Arquivo do mês: dezembro 2023

Carlos Drummond de Andrade

RECEITA DE ANO NOVO

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

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DISCUTINDO A RELAÇÃO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Renovadas as esperanças de que tudo melhore no Ano Novo, temos várias opções: a fundamental, no meu entender, é cuidar da saúde; e a seguir vem a conquista da paz de espírito, com uma convivência saudável entre parentes e amigos.

É óbvio que não se pode deixar de lado a manutenção da mente aberta, independente e livre; o que nos leva ao alerta de Brecht quando disse que o que os malfeitores da vida pública mais querem é a nossa omissão da política.

Assim não nos custa definir uma posição política para 2024. Pela deterioração dos poderes republicanos, todos três, penso em lutar pela convocação de uma Assembleia Constituinte.

A “Carta de 88” já era. Primeiro, não tem nada de cidadã, traz favorecimentos insólitos aos políticos que viraram profissionais, com privilégios pessoais e até recebendo aposentadorias e pensões “mais iguais do que as dos outros”; e, segundo, priva-nos da segurança pela leniência para o crime e os criminosos.

Também são muitas e se multiplicam como uma colcha de retalhos as brechas intercaladas nos seus capítulos, jeitinhos que beneficiam governantes e parlamentares que fazem mal uso do dinheiro público. Incita claramente a corrupção e a garante a tolerância para os corruptos e corruptores, tornando impossível a aplicação de uma Justiça boa e perfeita.

Por tudo isto, faz-se necessário escrever uma nova constituição mais enxuta e realista que nos permita citá-la com a inicial maiúscula. Mas é preciso muito cuidado com a eleição dos constituintes e rejeitar o que fizeram os que assinaram a Constituição da República de Bruzundanga, fato descrito magistralmente por Lima Barreto.

Escreveu Lima que “os bruzudanguenses quiseram uma nova lei básica para governar o país; então foi convocada uma constituinte “com toda solenidade”, participando dela “jovens poetas, transandando à grossa boemia; imponentes tenentes de infantaria, ainda ‘cheirando’ aos cadernos da Escola; velhos possuidores de escravos cheios de ódio ao antigo regime que os libertou; bisonhos jornalistas da roça recheados de uma erudição à flor da pele e alguns colegas da capital entusiastas por caudilhos políticos”.

“Um dos artigos por eles sancionado na Magna Carta, trouxe, nas disposições gerais, que toda vez que um dos capítulos da Constituição ferir interesses de parentes das pessoas da situação, ou membros dela, fica subentendido que ele não tem aplicação no caso….”

“Com este artigo, a Lei Suprema de Bruzundanga tomou uma elasticidade extraordinária; os presidentes das províncias que apoiavam o Presidente, fizeram tudo o que queriam, e se alguém apelasse contra seus malfeitos à Justiça (lá se chamava Chicana) logo os ministros interpretavam a Lei Máxima garantindo o direito considerado errado”.

“A Carta de Bruzundanga foi copiada de um país de gigantes, mas às três páginas daquela, acrescentou-se 580, e assim foi obedecida de modo religioso”.

Lembra ainda Lima Barreto: “A Constituição da Bruzundanga era sábia no que tocava às condições para elegibilidade do Mandachuva, isto é, o presidente”.

Para discutir a relação da Constituição, Justiça e eleições na República de Ficção com o que ocorre no Brasil, nestes campos da atividade, temos aqui a obscena reeleição, o foro privilegiado e uma Justiça “garantista” julgando o “andar de cima”.

Quanto à convocação de uma constituinte para elaborar uma Constituição de verdade, temos que evitar que façam parte dela cúmplices do crime organizado, donos de cartório, filhos e netos de fazendeiros desmatadores, militares que sonham com uma ditadura e oportunistas de todos os naipes.

Assim, deixando de fora do poder gente egocêntrica, religiosos indiferentes, mulheres luxentas, intelectuais levianos e sindicalistas preguiçosos, eu gostaria de uma definição: A nova Constituição deve vir preocupada tão somente em realizar o dístico da nossa Bandeira: “Ordem e Progresso”.

Fernando Pessoa

No breve número de doze meses
O ano passa, e breves são os anos,
Poucos a vida dura.
Que são doze ou sessenta na floresta
Dos números, e quanto pouco falta
Para o fim do futuro!
Dois terços já, tão rápido, do curso
Que me é imposto correr descendo, passo.
Apresso, e breve acabo.
Dado em declive deixo, e invito apresso
O moribundo passo.

UMA FESTA PAGÃ

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Escrevi uma crônica leve, cheia de pitorescas curiosidades para ser lida na data em que se comemora o Natal que reverencio como todos os que sofrem a influência do cristianismo. Repetindo anos anteriores nos reunimos em família, mulher, filhos, netos e bisnetos.

Poderia ter usado isto como tema; não o fiz porque considero o que celebramos uma festividade pagã, lembrando que o 25 de dezembro fazia parte do calendário civil romano como o Dia do Sol Invencível.

Homenageava o deus Mitra, patrono da justiça e da aliança e condutor da luz com farras orgíacas. Ele era representado materialmente pelo sol. Estas festas pagãs duraram até que o cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano.

Então, o deus que vigiava a ordem cósmica, as estações do ano e a alternância do dia e da noite, foi substituído por Jesus Cristo divinizado; e o culto ao Sol Invencível foi proscrito pelo Edito de Teodósio, no ano 380.

Mesmo proibido, o mitraísmo continuou sendo a religião popular em mais da metade da parte ocidental do Império, sendo que muitos cristãos aderiam às festividades do Solstício de Inverno que ocorrem em dezembro no Hemisfério Norte.

A hierarquia católica sentiu isto e se apropriou da data, decretando o dogma da Natividade. Foi o trigésimo-sexto papa, Libério, que reinou sobre a Igreja Católica Romana de 352 até 366, que impôs o dia 25 de dezembro como data do nascimento de Jesus Cristo.

Libério e seus acólitos estabeleceram a Natividade junto com as demais festividades católicas, como a Páscoa da Ressureição e o Pentecostes herdado dos judeus (que dignifica o recebimento por Moisés das Tábuas da Lei), adaptando-o para a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos.

Pretendendo despertar e conquistar os pagãos para Cristo, o seu nascimento poderia ter sido em qualquer data. Antes, recebia a atenção de diversos seguimentos cristãos para o 7 de janeiro, o 3 de março ou o 13 de abril, adotados por antigas seitas cristãs.

Lucas no seu evangelho (Lc, 1, 26) expõe que o arcanjo Gabriel anunciou a vinda do filho de Deus a Maria, seis meses após o profeta João Batista ter nascido, o que ocorreu a 24 de julho. Portanto, por uma gravidez normal de nove meses, a noite do nascimento de Jesus dificilmente teria sido em dezembro.

Vê-se então que a adoção do 25 de dezembro, atendendo ao interesse expansionista do papado, não foi a única concessão ao mitraísmo. O sacerdócio católico vestiu-se igualmente ao vestuário dos prelados e do pontífice de Mitra, com os papas usando o turbante mitral, de que os rabinos judeus já haviam também se apossado.

Diversas vertentes do cristianismo discordam e contrariam a adoção da Natividade a 25 de dezembro no Ocidente, Europa e Américas; mas aceitam-na a Igreja Anglicana, a maioria das Igrejas ortodoxas e tendências protestantes nórdicas.

A Reforma protestante, proibiu a celebração do nascimento de Cristo admitida pelo Papado que segundo Martin Lutero. era uma das fraudes papistas e denunciou-a como uma volta ao paganismo.

Austero, o luteranismo combatia também o Carnaval por sua inegável ligação com o catolicismo. Tal como é festejado no Ocidente, antecede a Quaresma criada na Alta Idade Média por um período de 40 dias antes da Páscoa.

Como o culto do Sol Invicto, o Carnaval tem também a sua origem greco-romana e era celebrado em Roma no solstício de Inverno, como a Lupercália, que ocorria em fevereiro.

Tudo visto e pesquisado não se trata de uma crítica, nem uma condenação como fez Lutero; trata-se apenas de um registro histórico sobre as festas pagãs. Da minha parte, festejo o 25 de dezembro com os meus parentes e amigos. Trocamos presentes e semeamos alegria com comida e bebida.

O MELHOR REMÉDIO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Um comentário que correu em Londres no após-guerra discorreu sobre a passagem de Churchill, à noite, por uma farmácia toda iluminada e disse: – “Eis o motivo de todas as doenças…”.

Não sei se é verdade ou simplesmente uma piada, mas foi notícia de jornal. Lembrando disto, matutei sobre a interpretação um tanto maldosa do herói inglês; vejo que por um lado, é uma afronta à indústria farmacêutica, e, do outro lado, expõe uma contradição: as farmácias produzem as enfermidades ou são consequência delas?

Constatamos que no Brasil esses estabelecimentos aderiram (por lei) à moda dos EUA, isto é, além de medicamentos e artigos de higiene, vendem também mercadorias de conveniência. Talvez, por isto, a multiplicação das drogarias debaixo da Linha do Equador é impressionante.

Não dá para explicar como isto ocorre nos países de livre concorrência. Nas grandes cidades do Brasil, por exemplo, elas são incontáveis. A Rua do Catete, no Rio de Janeiro, tem pouco mais de cinco quilômetros, e nela tem 42 farmácias, muitas delas vizinhas à outra.

Ando pelos bairros Glória, Catete, Laranjeiras, e não encontrei neles as especializadas em homeopatia e somente um único herbanário; mas competindo pela cura de enfermidades, temos vários templos evangélicos prometendo milagres.

Por este cenário se conclui que o povo está doente. Remédios industrializados monopolizam praticamente a demanda, mas ainda persiste busca de remediar pelos métodos tradicionais caseiros de chás, jejuns e lavagens; e pela religião, a crença na terapia com passes mediúnicos e rezas.

Ressalte-se que essa alternativa pelo miraculoso chama a atenção. Em favor disto lembro de um tio que ajudava os que buscam recuperar a saúde acreditando em milagres. Contava que assistiu na Índia um faquir enterrar uma semente no chão e tremulando as mãos sobre ela, conseguia em poucos minutos sua germinação, crescimento e produção de flores….

Será que os milagres acontecem realmente? Hoje em dia, milagres já não ocorrem como nos tempos bíblicos, como relatou João 18.10. que o apóstolo Pedro sacou da espada e feriu Malco, o servo do sumo sacerdote que acompanhou os soldados para prender Jesus; decepou-lhe a orelha direita e, segundo Lucas (versículo 51), Jesus acudiu, repreendeu Pedro, e tocando na ferida de Malco, estancou o sangramento e recompôs a orelha.

Estas práticas milagrosas condizem com as lições de Hermes Trimegisto (Três Vezes Grande) sobre a vontade enérgica transformadora. Citado por Tomás de Aquino na “Pedra Filosofal”, Trimegisto escreveu que “o poder da cura está nas mãos de qualquer um, desde que empregue as partículas da divindade presente em todos os seres”.

O milagre da cura desperta a curiosidade do intelectual irrequieto e do educador curioso, que procuram abrir as janelas de onde se contempla a Verdade. Então veem diante de si que o sobrenatural envolvido pelo véu da fé e da esperança disputa com as descobertas da ciência médica e com a tecnologia avançada da Inteligência Artificial.

Entre a metapsíquica e a pesquisa científica há espaço suficiente para pensarmos em nós mesmos, na nossa saúde, vigor e intento pela longevidade. Aconselha-se remédios, os melhores, segundo usuários: Um deles vem do noroeste do México indicado por um xamã da tribo yaqui, entrevistado por Carlos Castañeda para o livro “Uma Estranha Realidade”.

“Dom Juan”, como Castañeda o chamou, aparentava uma idade indefinida, talvez 80 anos. Sua fórmula para alcançar uma velhice forte e sadia chegada de tempos remotos, dos avós dos seus avós: um copo d’água quente em jejum, ao acordar pela manhã.

A outra terapia revigorante é do século 19, foi anunciada pelo naturalista François Huber, o prodigioso uso da geleia real das abelhas, cujo poder dá à rainha da colmeia idade 50 vezes superior à atingida pelas abelhas operárias.

Cheguei aos 90 anos e a aproximadamente a uns 20, faço o que Dom Juan indicou; quanto à geleia real, autêntica, é caríssima, não está no meu orçamento… Rsrsrs.

 

 

 

NINHOS DE SERPENTE

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Neste segundo milênio da era cristã, com o fervilhar de notáveis avanços científicos e surgimento de grandiosos aparatos tecnológicos, a nossa Pátria Mãe acolhe na Praça dos Três Poderes, em Brasília, ninhos de serpente.

Constatar isto nos indigna e revolta assistindo os monstruosos ofídios por ovos e ver o nascimento de serpentezinhas no ninho, unidas com peles serpentiformes avermelhadas e verdosas, se diferenciando somente pela cor.

A coloração diferente dá-lhes uma ajuda para atrair e conquistar a opção de inocular o veneno de fanatismo nos desavisados, propagando a toxidade polarizadora que provoca o ódio entre os que se enfrentam nos confrontos eleitorais.

Desenha-se assim a metafórica contenda dos extremismos populistas, bolsonarista e lulista, que serpenteiam no Planalto. Contra Bolsonaro e Lula não devemos arquivar perífrases nem usar reticências. É obrigatório denunciá-los e combatê-los porque já não há dúvida de que ambos ultrapassam os limites da exploração de ideologias deturpadas à direita e à esquerda.

Estes dois populistas rejeitam princípios éticos e morais e devem ser acusados para evitar que trapaceiem a massa que se deixa enganar cativada pelo colorido e musicalidade de promessas demagógicas nunca cumpridas.

É preciso acusá-los de manter a população na ignorância pelo desprezo à Educação que lhes ajuda a manobrar o País. É por isto que peço licença aos críticos de Leonel Brizola, para citá-lo quando disse que “a educação é o único caminho para emancipar o homem; desenvolvimento sem educação é criar riquezas apenas para alguns privilegiados”.

Também o tribuno baiano João Mangabeira nos legou uma louvável proposta, ao afirmar que “no dia que os filhos do pobre e do rico, do político e do cidadão, do empresário e do trabalhador, estudarem na mesma escola…. Neste dia, o Brasil será o país que queremos”.

Para que nenhum cretino de plantão resmungue que cito apenas opiniões do centro e da esquerda, declaro meu respeito à política educacional teorizada em 1974 pelos generais Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, atendendo à aspiração de libertar o povo pela instrução.

Entretanto, para os populistas que se revezam no poder, a incultura lhes garante a permanência no abominável cenário político que atravessamos. Assim, o serpentário traz uma distorcida concepção de Democracia, chegando até adjetiva-la, como fez Lula concebendo a ditadura venezuelana como uma “democracia relativa’, e Bolsonaro articulando um golpe contra o Estado de Direito.

Há quem apoie tais disposições deles e há quem se cale diante disto. Felizmente surgem aqui e acolá protestos, mesmo longe de atacar estruturalmente o esquema populista; é plausível, porém, que muitos entendem que só se conquista a Democracia pelo seriado educativo da conscientização e da alforria intelectual.

Precisa-se para isto de uma reformulação científica nos currículos escolares, estimulando o alunato e qualificando os professores, remunerando-os com os padrões mundiais (em Singapura o piso equivale a R$16 mil). Sem que isto se faça, tudo continuará no mesmo ramerrão de uma política educacional de fachada.

No plano internacional, lembro Dwight D. Eisenhower, presidente dos Estados Unidos, quando, no fim do seu mandato fez uma autocrítica digna de citação, dizendo que um dos maiores erros e mais notáveis que cometeu, foi em não ter dado prioridade à Educação.

O herói da guerra contra o nazifascismo conscientizou-se de que somente com a Educação poderemos manter a Democracia e programar o desenvolvimento econômico. Tivemos também um presidente que se preocupou com isto, Epitácio Pessoa, semeador no seu governo de escolas públicas Brasil afora. Mais tarde, não custa louvar Darcy Ribeiro que revolucionou o Rio de Janeiro com os CIEPs.

Estas personalidades nos ensinaram a eliminar as serpentes da ignorância que se aninham ameaçadoras com 60% de analfabetos funcionais no País; e são aliadas dos populismos auto assumidos “de direita” e “de esquerda”. Exterminá-las é uma prioridade fundamental; parece redundância, e se for, reforça a afirmação.

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FÁCIL OU DIFÍCIL ?

MIRANDASÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Não venho tratar de problemas de palavras cruzadas nem do Sudoku, mas de uma das lições mais inteligentes que recebi sobre as dificuldades ou facilidades de aprender, fazer e entender, é um pensamento de George Santayana que guardo comigo desde a adolescência (que vai muito longe): “O difícil é o que se pode fazer facilmente; o impossível é o que exige um pouco mais de tempo…”

Não conheço qualquer pesquisa de opinião ou estatística sobre isto, mas a minha grande dificuldade no estudo foi a Matemática, principalmente a sua etapa superior; e fiquei satisfeito em compartilhar isto com Shakespeare que disse: “Deixei de gostar da matemática depois que “x” deixou de ser sinal de multiplicação”.

Sou melhor que ele, porque gostava (e gosto) das expressões matemáticas em equações de primeiro grau que buscam a igualdade entre duas quantidades. E  amo a Geometria, o que me levaria a conviver com os antigos filósofos gregos….

Na alvorada da minha vida tive uma fácil compreensão geográfica e histórica; pena que a Geografia Política mudou do meu curso primário para cá com a descolonização na África e na Ásia e as consequências da 2ª Guerra na Europa.

A História ficou. Como o passado não muda, apenas enriquece com novas informações, tenho estudos arquivados na massa folheada dos meus neurônios, guardando curiosidades e anedotário sobre personalidades que se sucedem por gerações….

Lembro, por exemplo a narrativa do historiador pioneiro, Heródoto, sobre o primeiro grande faraó, Keops, que se vendo em dificuldade financeiras para concluir a construção da sua pirâmide, levou sua filha à prostituição, cujos honorários cobrados eram pedras de dez por dez metros…

Coisa pouco conhecida, como a consagração do Ovo que se transformou em caríssimas joias no reino czarista e foi adotado pelo cristianismo imperial como símbolo da Páscoa. Surgiu por uma coincidência: um ovo vermelho de galinha posto no dia do nascimento do imperador romano Alexandre Severo, que reinou nos anos 235 da Era Cristã e foi bastante influente na Igreja Católica Romana.

Para matar a curiosidade não podemos deixar de estudar e, satisfeitas as pesquisas feitas, é uma obrigação divulga-la. É necessário não deixar qualquer vácuo na informação; todas as coisas são importantes para o interlocutor.

Cumprindo a minha tarefa de descobrir coisas de interesse geral, descobri uma coisa simples para uma palavra que está internada na UTI da Linguística, mas em certas regiões brasileiras ainda é usada, a palavra Ponche.

Pensava que era francesa. Ledo engano: a sua etimologia é indiana significando cinco; isto mesmo, o número cardinal que fica entre o quatro e o seis…. Simplesmente se refere aos cinco ingredientes que o compõem: açúcar, água, canela, limão, rum, e bastante gelo.

Como tratamos de diversão, encontramos também uma sutil diferenciação nos termos usados na Ciência Médica, na Botânica e na Zoologia. A primeira adota o grego e as duas outras latim; e é interessante a adoção do grego nas referências às manias e fobias pela psicanálise e psicologia – talvez por influência de Freud.

A fobia – fóbos/ou, medo, + ia – é a aversão exagerada por alguma coisa (o dicionário registra “receio patológico persistente”). Ultimamente na linguagem comum usamos o termo Homofobia combatendo o preconceito aos homossexuais. Aparentados, temos Agorafobia o medo da altura; Quenofobia, medo da escuridão, Claustrofobia, medo de lugares fechados e Oclofobia, medo mórbido de multidões.

O medo psiconeurótico, irracional e doentio, dificulta os portadores da Oclofobia impedindo-os de assistir um clássico do futebol; mas facilita a higiene mental no campo da política; não vai às manifestações extremistas, comícios e invasões a prédio públicos.

Isto é fácil de entender, embora dificílimo de evitar outras enfermidades fóbicas, algumas até benvindas, como a Bolsofobia e a Moluscofobia, ambas trazendo o medo de manter a continuidade da polarização patológica destas bactérias populistas e demagógicas.

RÉGUA & COMPASSO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

É muito conhecido o axioma “O homem é a medida de todas as coisas” que hoje para agradar as radicais (e hipócritas) antimachistas, tipo Dilma Rousseff, poderíamos dizer “O ser humano é a medida de todas as coisas” ….

Este enunciado é do brilhante sofista da Grécia Antiga, o filósofo Protágoras de Abdera, oposto as teses de Sócrates como defensor da verdade absoluta e das verdades de valor universal.

A expressão vem expressa num texto extensivo, que completo é “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são”. Uma lição sobre o relativismo, a compreensão de cada pessoa pela maneira própria e específica de ver.

Pela régua e compasso da minha concepção das coisas, há uma exceção: não se pode mensurar o fanatismo político e religioso. Exemplifico com a correspondência de um pastor evangélico que criticou a minha afirmação de que a longa vida dos patriarcas judaicos é uma fantasia.

Como “homem de fé”, este contendor mostrou-se mais sofista do que cristão, usando uma hipótese para me contrapor. Seu argumento é de que o ser humano pode alcançar o tempo de vida que a Bíblia relata; seu raciocínio leva em conta que o cachorro vive 14 vezes a mais do tempo em que atinge a idade adulta, chegando aos 16 anos.

Esta falácia considera que o ser humano é adulto aos 20 anos, tempo que multiplicado por 14 dará 280 anos de vida….  É interessante esta comparação, mas não alcança os 777 anos de Matusalém…

Da minha parte, prefiro filosofar sobre a altura, espessura e largura das pessoas pelas suas dimensões corporais, ou ver no comportamento delas a sua formação, honestidade, integridade e lucidez.

Já imaginaram levar esta avaliação para os nossos políticos? Para Lula, de quem Brizola disse que pisaria no pescoço da mãe para se eleger; ou para Bolsonaro, usuário de rachadinhas e condecorador de milicianos?

Para mim, os políticos são incomensuráveis. O alfaiate pode tomar suas medidas para lhes fazer um terno e um sapateiro medir seus pés para produzir um sapato; mas é impossível um observador da política dimensionar o comportamento destes protagonistas da polarização eleitoral.

Como venho de longe, conheço o seu jogo. Os métodos deles são invariáveis: têm por base a demagogia populista, o uso do dinheiro e corrupção; então prefiro compará-los aos trapaceiros.

A trapaça é uma arte que esses vigaristas usam muito bem. Se pararmos para pensar, lembraremos que há trapaças criminosas e trapaças simpáticas. Criminosas são as que exploram toda uma Nação, roubando gente besta e gente esperta, pobres e ricos, contribuintes que pagam impostos na compra de um chiclete ou caixa de fósforos, em carros de luxo, jatinhos ou iates oceânicos.

Pagantes de impostos não veem como é aplicada a sua contribuição; veem apenas a exorbitância de benesses para os “mais iguais do que os outros”, juízes, parlamentares e ministros. E não há coisa mais revoltante do que pagar aposentadoria para políticos, porque política não é profissão.

Para esfriar as chamas da indignação falemos dos “trapaceiros simpáticos”, aqueles que enganam delinquentes como eles. No correr deste texto lembrei-me de um clássico dos contos de vigário, a história de um humilde músico de rua que entrou na padaria com um violino debaixo do braço e tirando trocados do bolso, comprou um pão.

Após comer ali mesmo, pediu ao gerente o favor de guardar seu instrumento por algum tempo, enquanto resolveria uns problemas. O violino exposto perto do caixa chamou a atenção de um freguês que após examiná-lo pergunta se está à venda e oferece uma desmedida quantia pelo o que reconheceu, como colecionador, um Stradivárius.

O Padeiro diz que o violino não é seu, mas iria esperar o dono para propor o negócio; e quando o músico voltou, convenceu-o de vender o instrumento por um quinto da quantia oferecida pelo colecionador, e este jamais voltou à Padaria; era apenas o coadjuvante do golpe que rendeu vultuosamente aos dois trapaceiros.

Assim lucram com o dinheiro público os falsários do patriotismo, da liberdade e até da religião. São patriotas que só pensam em si mesmos, defensores da liberdade, de olho em tornar-se ditadores, e religiosos adoradores de santos do pau oco.

… Ou os brasileiros acabam com estes trapaceiros ou a Pátria desmorona por eles.

IDADE DA RAZÃO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Michel de Montaigne, filósofo, escritor e humanista francês, autor dos antológicos “Ensaios”, expressou nos seus escritos um pensamento notável, embora pareça óbvio: “Basta viver setenta anos para se ver tudo e o seu oposto”.

Daí, mesmo sem precisar da Inteligência Artificial, criei um personagem de ficção (gente como a gente, não um robô) e dar-lhe algo mais do que a simples vivência neurônica, através da palavra que se lê com as lentes da realidade: “Estudo”.

Na vivência sócio-política que atravessamos, vê-se que a educação dos filhos e netos tem agitado o pessoal do “X”. Tuiteiros até abrangeram sobrinhos-netos, o que me despertou a atenção, trazendo-me para participar desta discussão saudável no corredor da inteligência.

É ponto pacífico que todos querem a felicidade dos seus descendentes – e os mais altruístas estendem este desejo a todas crianças do mundo. É um sentimento nos leva a perguntar: – “O que é a felicidade?”.

Em todos estágios civilizatórios sempre se procurou conquistar a felicidade pessoal ou coletiva; mas a amplitude e complexidade da sua definição nos leva ao seu aspecto psíquico.

Seguindo Jesus, os cristãos defendem que a conquista da felicidade é amar o próximo, sem nada exigir em troca; os ateus pensam como o sociólogo argentino Christian Ferrer, que considera a felicidade um estado emocional e estabelece o princípio de que o ideal de felicidade é a reciprocidade de uns e outros.

Vendo a vida pelo avesso do alto dos meus 90 anos, considero que a alegria e a tristeza, estes sim, são estados emocionais; mas não vejo como enquadrar a felicidade nisto. Indo ao dicionário, encontramos o verbete Felicidade como um substantivo feminino significando “estado de uma pessoa feliz” com diversas definições relativas, êxito, sucesso, sorte e ventura.

O criador da Psicanálise, Freud, cuja importância no estudo da saúde mental dispensa apresentação, defendeu que todo ser humano é movido pela busca da felicidade através do princípio do prazer; e foi pessimista, considerando esta ansiedade um fracasso, pela impossibilidade efetiva de satisfazer a todos os desejos.

Do lado metafísico, as religiões entregam a Deus a probabilidade de conquistar a felicidade; e o budismo ateu é tão exigente quanto Freud, pois o Mestre ensinou que a felicidade só será obtida pela superação do desejo em todas as suas formas, o que é dificílimo para o ser humano.

Temos um cruel episódio protagonizado pelo último rei da Lídia, Creso de Mermnada. que a História registra. Conta que ele, aprisionado por Ciro na guerra que destruiu o seu país, foi condenado à morte; e, diante do carrasco, proferiu: – “Dada a incerteza das vicissitudes humanas e a inconstância da sorte, ninguém pode se assumir como feliz enquanto não chegar a sua hora final”.

Expressou o pensamento do poeta Sólon, o sábio fundador da democracia ateniense; e também do pessimista Nietzsche, que escreveu: – “A luz das estrelas mais distantes chega tardiamente aos homens; e antes que chegue, o homem nega que ali haja estrelas”. Triste negativa de que seja possível aspirar a felicidade à luz das estrelas….

Como a compreensão vem com a velhice, segundo Platão, creio que poderemos ser felizes, sim; considero-me um homem feliz.

Conquistei isto formando a consciência da realidade. Desprezei a relatividade das coisas e e o egocentrismo dos que só enxergam a si mesmos. Na Idade da Razão vê-se que a felicidade pode tardar a vir como a luz das estrelas, mas certamente chegará o dia da iluminação; e ela chega.

RELIGIÃO & ANTIBIÓTICOS

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Talvez pela idade, talvez pelo meu repúdio a qualquer tipo de charlatanismo, guardei um pensamento de Aldous Huxley que divulgo de vez em quando: “Dizem que é o medo da morte, e do que vem depois da morte, que leva os homens a voltar-se para a religião à medida que os anos se acumulam”.

Embora arreligioso, fica longe de mim qualquer pensamento antirreligioso; obrigo-me, porém, a criticar a pregação ilusória de futuras benesses post mortem encontradas nos estudos da religião escandinava que promete o Walhalla, com bebedeiras de hidromel ao lado de lindas mulheres.

O futuro dos mortos também dá prêmios no complexo religioso judaico-cristão. O misticismo rabínico afirma que as almas são imperecíveis e promete a reencarnação dando outro corpo para a “alma dos bons”, enquanto os maus vão para a “Gehenna” – o “Inferno” – onde serão julgados.

As vertentes protestantes seguem mais ou menos a pregação do judaísmo, e a Igreja Católica tem um postulado que vê a morte como uma passagem para os que seguirem Jesus Cristo conquistarem a vida eterna ao lado de Deus.

O Islamismo abre recompensas valiosas para os que se entregaram aos ensinamentos do Profeta. A Surata 56, versos de 12 a 39, do Alcorão, descreve o paraíso que os espera como: – “Nos Jardins da Delícia. Uma multidão dos primeiros (profetas e povos que os seguiram). E um pouco dos derradeiros (os seguidores do profeta Maomé). Estarão sobre leitos de tecidos ricamente bordados; neles reclinados, frente a frente (…) E haverá húris (virgens) de belos grandes olhos, iguais a pérolas resguardadas, em recompensa do que fizeram para Alah “.

Sentar-se frente a Deus nem se fale! O catolicismo medieval oferecia a maravilhosa companhia com as onze mil virgens de Santa Úrsula para o devoto que pagasse por isto; e, em paralelo, a visão “pagã” de um futuro radioso para o defunto escrito nos astros nos astros, como os astrólogos preveem para seus consulentes.

A comercialização do futuro sobrenatural é altamente rendosa. Nova Iorque, a capital do Mundo Ocidental, abriga nada mais nada menos do que 110 mil centros espíritas e congêneres, prometendo contato com pessoas mortas. Tivemos um exemplo disto num filme de 1990,  “Ghost: Do outro lado da vida”, dirigido por Jerry Zucker e estrelado por Patrick Swayze, Demi Moore, Tony Goldwyn, Rick Aviles e Whoopi Goldberg.

Englobando no roteiro drama, fantasia, mistério, romance e suspense, a película conta a história do espírito de um bancário assassinado que consegue ser ouvido por uma mirabolante “consultora espiritual”; e esta, por sua vez, se revela como médium auditiva.

Oda Mae Brown, interpretada por Whoopi Goldberg, rendeu o Oscar para ela; e nos mostrou a existência do sistema comercial da “assistência mística” para os que são atraídos pelo sobrenatural.

Entre os vivos, de pés no chão, as religiões guerreiam entre si, e sufocaram as heresias dos seus crentes no passado, punindo-os a ferro e fogo. Vale a pena relembrar o caso do papa Inocêncio 3º e seu emissário Simon de Monfort, que foi combater os albingenses. Simon perguntou o que fazer com os que não participaram do movimento…. E o Pontífice ordenou – “Mate-os todos; Deus saberá escolher os seus”.

Futuro duvidoso este, sem dúvida. Melhor faziam os índios guaranis acreditando que desejar a morte de alguém é prolongar-lhe a vida, uma crença repudiada pelos comerciantes dos óbitos.

Neste prolongamento lembramos a anedota do papa-defunto que indagado como iam os negócios, respondeu: – “Ruins, estou quase indo à falência; esta desgraçada invenção de antibióticos e vacinas adiam cada vez mais a morte…”