Arquivo do mês: dezembro 2016

Alphonsus de Guimarães

Ismália  

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar…
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar…
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar…

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar…
Estava perto do céu,
Estava longe do mar…

E como um anjo pendeu
As asas para voar…
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar…

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par…
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar…

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Walt Whitmann

A um Estranho

Estranho que passa! você não sabe com quanta saudade eu lhe olho,
Você deve ser aquele a quem procuro, ou aquela a quem procuro, (isso me vem, como em um sonho,)
Vivi com certeza uma vida alegre com você em algum lugar,
Tudo é relembrado neste relance, fluído, afeiçoado, casto, maduro,
Você cresceu comigo, foi um menino comigo, ou uma menina comigo,
Eu comi com você e dormi com você – seu corpo se tornou não apenas seu, nem deixou o meu corpo somente meu,
Você me deu o prazer de seus olhos, rosto, carne, enquanto passamos – você tomou de minha barba, peito, mãos, em retorno,
Eu não devo falar com você – devo pensar em você quando sentar-me sozinho, ou acordar sozinho à noite,
Eu devo esperar – não duvido que lhe reencontrarei,
Eu devo garantir que não irei lhe perder.

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UM POETA

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

“Durante meus 70 anos de observação da vida política brasileira, não me lembro de ter visto tanta gente nas ruas manifestando-se contra um governo” (Ferreira Gullar)

Hoje eu vou exaltar um autêntico poeta patrício por um antigo colega, de antes de Cristo, Quintus Horatius Flaccus, o poeta lírico e satírico – conhecido como Horácio – que nos deixou uma extensa obra de poesias primorosas e pensamentos filosóficos de primeira grandeza.

Poucos intelectuais do Ocidente desconhecem a obra horaciana, particularmente seus livros Ars Poetica e Epistula ad Pisones. Encontramos em português várias traduções e diversos trabalhos de referência.

A doutora Maria do Céu Fialho, da Universidade de Coimbra, por exemplo, levanta a hipótese de que Horácio teria sido um dos herdeiros romanos do filósofo grego Aristóteles e o seu pensamento ético.

Neste meu artigo, Horácio entra como a mosca na sopa de Raul Seixas. Eu precisava dele para falar do grande poeta brasileiro Ferreira Gullar, cujo pseudônimo é desnudado na Wikipédia, que revela o seu nome, José Ribamar Ferreira.

Quando Gullar faleceu eu estava internado na CTI cardiológica do Prontocor. Não pude louvá-lo então; aqui, ele é também meu epigrafado, enquadrando-se perfeitamente no pensamento libertário de Horácio que diz:  “Os pintores e os poetas sempre gozaram da mesma forma do poder de ousarem o que quisessem”. A gente encontra esta forma de poder no Brasil em Augusto dos Anjos, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Di Cavalcanti e Portinari.

O poder dos poetas e pintores é encontrado também nos ensaios, quando líamos, com gosto de ler, os artigos dominicais na Folha de São Paulo do maranhense Ferreira Gullar, escritor, poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista.

Dizem que as palavras faladas o vento leva, mas as palavras escritas ficam como uma marca pessoal e exclusiva de quem as escreve.  É o que tenho encontrado no pensamento escrito de Gullar. Um combate ideológico, produto de um pensamento patriótico, analítico e sagaz.

São muitos os porta-vozes da resistência ao projeto enganoso, traiçoeiro e transviado dos pelegos que chegaram ao poder por um estelionato eleitoral. O engano e a traição estão atrás das grades, com ideólogos e tesoureiros do PT presos por assalto ao patrimônio público.

Os desvios dos padrões éticos, políticos e sociais estão personificados por Lula da Silva e o seu maior (embora menos rentável) conto do vigário, Dilma Rousseff, vendida através de uma propaganda enganosa como uma “gerentona”.

Lula governou o País surfando na onda do Plano Real, sob um céu de brigadeiro e bafejado pelos ventos da bonança do capitalismo globalizado. Brincou e rolou acreditando como psicopata que é, ser o autor dos benefícios auferidos pelos menos favorecidos.

O Pelegão foi tão confiante que deixou um rastro de desonestidades, até furtos na adega do Palácio da Alvorada! Assim também fez a sua sucessora e condutora do projeto bolivariano no Brasil, Dilma, mentirosa doentia (ela é capaz de dar “bom dia” de noite pensando em enganar tempo).

Eu, com meus oitenta e tantos, como Ferreira Gullar, gozei em ver o povo manifestando-se nas ruas como fez no ano passado contra os governos petistas.

O poeta Horácio poetou: “A mágica uma vez revelada perde o espanto, o amor incompreendido perde o encanto”.  O povo brasileiro não mais crê nos truques da dupla Lula-Dilma, e apenas lamenta que Ferreira Gullar não esteja conosco para assistir a prisão de Lula e a dissolução da organização criminosa com o nome fantasia de PT …

Cora Coralina

Considerações de Aninha

Melhor do que a criatura,
fez o criador a criação.
A criatura é limitada.
O tempo, o espaço,
normas e costumes.
Erros e acertos.
A criação é ilimitada.
Excede o tempo e o meio.
Projeta-se no Cosmos

Manoel de Barros

O fazedor de amanhecer

Sou leso em tratagens com máquina.
Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis.
Em toda a minha vida só engenhei
3 máquinas
Como sejam:
Uma pequena manivela para pegar no sono.
Um fazedor de amanhecer
para usamentos de poetas
E um platinado de mandioca para o
fordeco de meu irmão.
Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias
automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.
Fui aclamado de idiota pela maioria
das autoridades na entrega do prêmio.
Pelo que fiquei um tanto soberbo.
E a glória entronizou-se para sempre
em minha existência.

LYA LUFT

GUARDEI-ME PARA TI

Guardei-me para ti como um segredo
Que eu mesma não desvendei:
Há notas nesta guitarra que não toquei,
Há praias na minha ilha que nem andei.

É preciso que me tomes, além do riso e do olhar,
Naquilo que não conheço e adivinhei;
É preciso que me ensines a canção do que serei
E me cries com teu gesto
Que nem sonhei.

FELIZ NATAL

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

O Natal não é uma data… É um estado de espírito” (Mary Ellen Chase)

Quando eu era menino, o Calendário chamava-se “Folhinha”, porque o anuário era impresso em pequenas folhas destacáveis marcando o dia-a-dia com informações consideradas úteis, como o santo do dia, as fases da lua, os dias santos e feriados. Os domingos e os feriados vinham em vermelho.

O Calendário que adotamos, chama-se “Calendário Gregoriano”, pois surgiu no pontificado de Gregório XIII, sob inspiração deste. Nascido Ugo Boncompagni, foi bispo de Bolonha e projetou-se na cúpula eclesial pela participação no Concílio de Trento (1545). Foi eleito Papa em 1572 como o 225º sucessor de Pedro e reinou até 1585.

O antigo calendário tinha a chancela de Júlio César, quando ditador de Roma. Tentou adotá-lo ao tempo natural, com o ano de 355 dias dividido em 12 meses; mas persistiu a defasagem entre o ano do calendário e o ano natural. Assim, após várias tentativas na Idade Média para adequar o ano civil à marcação do tempo natural, Gregório XIII, assessorado por astrônomos, promoveu a mudança.

Foi uma verdadeira revolução o abandono do calendário juliano e a modernização para ajustar o ano civil ao ano solar, decorrente do movimento de elipse realizado pela Terra em torno do Sol.

Promulgado com a aprovação conciliar da Bula Inter Gravissimas, em 3 de outubro, pulou sobre o dia 4 para 15 de outubro, dando um salto de 11 dias. Mesmo afetando as chamadas datas santas dos equinócios, o calendário teve imediata adoção por Espanha, Itália, Portugal, Polônia e, posteriormente, por todos os países ocidentais.

Como nas religiões antigas, politeístas, e quase a totalidade das que ainda são praticadas no mundo, as principais festas existentes se mantêm nos equinócios e solstícios; neles os cristãos comemoram a páscoa, a ressurreição de Jesus Cristo e o Natal, o seu nascimento.

Em virtude dos movimentos de rotação e translação inclinada da Terra relacionados com o sol, faz com que determinadas épocas do ano tenhamos os equinócios (que definem o começo da Primavera ou do Outono), e os solstícios (marcando o início do Verão ou do Inverno).

Tais fenômenos eram observados, registrados e tidos como de origem divina na Antiguidade. O Calendário Gregoriano estabeleceu o solstício de Inverno no Hemisfério Norte (e do Verão do Hemisfério Sul) como a data do nascimento de Jesus Cristo. É o Natal.

O dia 25 de dezembro é a data oficial da comemoração. As festividades convergem em todo Ocidente, com o Presépio, Papai Noel e o pinheiro. Papai Noel (os brasileiros adotaram o nome francês) representa São Nicolau, um bispo que distribuía a renda da sua diocese entre os pobres no Natal. Nos EUA, tem o nome de Santa Claus, na AL é “Papá Noel” exceto no Chile, que é o “Viejito Pascuero”. Em Portugal é Pai Natal.

O presépio teve início com São Francisco de Assis, no século XIII e também representa uma tradição natalina. Mostra o cenário do nascimento de Jesus, uma manjedoura, os animais, os reis Magos e os pais do menino. Quanto ao pinheiro – a Árvore do Natal – como decoração, foi adotada em 1530, na Alemanha, com Martinho Lutero, que se encantou com a beleza que a natureza oferecia, e armou em sua casa um galho da árvore com enfeites e velas.

As datas podem ter variado, assim como os costumes; mas o espírito da fraternidade universal, o desejo de paz e o amor ao próximo, são eternos. FELIZ NATAL!

Geraldo Carneiro

O ESPELHO

do outro lado um estranho

faz simulações como se fosse

um demônio familiar

é sempre noite, um assassino sonha

com mulheres assassinadas em série

sob as palmeiras de Malibu

o mundo é só uma ficção plausível

a imagem que baila ao rés-da-lâmina

é um último e improvável vestígio

da existência de Deus

o resto são ecos de outras faces

gestos de espanto e despedida

a música dos relógios, a morte

         (do livro Folias metafísicas, 1995)

Charles Baudelaire

A Música

A música p’ra mim tem seduções de oceano!
Quantas vezes procuro navegar,
Sobre um dorso brumoso, a vela a todo o pano,
Minha pálida estrela a demandar!

O peito saliente, os pulmões distendidos
Como o rijo velame d’um navio,
Intento desvendar os reinos escondidos
Sob o manto da noite escuro e frio;

Sinto vibrar em mim todas as comoções
D’um navio que sulca o vasto mar;
Chuvas temporais, ciclones, convulsões

Conseguem a minh’alma acalentar.
— Mas quando reina a paz, quando a bonança impera,
Que desespero horrivel me exaspera!

Charles Baudelaire, in “As Flores do Mal”
Tradução de Delfim Guimarães

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Yehuda Amichai

O lugar em que temos razão

Do lugar em que temos razão
jamais crescerão
flores na primavera.
O lugar em que temos razão
está pisoteado e duro
como um pátio.
Mas dúvidas e amores
escavam o mundo
como uma toupeira, como a lavradura.
E um sussurro será ouvido no lugar
onde houve uma casa
que foi destruída.
Tradução: Nancy Rozenchan
Da revista: “Poesia Sempre”, nº 8, Fundação Biblioteca Nacional, 1997.

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