aconselhou o ícone do planejamento bélico Sun Tzu: “Triunfam aqueles que sabem quando lutar e quando esperar”.

Um capítulo da História adotou um espetacular estratagema usado na Guerra de Troia, mencionada na Ilíada e na Odisseia de Homero. Embora sob a controvérsia de sua existência real, Homero tornou-se célebre como poeta épico e embora tenha se referido vagamente ao logro do “Cavalo de Troia” na Odisseia, todas as gerações estudiosas do mundo creem como verdadeiro este artifício enganoso.

Contam-se detalhes do uso ardiloso de um monumental equino, construído pelos gregos para conquistar Troia. Foi levado às portas da cidade como um presente, mas levando no seu interior soldados treinados para o confronto corpo-a-corpo. Levado para fortaleza, os guerreiros saíram à noite e derrotaram traiçoeiramente o inimigo.

Dos 500 anos antes de Cristo até hoje, as táticas e estratégias bélicas estudam e aplicam movimentos enganadores para surpreender o adversário, induzindo-os a abrir os flancos para a sua própria derrota.

A palavra Guerra, dicionarizada, é um substantivo feminino significando a luta armada entre nações, etnias diferentes ou partidos de um mesmo país. As línguas neolatinas adotaram a etimologia germânica “werra”, luta, discórdia, que substituiu o latim “bellum”, usado com outras referências como bélico, rebelde, rebelião.

A minha geração estudou a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), assistiu os efeitos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), acompanhou a Guerra Fria (1947 – 1991) e sofreu dois temores: as ameaças de uma guerra atômica e da guerra bacteriológica.

Ensinou o grande estratego alemão Carl von Clausewitz que a guerra é a continuação da política; assim se deduz que muitas das táticas evasivas dos exércitos nascem da malandragem dos políticos. No Brasil é fácil constatar isto observando os picaretas do Congresso em sua movimentação chantagista.

Comprovamos uma espécie de simbiose da guerra e da política, ao conhecer a chamada guerra psicológica ou de propaganda, quando o povo é dominado pela massiva repetição de promessas mentirosas, informações falsas e temores subliminares.

Pela Internet, nas redes sociais, vemos a manipulação da propaganda por grupos organizados a serviço de ideologias ou partidos, e tem também empresas que vendem estes “serviços”, como ocorreu flagrantemente nas últimas eleições presidenciais.

Um desses empreendimentos, a Yacows, apareceu com alvoroço na CPMI das Fakes News, provocando uma movimentação inusitada nos meios jornalísticos, quando uma repórter da Folha de São Paulo foi citada pelo depoente Hans River do Rio Nascimento.

Na última terça-feira, dia 11, foi ouvido o ex-funcionário da Yacows, empresa acusada pela Folha de SP de fazer disparos em massa via WhatsApp a favor do então candidato à presidência, Jair Bolsonaro. Hans River negou ação pró-Bolsonaro, afirmando que o trabalho foi realizado para defender Fernando Haddad, candidato do PT.

Como cantou Raul Seixas, “a vida é séria e a guerra é dura”. Assim, assistimos também inversões internacionais amplas, gerais e irrestritas… quem imaginaria que um dia, o Papa iria receber um condenado por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha?

Sinal dos tempos; o velho Churchill os previu quando disse que “a política é quase tão excitante como a guerra e não menos perigosa”. Verdade; a política atiça as matilhas raivosas de globalistas a declararem a Terceira Guerra Mundial!

LEMBRANÇAS

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“O homem tem toda a vida para colecionar experiências e ensinamentos, mas apenas poucos anos para reunir essas lembranças” (Morris West)

Quando a gente nasce, a memória vem adormecida sob o lençol dos nossos neurônios no sistema nervoso central…  Não é um dom como os sentidos ou as heranças genéticas da cor dos olhos ou o tamanho do nariz.

É no correr da vida que as memórias armazenam uma vasta gama de registros, que vão da memória afetiva às memórias históricas; criam-se e se desenvolvem através das experiências sensoriais e, mais tarde, por exercícios técnicos e disciplina.

A capacidade adquirida para decorar é, às vezes, extraordinária. Encontramos cristãos que repetem palavra por palavra o Novo Testamento, islamitas que recitam o Alcorão inteiro e judeus que narram o Talmude.

Anos atrás, num programa de televisão, apareceu um cara que havia decorado um catálogo de telefones! Que os jovens do tempo do celular aprendam: aqueles catálogos eram um catatáu com mais de duas mil páginas de endereços…. Eu, quando rapazola, lembrava de cor os números de telefone de parentes, amigos e colegas de escola; hoje, nem isto!

Sofro, como escrevi outro dia, a desordem mental que vem com a idade, que vai atrofiando as lembranças e muitas vezes confundindo-as com fantasias. Tenho um amigo que ouvindo-me contar passagens da minha vida e considera-as fantásticas, me aconselha a publicá-las sob o título “Memórias de Ficção”….

Para me garantir do desmanche das reminiscências ou misturá-las com fantasias, venho anotando “causos” ocorridos comigo e as curiosidades tiradas de livros e revistas. É uma forma de manter o que me interessa sem confiar na memória, este substantivo feminino de origem morfológica, lembrar + ança, o efeito de guardar fatos na memória.

Guardo ensinamentos úteis, ideias nascidas da observação e casos que me interessam; e é assim que divulgo nos meus artigos anedotas históricas e fábulas obtidas por ter aprendido com Goethe que “O que passou, passou, mas o que passou luzindo, resplandecerá para sempre”.

Mas eu gostaria de levar para as sombras do esquecimento as promessas dos políticos nas campanhas eleitorais, porque sofro ao recorda-las quando não as vejo cumpridas ou, pelo menos, tentativas para realizá-las.

Não sou o único a pensar dessa maneira, assistindo o campo da política tornar-se um aterro sanitário, que acolhe o lixo humano para ocupar os poderes do Executivo, Judiciário e Legislativo. Principalmente o Legislativo, onde para entrar não se exige formação intelectual, honestidade e atestado de boa conduta; depende apenas da burrice ou da venalidade do eleitor…

Neste cenário de horrores, as lembranças estão, felizmente, nos registros históricos e no disse-me-disse que vagueia em todas as cabeças pensantes. No Rio de Janeiro temos boletins de ocorrência de quase todos agentes políticos mergulhados na corrupção.

No pobre Estado do Rio, que tem graças à natureza uma capital maravilhosa, quatro ex-governadores foram presos por corrupção. Agora, um deles, Sérgio Cabral, teve sua delação premiada aprovada, talvez por descuido de um ministro do STF.

Comparsa de Lula da Silva na corrupção, Cabral dedurou o seu vice, Luiz Pezão, como organizador de um esquema de propinas e dele usufruir R$ 70 mil mensais no seu governo.

Temos também a denúncia do ex-ministro petista, Antônio Palocci, acusando Lula da Silva da venda de Medidas Provisórias tendo como pagamento propina para um dos filhos.

É talvez pela escabrosa situação política a que chegamos, que agradeço de mãos postas não ter desperdiçado a oportunidade de memorizar poesias como a de Castro Alves: – “Senhor Deus dos desgraçados! / Dizei-me vós, senhor Deus! / Se é loucura… se é verdade/ Tanto horror perante os céus…

 

 

 

 

 

ADVOGADOS

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“Se não existissem más pessoas, não haveria bons advogados. “ (Charles Dickens)

Todos agentes públicos devem ser fiscalizados sempre, e criticados se assim merecerem; na minha opinião, entretanto, considero insolente e grosseiro o ataque feito à ministra Damaris Alves pelo advogado dos corruptos, Antônio Carlos de Almeida Castro, tratado nos meios jurídicos pela alcunha de Kakay.

Este cidadão, que tem o privilégio de entrar no STF de bermudas, por mais que esteja blindado pela legislação bacharelesca, não está isento para desrespeitar um Ministro de Estado e, como cidadão, a uma mulher no exercício de uma função pública.

O trato com autoridades governamentais exige respeito de qualquer um. A gente pode criticar, denunciar e até ridicularizar os operadores da coisa pública, mas com o acatamento pessoal devido.

Acredito firmemente que Kakay faça parte de uma minoria. Entretanto ainda há saudosistas do tempo em que o Brasil era chamado de “República dos Bacharéis”. Como restos entulhados da República Velha que vivia sob o domínio do canudo e o anel de rubi dos filhos ou representantes do coronelato, ainda se preserva um status especial para os advogados a ponto de haver uma prisão especial para eles…

A palavra “Advogado” deriva da expressão em latim “ad vocatus” que significa o que foi chamado, designando no Direito romano a terceira pessoa que o litigante chamava perante o juízo para defender o seu interesse. Gramaticalmente em português é um substantivo masculino, designando a pessoa formada num curso de ciências jurídicas, apta a dar assistência profissional nos tribunais de Justiça.

O artigo 133 da Constituição Federal de 1988, ainda em vigor, considera o advogado como um profissional “indispensável à administração da justiça, inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

Esta colcha de retalhos constitucional costurada pretensiosamente como uma reação democrática à ditadura militar, estabelece assim que o advogado é inviolável por seus atos no exercício da profissão.

E nesta pretensão de serem “mais iguais do que os outros”, pegaram carona num jabuti emburacado na Lei de Abuso de Autoridade, acrescentando nela (literal e abusivamente) o artigo 7º-B do Estatuto da OAB, deliberando uma punição para quem pretensamente “violar direito ou prerrogativa de um advogado”.

Após se aposentar como engenheiro do serviço público, meu pai cursou e se formou em Ciências Jurídicas para incentivar um neto, acadêmico de Direito, e abriu um escritório onde admitia estagiários e solicitadores.

Ele colecionava histórias para orientar o pessoal de como usar simulações na defesa do cliente, e tirou de uma velha revista italiana a história de um eminente advogado criminalista de Turim que comparecia displicentemente aos julgamentos.

Para este causídico, bastava uma vista d’olhos nos autos para improvisar a defesa incontestável do seu constituinte. Ocorre que um dia confundiu qual das partes deveria defender e sustentava uma tese contrária ao seu cliente quando um auxiliar o advertiu do equívoco.

Mudando apenas o tom de voz, como segredasse uma revelação ao júri, disse: – “Serão estas deduções arbitrárias e incoerentes que o meu adversário usará  para deturpar a veracidade dos fatos”, e refutou uma a uma as razões que defendera.

Isto é a advocacia tal como ela é. É claro, repito, que entre os advogados nem todos são hipócritas; mas na amplitude dos empregos públicos exclusivos para formados em Direito, a participação política e social deles nos leva a concluir que pior do que um advogado mal-educado somente uma pá de advogados atravancando os corredores do Fórum…

EPIDEMIAS

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“A sabedoria e a ignorância se transmitem como as doenças; daí a necessidade de se saber escolher as companhias” (William Shakespeare)

Conta-se que o pai da Medicina, Esculápio, elevado à categoria dos deuses pelos gregos, teve com a sua mulher Lampetia uma filha que foi batizada como Higeia, considerada como a inventora da higiene, propondo um conjunto de medidas pessoais para conquista do bem-estar e saúde; asseio e limpeza.

A progênie de Esculápio, ensinando a comer alimentos saudáveis, beber água pura e o hábito de lavar as mãos, reduziu quase a zero a clientela do pai, mas o manteve como seu inspirador e gravou historicamente a sua memória pelas curas obtidas.

Isto nos ensina que devemos ajudar os filhos na sua formação, para que saibam distinguir o bem e o mal, e pelo exemplo que damos eles não deixarem cair nas sombras do esquecimento o respeito que os pais merecem.

Falando de saúde e medicina numa época que o mundo procura se resguardar das epidemias, não é demais comentar e folhear os compêndios de História para rever quão avassaladoras foram as viroses que se difundiram no passado. Parece-me que a mais avassaladora de todas foi a “peste negra”, a pandemia que resultou na morte de 75 a 200 milhões de pessoas na Ásia e na Europa.

É triste recordar, também, as desgraças trazidas para as Américas pelos conquistadores, dizimando várias nações indígenas com a varíola, sarampo, caxumba, gripe e, segundo recentes pesquisas científicas, a febre entérica.

Mais recentemente, causou pânico o HIV, os retrovírus da aids que atacam o sistema imunológico e acarretam infecções agudas, um mal felizmente combatido e controlado; veio a MERS e depois a síndrome respiratória aguda grave, abreviada como SARS e a dengue e o ebola, doenças transmitidas por insetos.

A medicina moderna classifica essas manifestações como surto, epidemia, pandemia e endemia. A epidemia é a propagação de uma doença infecciosa por virose, que surge de repente em certos locais, e termina espalhando uma pandemia mundo afora.

O Corona Vírus, primo do vírus da SARS, teve início na província de Wuhan, na China, infectando centenas de pessoas desde o início do surto que, segundo pesquisa, é provocado por vírus, bactérias ou outros microrganismos.

Os sintomas do corona vírus incluem coriza, tosse, dor de garganta, possivelmente dor de cabeça e talvez febre, que pode durar alguns dias, e como disse Stendhal, a dar-se um nome para uma doença é apressar-lhe os avanços.

Segundo a OMS faz-se necessário um alerta global também nas grandes regiões asiáticas, atingindo um grande número de pessoas e com incidentes casos pontuais na Europa e na América do Norte.

Todo cuidado é pouco. A lição de Higeia, citada, foi elevada, como o pai Esculápio, aos deuses do Olimpo como deusa da saúde, limpeza, higiene e saneamento. Esta orientação com cerca de 300 anos antes de Cristo é válida para a prevenção da pandemia do coronavírus.

Mais tristes ainda são as epidemias que atacam os neurônios… O fanatismo recorrente de ideologias tronchas, já superadas como utopias quando foram levadas à prática, ataca principalmente os jovens desnorteados pela falta de perspectivas pessoais de vida.

Contou-me esta semana um amigo, professor de universidade no Nordeste, a curiosa história de uma aluna com origem numa família abastada de fazendeiros e neta de um desembargador.

Impressionado com os discursos radicais da moça, pregando a derrubada do estado burguês, o Professor perguntou o porquê desta opção. Com os olhos arregalados do fanatismo ela disse que cansou das críticas dos colegas às suas roupas e ao seu carro, resolvendo aderir a eles que lhe mostraram as injustiças do mundo.

Viu que as suas empregadas, os agricultores e os vaqueiros da fazenda e os motoristas do seu pai e da sua mãe eram muito pobres. Todos. Seus salários não dão para sustentar uma família.

Então o Mestre indagou: – “E porque os seus pais não tomam a iniciativa de mudar esta situação, sem esperar leis, normas, aparatos legais e jurídicos? ” Aí a pobre menina rica se revelou: – “Que bobagem, se for assim como vamos manter o nosso “status”?

Essas coisas me levam ao pensador mais avançado para sua época, Voltaire, ao dizer que “o fanatismo é uma doença da mente, que se transmite da mesma forma que a varíola”.