Arquivo do mês: novembro 2022

PURGATÓRIO

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

“O purgatório moderno é feito de purgantes, injeções e intervenções cirúrgicas” (Luciano Bianciardi)

Quando eu era menino, o mês de novembro abria a minha curiosidade no campo religioso; todas as emissoras de rádio tocavam apenas músicas clássicas no dia 2, consagrado aos mortos; e as famílias faziam terços para rezar pelas “almas do purgatório”.

Amarrado e deitado numa cama de CTI em virtude da inquietante e penosa gastroenterite aguda que me atacou, vieram-me estas recordações e a lembrança do que seria o Purgatório; onde, se não me engano, o “fogo do purgatório” seria o mesmo “fogo do inferno” que tormenta os condenados….

A ideia do Purgatório veio depois do “cristianismo imperial” criado por Constantino. Não consta no Velho Testamento nem sequer dos Evangelhos. Segundo estudiosos, nasceu na Idade Média graças ás consequentes angústias, privações da época, e os pecados de sempre com os pecadores ansiando pelo reino do céu.

Entre os séculos 12 e 13, Santo Agostinho já preconizava um meio termo entre a salvação eterna dos castos e a condenação das pessoas inclinadas ao pecado, as orações para os falecidos, segundo o doutor da Igreja, suavizariam a condenação pela bondade divina….

Teólogos “oficiais” ou fanatizados, defendem a tese de que o Purgatório é um lugar à parte baseados numa interpretação forçada de texto no Livro do Apocalipse (21,27), prescrevendo que na “cidade santa”, na “nova Jerusalém (…) não entrará nada de impuro”.

Para mim, esse “lugar à parte” está nas UTIs dos hospitais referidos pelo grande orador e pensador paraibano Alcides Carneiro, discursando ao inaugurar um deles: “Esta é uma casa que por infelicidade se procura, mas por felicidade se encontra”.

Por infelicidade, procurei tratar-me da grave enfermidade que sofri e por felicidade, passei por dois hospitais. O meu padecimento levou-me a lembrar-me dos meus tempos “subversivos” de militante da imprensa, quando “O Pasquim” criou o termo “Máfia de branco” em voga nas conversas de botequim.

A locução baseava-se a imagem negativa da categoria, fomentando greves na Previdência ou cometendo erros pontuais com cirurgiões esquecendo pinças na barriga do paciente ou clínicos receitando remédio trocado por engano.

Meus contatos com médicos diferem desses antigos conceitos. No caso em pauta, devo-lhes à volta da saúde, para não ir ao extremo alegando a manutenção da vida, que tanto amo.

Na minha opinião, a “Máfia de Branco” reúne, na verdade, os donos de hospitais e clínicas em geral, que comercializam – este é o termo – a doença. É a ganância que transforma as UTis num Purgatório, não os profissionais de saúde, médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e pessoal de serviços gerais.

Pairando sobre tudo normas e ostensiva burocracia. Para receber uma alta, normal, prescrita pelo médico plantonista é um pesadelo. Louco para sair e vê apreensivo o tempo se multiplicando. Sem qualquer explicação convincente. Sai da UTI para um quatro, medida já anunciada, graças à minha mulher, que rodou a baiana apoiada pelos filhos.

Neste cenário temos a genial visão de Dante Alighieri, para quem o meio termo entre o Céu e o Inferno, o dogmático Purgatório, fica lá para as bandas da Antártida, numa ilha que tem uma grande montanha no centro, que sobe até alcançar os céus: o Monte Purgatório.

É para lá que eu gostaria de mandar com passagem somente de ida, os comerciantes mafiosos da Saúde, como também a quem – em nome de mais de 700 mil mortos pela covid 19 -, incluo a recente aquisição da política necrófila, os negativistas.

 

POPULISMO

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

“Fazer-se amar de modo aos que lhe devam benefício, cortesias ou por combater um inimigo invisível” (Maquiavel)

Como parece estarmos de volta à exaltação da Cultura, lembrei-me do presente que o Teatro nos dá, desde a antiga Grécia, quando Eurípedes escreveu “Hipólito” (Ιππόλυτος) com um tema que se tornou clássico com a obra da Racine “Fedra”.

Na versão dos dois, temos uma tragédia ambígua descrevendo a desventura de Fedra que era esposa de Teseu e se apaixonou por Hipólito, filho ilegítimo do marido, propondo-lhe a consumação desse amor. Hipólito recusou-lhe.

A ambiguidade da interpretação mitológica em que um aceita e outro nega, leva-nos a ver com tristeza como foi divulgado o relatório do Ministério da Defesa sobre as eleições – onde jamais deveria ter se metido -, acendendo uma vela a Deus e outra ao diabo.

De um lado, assegura a legitimidade das urnas eletrônicas em nome da verdade que, segundo o Boletim do Exército, “é o símbolo da honra militar”; mas, do outro lado, serve à insanidade do Capitão-Presidente, levantando a hipótese sobre um tal “código secreto”.

De secreto já temos o mergulho na impunidade com os sigilos de cem anos e o orçamento camuflado dos picaretas do Congresso Nacional; agora, inventam outro para satisfazer as loucuras golpistas da seita bolsonarista….

A turma adoradora dos deuses das Rachadinhas deveria se preocupar em fazer oposição ao eleito, Lula da Silva, sem deixar que o próprio partido dele, o PT, se encarregue disto. Basta aproveitar-se da experiência que tivemos com Bolsonaro, que se derrotou a si mesmo, adotando os desvarios extremistas aconselhados pelos filhos.

Para combater Lula, que se comece a vê-lo como o Rei da Demagogia, começando a fazer malabarismos para driblar a Lei e arrancar dinheiro do contribuinte, na ânsia de pagar as promessas demagógicas da campanha eleitoral.

… E já que comecei surfando nas ondas dos mares Egeu e Jônico, que banham a Grécia, vou à figura de Midas, rei da Lídia, que entrou no disse-me-disse do folclore ocidental pela riqueza  imensa e distribuição para os intelectuais de sua época vultosas quantias.

Por uma concessão de Baco, em tudo que Midas tocava virava ouro; por isto, a sua querida filha Phoebe transformou-se em estátua de ouro ao encostar nele. Imitam-no os populistas fascistóides (não importa a ideologia que adotem, sejam de direita ou esquerda), que se apossam da riqueza nacional para se valorizar e manter o poder.

Tivemos um presidente derrotado na tentativa de reeleição, o capitão Bolsonaro, que se inflou na política praticando o sindicalismo fardado, investindo contra o Erário; e o presidente eleito, Lula, cuja política se limita a distribuir com o dinheiro público esmolas  para as camadas da população sem mobilidade no mundo do trabalho.

É assim que se dissemina a pandemia populista latina (cuja febre tem alcançado também na Europa francos, normandos e saxões). E o princípio desta demagogice é a dúbia e insegura escolha entre a responsabilidade fiscal e a responsabilidade social.

Assim termina-se na irresponsabilidade de conquistar adeptos e comprar votos para a futura eleição. Nisto são acompanhados de comparsas capazes de tudo, seja na sordidez da corrupção ou na prática neonazista do racismo e da xenofobia.

Na auto-assumida “esquerda” ouvimos declarações enfáticas de Lula de seguir na trilha pantanosa da irresponsabilidade fiscal, e a sua equipe sedenta de privilégios defendendo a insensata multiplicação de ministérios. Dá-se assim o toque de alerta para quem espera mudanças políticas; no campo da economia, já assusta e desgosta o Mercado.

Não é preciso pegar carona em caminhões nem os usar para bloquear estradas para enxergar esta realidade; basta-nos pegar metrô e ônibus, ir à feira, à farmácia ou ao supermercado, para ver “entre as orelhas” as reações humanas. Principalmente dos que usam camisetas partidárias….

De ambos os lados se vê hordas de apoiadores com levianos argumentos para justificar as cabulices dos seus líderes, e no “andar de cima” o que se assiste é a vergonhosa corrida para se “quentar” na fogueira do poder, chaleirando o presidente eleito e decepcionando o presidente que caiu.

 

 

 

SICÔMORO

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

“Ao entregar Jesus, Judas entregou a si mesmo. Quem não segue o Caminho da Justiça, encontrará o caminho da morte sem retorno à vida: a forca, o suicídio” (Frei Jacir de Freitas Faria)

Numa leitura bíblica das Crônicas, encontrei no 1:15, a estranha palavra “Sicômoro” referendada na citação: “… E fez o rei que houvesse ouro e prata em Jerusalém como pedras; e cedros em tanta abundância como os sicômoros que há pelas campinas”. É bem possível que o erudito professor gaúcho José Carlos Bortoloti já o tenha incluído no seu brasilês….

Da minha parte, aprendi na rápida pesquisa feita que Sicômoro é uma árvore da família “Fícus” muito citada na Bíblia e vulgarmente conhecida na Europa como sicômoro, de origem hebraica “shikmah” através do grego “sukomorea“.  No Brasil encontramos a mesma grafia.

A Botânica classifica como Ficus sycomorus L. para esta espécie de figueira com raízes profundas, ramos fortes e frutos comestíveis; é nativa da África, onde no antigo Egito teve a sua madeira usada para fabricar estátuas e sarcófagos.

Originário das regiões tropicais e meridionais africanas, o sicômoro foi para o Oriente Médio e, embora seus figos sejam de qualidade inferior, teve seu cultivo na Península Ibérica na ocupação árabe, ficando conhecida como “figueira-doida” ou “figueira-do-faraó”.

Segundo os Evangelhos, o Sicômoro foi a árvore em que Zaqueu trepou para não pagar impostos; e Jesus Cristo que por ali passava viu-lhe, e ordenou que descesse porque queria ser seu hóspede. Zaqueu saltou e o cobrador de impostos acompanhou-o junto ao Messias até a casa.

Conscientes, os puros de espírito que creem na harmonia universal, sabem que renascemos todos os dias e incorporamos a necessidade espiritual de louvar a vida. Negá-la é uma aberração; violentá-la é enfermiço; torturá-la é um crime.

Assim, como pode um autêntico cristão ser contra o combate às endemias que provocam a morte, negando as defesas vacinais contra os vírus, e aceitando aplausos à tortura?

Nem mesmo aqueles que são acusados de ateus cometem este crime. Lembro de um antigo senador espírita de Goiás, Domingos Velasco, que após uma visita à China comunista, muitos anos atrás, disse que lá encontrou mais espiritualidade e respeito à existência, do que entre os auto-assumidos cristãos do Brasil.

Naquele tempo, Velasco se referiu aos católicos brasileiros que se metiam na política através da Liga Eleitoral Católica; hoje, sem medo de errar, podemos estender sua observação aos evangélicos politiqueiros.

Não há maior fraude do que usar o nome de Deus em vão. Fazem melhor os judeus que tratam o Arquiteto do Universo como “o inominável”, e os selvícolas que silenciam diante dos fenômenos da natureza como expressão divina.

É bom lembrar que por sua traição a Jesus, Judas Iscariotes, arrependido, se enforca num sicômoro tirando a própria vida. Deixou a sentença de que a traição é um peso na consciência que o traidor carrega pela vida inteira.

Não resta dúvida de que se dará com os traidores da Pátria que desrespeitam a Constituição, sem aceitar o resultado da eleição pelas urnas comprovadamente corretas e eficientes. São intolerantes, tatuados de insultos institucionais e obsessões paranoicas, desrespeitando o resultado adverso ao que esperavam.

Infelizmente não ficam sós à sombra do Sicômoro da Politicagem. Vemos ao lado da polarização inconsequente, a intransigência estúpida da presidente do PT, Gleise Hofmann, agredindo o bispo Edir Macedo, e a elegia do petismo à corrupção, com a presença de José Guimarães na equipe de transição de Lula.

Os defensores da Democracia e da Liberdade repudiam todos que promovem badernas e a intolerância assumindo-se “de direita” ou “de esquerda”. Os patriotas autênticos esperam uma demonstração cívica de respeito de ambos, pondo-se “dentro das quatro linhas da Constituição”.

 

 

INDIFERENÇA

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

“O pior pecado contra nosso semelhante não é o de odiá-los, mas de ser indiferentes para com eles ” (Bernard Shaw)

No noticiário televisivo da Record, assistimos um casal sendo assaltado por bandidos e pessoas passando indiferentemente do outro lado da calçada; também não faz muito tempo que lemos uma matéria sobre automobilistas que corriam na pista sem se perturbar com um cadáver estirado no chão.

Parece vivermos nestes começos do século 21 um doentio desvio moral dos homens, em todos os níveis da vida cotidiana, principalmente nos círculos religiosos. Entre nós, os auto-assumidos cristãos, com bíblias de bolso condensadas, escapulários, cruzes, imagens e medalhinhas, trocam a crença em Deus pela adoração a políticos e o discurso de ódio contra os que não seguem a sua crença….

Esquecem da onisciência divina que Jesus Cristo pregou. Não distinguem que o Deus dos cristãos é a bondade personificada enquanto o Deus dos judeus é vingativo: basta lembrar das sete pragas do Egito, em que Jeová com suas pragas não poupou sequer as crianças, condenando-as à morte.

Mais odiento ainda é Zeus, deus supremo da mitologia grega, que mandou um abutre dilacerar o fígado de Prometeu para puni-lo por sua bondade com a humanidade dando-lhe o fogo roubado do Olimpo.

O amor e a bondade pregados pelo Cristo diferem das ações dos deuses mitológicos, e talvez por isto sofram o alheamento das seitas fraudulentas que lutam pelo poder político. Que coisa triste! Como pode uma pessoa que se diz seguidora dos Mandamentos, desconhecer o Sermão das Beatitudes?

Porque não gritam “Excelsior! ”, ou façam como Napoleão, que no exílio de Santa Helena releu o Sermão e comentou com seu ajudante-de-ordens: – “Acredite-me; eu conheço os homens e vejo que este discurso não pode ser de nenhum deles. São palavras de um Deus”.

O falso cristão, ambicioso e sedento de privilégios foi capaz de trocar a crença no Eterno por um transitório governante. Sua consciência conservará a memória do próprio fanatismo político desdenhando da pandemia que matou mais de 700 mil vidas. Jamais esquecerá que naquele momento doloroso, ajoelhou-se para personalidades e não para o seu deus.

Recordando este “crente”, não é difícil afirmar que o “cristão negacionista” não é uma pessoa de fé. Não segue o Cristo, que disse: – “Eu sou o caminho, a Verdade e a Vida”, e que pelo Messias o caminho é o comportamento social que valoriza a humanidade; a verdade será a honra individual que repugna a falsidade; e a Vida é a generosidade divina, que deverá ser preservada em qualquer circunstância.

Diante das repetidas fraudes religiosas, achamos que as chamadas ciências ocultas valem mais do que uma bíblia impressa com a fotografia de um ministro e de pastores corruptos que muitos seguem por ignorância ou indiferença.

Na famosa Tábua da Esmeralda, Hermes Trismegisto – Três Vezes Grande -, definiu Deus dizendo que “é uma esfera, cujo centro se acha em toda parte e a circunferência em nenhum lugar”.

O Deus de Trismegisto não tem o rosto que muitos querem dar-Lhe, criando-O à imagem e semelhança do homem por elementar egoísmo…. Com a cara de um político, é o deus adotado pelos mercadores do templo, obscurantistas, negativistas e agora provando serem fascistas, desrespeitando o resultado da eleição e a Constituição.

Da minha parte não tenho o menor respeito por um deus modelado na imagem de homem; e combato, como os cristãos primitivos, a idolatria. Faço-o diante do Arquiteto da harmonia universal, que não me é indiferente. Receberá sempre a minha reverência e o meu agradecimento pela vida! …