Arquivo do mês: junho 2021

CÓPIAS

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

                              “As únicas cópias boas são aquelas que nos mostram o ridículo dos maus originais… ” (La Rochefoucauld)

Sete séculos antes do Calendário Gregoriano, trabalhavam no antigo Egito junto aos sacerdotes de Amon, escribas fazendo cópias em papiro ou na pedra, com informações sobre a vida do faraó. Vê-se assim que as cópias vêm de muitíssimo longe.

Como se fazia na religião egípcia, o judaísmo manteve ao lado dos fariseus os escribas, especialistas e divulgadores da Lei Mosaica – o conjunto de mandamentos que Deus deu a Moisés.

Os escribas judeus eram chamados de “doutores da lei”, e são citados em diversas passagens dos Evangelhos, como na exaltada crítica de Jesus Cristo em Mateus 23-25: – – “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que fechais aos homens o Reino dos céus; e nem vós entrais, nem deixais entrar aos que estão entrando”.

Pouco sei sobre os copistas no Grande Oriente e na Índia; mas na Europa católica durante a Idade Média tivemos os monges copistas, conhecidos como amanuenses, que multiplicavam os evangelhos e copiavam livros. E das maluquices obscurantistas do tempo de caça às bruxas, se atribuía a um demônio, “Titivillus”, o patronato dos escribas, induzindo-os a cometer erros.

Isto traz a história registrada nos anais eclesiásticos sobre a intervenção satânica de Titivillus: Por um erro de um monge, a cópia de um códice ficou conhecida como “Bíblia Maldita”, porque no sexto mandamento veio escrito “cometerás adultério”, em vez de “não cometerás adultério”….

Com a invenção da prensa a modernidade revolucionou o processo de publicação, que antes exigia um trabalho lento e penoso. Os tipos móveis realizam um processo rápido de impressão, e assim, avisos, jornais e livros se multiplicaram concedendo o acesso a todos interessados.

Pontual e individualmente, os novos copistas tiveram e têm à mão mimeógrafo a álcool, mimeógrafo elétrico, o silkscreen, a xerox, e agora, o computador com a sua infalível impressora…

Quando estudante vocacionado para o jornalismo, usei muito o papel carbono e copiador de cera para divulgar comentários, ideias e poesias; e mais tarde o mimeógrafo para divulgar apostilas e editar jornaizinhos.

Na nossa passagem pela vida as cópias se somam à memória do que fizemos ou deixamos de fazer, filosofando e registrando nossa participação nos fatos sociais e políticos.

Ficam, por exemplo, copiadas no subconsciente as promessas dos candidatos que nos atraíram e conquistaram o nosso voto. A perfeição que esperamos falha na maioria das vezes; e foi o que ocorreu com o candidato Bolsonaro que se assumiu como anticorrupção e, eleito, traiu o seu discurso.

Constata-se que ele não passa de uma cópia lulopetista, cuja credibilidade se esvaiu com as rachadinhas, os cheques de Queiroz, a intervenção na Polícia Federal para defender o filho, o “passar da boiada” no Amazonas e a suspeitosa pauta do momento, o Vacinoduto, um salto da rachadinha para a rachadona….

É inegável que ocorreram negociatas da vacina Covaxin e outros trambiques que passaram como uma boiada silenciosa no pasto do negativismo; são cópias borradas do lulopetismo trazendo a medida negativa de valor do Presidente.

E pior do que ele com seus pés de barro (ou sujos pelo Barros), só mesmo os seus aduladores que negam descaradamente os fatos. Os novos defensores da corrupção de das propinas nos recordam o provérbio de que a raposa quando copia uma raposa, torna-se um macaco.

A História se repete e nenhum dos “homens do Presidente” teve coragem para levar-lhe a bela lição deixada por Chico Xavier: – “Lembra-te, em matéria de atitudes, a vida não fornece cópias para revisão”.

 

 

 

NEGOCIATA

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“Pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos todo o tempo” (Abraham Lincoln)

No ano de 1937, pouco antes de Getúlio Vargas dar o golpe de Estado e se tornar ditador aproveitando-se da aventura integralista de derrubá-lo para tomar o poder, o seu ex-ministro da Viação, José Américo de Almeida, tornou-se opositor e candidato à presidência nas eleições que ocorreriam em 1938.

Na campanha, José Américo fez um discurso histórico sob o tema “Eu sei aonde está o dinheiro”, denunciando negociatas no governo federal, encerrando-o com uma frase antológica: – “É preciso que alguém fale, e fale alto, e diga tudo, custe o que custar”. A eleição a que ele concorria nunca se realizou…

“Negociata” é uma palavra que está na UTI da gramática, em total desuso. Entrou no seu lugar a “Corrupção”, mãe de uma porção de metralhinhas dos dois sexos, “Jabaculê”, “Propina”, “Suborno”, “Peita” e o caçula “Pixuleco” citado como “Pixulé” em discurso do ministro-general Pazuello, lembrando o termo usado pelo ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, para falar sobre propina.

O destemido político gaúcho Raul Pila referia-se a “Negociata”, denunciando que “ela existe na política brasileira, dividida entre grandes e pequenos partidos”. Mais moço, mas tão aguerrido quanto Pila, o jornalista Carlos Lacerda definiu “Negociata” como pacto desonesto operado entre duas ou mais pessoas em prejuízo dos cofres públicos.

Brincalhão, o humorista Aparício Torelli – o Barão de Itararé – escreveu no seu jornal “A Manha” que “negociata é todo bom negócio para o qual não fomos convidados”….

A palavra Negociata é um substantivo feminino formado por negócio + ata; “negócio” do latim “negotium” e o sufixo ata, também originário do latim “atu”. Define negócio suspeito, desonesto, em que há trapaça, fraude, embuste, logro.

Escrita ao contrário, negociata escreve-se como ‘ataicogen’, inversão que leva a muitos trocadilhos como um que saiu no WhatsApp dizendo que o capitão Bolsonaro inverteu um slogan que deveria ser “Na minha corrupção não tem governo! ”

Realmente. Estamos indo das “rachadinhas” para “rachadonas”. O início foi a traição ao discurso eleitoral contra o “foro privilegiado” e os “cartões corporativos”, como a defesa da economia liberal invertida que quer a volta da CPMF…. E, daí para se cercar dos mais gulosos entre os que fingidamente combatem a corrupção lulopetista, foi um passo.

O ministro Ricardo Salles, defensor da tese de que o governo deveria aproveitar a pandemia para “passar a boiada” e caiu de podre esta semana, foi investigado pela Operação Akuanduba da Polícia Federal por suspeita de facilitar a exportação ilegal de madeira do Brasil para os Estados Unidos e Europa.

No Ministério da Saúde estão pipocando vários esquemas de elevada suspeição, como a que entrou em pauta, a negociata denunciada pelo deputado Luís Miranda (que não é flor que se cheira, mas era aliado íntimo do Capitão) e seu irmão, alto funcionário do Ministério detalhando com minúcias irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin da farmacêutica Bharat Biotech e comercializada pelo governo federal através da Precisa Medicamentos.

O pior é que se a denúncia for falsa, tem outra transação da mesma empresa, que deve ser investigada; obteve o favorecimento governamental de 96,1 milhões de reais na venda de preservativos femininos….

O caso Covaxin promoveu uma enfática defesa do ministro Onix Lorenzoni em cadeia de rádio e televisão. Onix vociferou ameaças aos irmãos denunciantes que me lembrou Renato Russo que falou: – “Quem insiste em julgar os outros sempre tem alguma coisa para esconder”.

É assim que assistimos o rompimento da sobriedade forçada dos homens do Presidente, que falam e falam sem chegar a lugar algum, exceto para dissimular o incontido desejo de obter vantagens nos cargos que ocupam.

Quanto ao Capitão, que se acha mais esperto do que os outros, recorda-me, para defender as instituições, o que disse Ulysses Guimarães: – “Não é o poder que corrompe o homem. O homem é que corrompe o poder”.

 

 

 

 

MÚMIAS

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“De tanto enrolares com mentiras, a verdade é uma múmia mentirosa” (Joaquim Pessoa)

O canal televisivo Discovery passa o documentário “O Caçador de Múmias” mostrando viagens e revelações do egiptólogo, arqueólogo e linguista Ramy Romany, trazendo importantes descobertas de múmias pelo mundo afora.

As passagens de Romany pelo antigo Egito, trouxeram-nos as tumbas dos faraós no Vale dos Reis, e o sepulcro imaculado de Tutancâmon com sua múmia intacta num precioso esquife ao lado de inumeráveis riquezas.

Muito antes, no século 400 a/C, o geógrafo e historiador grego Heródoto, considerado por Cícero como o “Pai da História” fez uma viagem de estudos ao Egito, onde, interessado pelas cheias regulares do Rio Nilo, criou a expressão “o Egito é uma dádiva do Nilo”.

E na terra dos faraós ficou abismado pelos fantásticos monumentos, tendo descrito com minúcias as pirâmides. Interessou-se pela religião recebendo dos sacerdotes de Amon lições sobre a constelação politeísta, tomando conhecimento do Livro dos Mortos e o julgamento post-mortem pelo Deus Osíris, imprimindo a crença na ressurreição que levava à preservação do corpo dos defuntos para a vida seguinte.

Nos seus relatos, Heródoto assistiu o trabalho dos embalsamadores de cadáveres que realizavam verdadeiras cirurgias; primeiro, dando um talho nos flancos para extrair as vísceras e, com ganchos apropriados enfiados pelo nariz, fragmentavam e puxavam o cérebro retalhado. Em seguida, lavavam as cavidades com substâncias aromáticas e vedavam o ânus, a boca, o nariz e os ouvidos com uma pasta argilosa com aloés e mirra, cozendo-os depois.

Após esta operação, mergulhavam o corpo inanimado numa banheira com um líquido na base de carbonato de sódio, deixando-o por cerca de quarenta dias, ao fim dos quais recebia uma espécie de verniz, coberto de betume e envolto com uma tira de pano engomado. Estava pronto para o sepultamento em sarcófago previamente pronto.

Nunca tive a oportunidade de visitar o Egito, mas vi uma múmia no Museu Nacional, destruído pela negligência dos que dirigiam a UFRJ como provedores e curadores das amostragens ali colecionadas. Pertencia à sacerdotisa-cantora Sha-Amun-em-Su, datada de 750 a/C. Foi adquirida pelo imperador Pedro I do comerciante italiano Nicolau Fiengo, e aniquilada no incêndio criminoso do Museu.

Ao que me ensinaram os estudos da História do Brasil, os governantes levavam a cultura a sério no Império e durante algum tempo na República. Lembro que o imperador Pedro II foi o primeiro chefe de Estado a cumprimentar Graham Bell  pela invenção do telefone e foi o primeiro chefe de Estado a usá-lo.

É também elogiável o incentivo do presidente Afonso Pena ao marechal Cândido Rondon, para expedições que desbravaram os inóspitos sertões brasileiros, construindo linhas telegráficas e mantendo contato fraternal com os povos indígenas, incentivou a criação do SPI –  Serviço de Proteção ao Índio.

Infelizmente, a cultura e a educação estão mumificadas de algum tempo no Brasil. Às políticas populistas pouco interessa levar ao povo o conhecimento das conquistas civilizatórias da humanidade; no PT-governo assistimos o crime de censurar os livros de Monteiro Lobato, e o Governo Bolsonaro mostra-se inimigo da Ciência.

Ao enfrentarmos o colapso da pandemia do novo coronavírus, temos no Palácio do Planalto embalsamadores do conhecimento médico, com o capitão Bolsonaro diagnosticando drogas ineficazes para covid-19, desdenhando o uso de máscaras, promovendo aglomerações e hostilizando a vacina.

Este comportamento negativista e anti-cultural lembra-me Paolo Mantegazza que me pareceu projetar o perfil deste tresloucado Presidente com o pensamento: “O egoísta, embalsamando-se a si mesmo, transforma-se numa múmia, que não sente a dor, mas que não goza a alegria”.

 

 

 

A BOIADA

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Na boiada já fui boi/ Boiadeiro já fui rei/ Não por mim nem por ninguém”
(“Disparada”, de Geraldo Vandré)

Aprendi com William Blake, romancista e jornalista escocês autor de vários livros de sucesso, incluindo o excelente romance “A Estranha Aventura”, que “quem nunca altera a sua opinião é como a água parada e começa a criar répteis no espírito”.

Aproveitando também a letra filosófica de “Disparada” afirmo que sempre “as visões vão se clareando, até que um dia acordamos”.

Quem tem olhos de ver e ouvidos para escutar, vê e escuta o que se passa no Governo Bolsonaro desde que assumiu o poder; mesmo tendo votado nele, iludido pelo discurso contra a corrupção, assiste um projeto ditatorial em marcha.

Não há dúvida, porém, que as sinalizações e tentativas têm sido frustradas, embora os órgãos de Estado – alguns já aparelhados e submetidos, outros inexplicavelmente omissos –, não se interessam, ou fingem não se interessar.

Os intentos goros contaram com a criação de uma guarda pretoriana de oficiais militares de pijama aliciados pelo aceno do deslumbramento em recuperar uma voz de comando que na realidade se resume a cumprir as ordens do Empregador.

Não dando certo, mesmo contando com simpatias de alguns oficiais superiores das FFAA, levou o Capitão a mergulhar numa desatinada campanha reeleitoral usando o aparelho governamental e o dinheiro do contribuinte.

Até agora o Tribunal Superior Eleitoral silencia diante das loucuras eleitoralistas de Bolsonaro arrotando o seu personalismo negativista, ameaçando levar o país ao caos e executando uma diabólica política necrófila que já levou à morte meio milhão de brasileiros.

Aplausos da ignorância somam-se ao aplauso de mercenários pagos e à anuência do baixar a cabeça dos bezerros de presépio que formam o cordão dos puxa-sacos e induzem uma falsa impressão de apoio popular.

Esses “bezerros mamões” lembram a lenda dos pampas sulistas, incorporada ao fabulário gaúcho “Negrinho do Pastoreio”, que conta a história de um menino negro castigado por um fazendeiro cruel por ter deixado um garrote da boiada fugir. Foi amarrado, lancetado e deixado num formigueiro.

Nos finais do século 19 era contada em sermões por padres abolicionistas do Rio Grande do Sul e foi amplamente divulgada pelos brasileiros que defendiam o fim da escravidão nas Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.

A narrativa da maldade se reproduz na atualidade com o estímulo no Governo Bolsonaro do “passar da boiada”, a metáfora para animar a ameaça ao meio ambiente, invasão das reservas indígenas, negociatas com farmacêuticas pela propaganda de drogas ineficazes contra a covid-19 e o genocídio provocado contra a Nação pela negação de medidas preventivas e a vacina.

O “Passar a Boiada” foge até do eufemismo, que suavizaria a linguagem de fazendeiro cruel… Provoca revolta e estimula uma cruzada por uma nova abolição para libertar os brasileiros de um governo cuja política necrófila acaba de registrar meio milhão de mortos pela covid-19; num dos últimos comentários sobre os óbitos pela doença, o capitão Bolsonaro falou em “CPFs cancelados”; desta vez silenciou.

Reinando com a mitomania obsessiva, com as pequenas mentiras somando-se avolumam um tsunami de verdades, o Capitão vem usando o instituto do sigilo: para 73.281 documentos do seu governo; para a reunião ministerial do “Passar a Boiada”, para a triste absolvição da indisciplina do general-ativista Pazuello pela cúpula do Exército, e até para “seu diagnóstico” da covid-19, que muitos dizem ser mentiroso.

Nietzsche foi futurista e projetou a realidade brasileira quando escreveu: “O homem do rebanho chama de verdade aquilo que o conserva no rebanho e chama de mentira aquilo que o ameaça ou exclui do rebanho”.

CHALEIRA

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“A bajulação é a moeda falsa que só circula por causa da vaidade humana”. (La Rochefoucauld)

A desprezível adulação da vaidade de quem ocupa o poder é uma tendência natural dos fracassados, dos malsucedidos, dos caçadores de privilégios, de todo o lixo político que forma a elite da escória social.

É isto que faz muita gente se especializar em chaleirismo para se julgar importante ao lado das personalidades que cultuam; os conhecidos “papagaios de pirata”…. Esses não aprenderam a lição de que é preferível incomodar os poderosos com a verdade do que agradar com bajulação.

Chaleirismo vem de “Chaleira”, verbete dicionarizado como substantivo feminino para designar o utensílio de cozinha para aquecer água; e é um adjetivo figurado originário do Brasil indicando quem bajula; o adulador, bajulador, incensador e puxa-saco.

Relativo às lisonjas feitas para obter atenção e vantagens, nasceu da política brasileira, sem surpresa nenhuma: a História registrou que o político gaúcho Pinheiro Machado, eleito senador pelo seu Estado, tornou-se, por suas habilidades políticas, o homem mais poderoso da Velha República e nesta condição vivia cercado de lisonjeadores.

A sede do Senado era no Rio de Janeiro e o Senador morava em Bangu, numa fazenda com a casa grande no alto do Morro da Graça. Como bom gaúcho tomava muito chimarrão e uma chusma de puxa-sacos subia a ladeira da Graça disputando o privilégio de segurar a chaleira com água quente para servir a cuia do Chefão quando mateava….

Certamente isto ocorria, e a cena não foi poupada pela crítica humorística, principalmente nas troças carnavalescas. Assim, no carnaval de 1906 os cariocas cantaram a polca “No Bico da Chaleira”, uma composição de Juca Storoni: – “Menina, eu quero só por brincadeira/ Pegar no bico da chaleira”…. A partir daí, nasceu o verbo chaleirar que caiu no goto do povo….

No ano seguinte surgiu a marchinha inspirada na polca de Staroni: – “Iaiá me deixe subir esta ladeira, / Que eu sou do grupo do pega na chaleira”; e um chargista da revista Careta publicou a caricatura do chimarrão de Pinheiro com a legenda: “Quem gosta de ser adulado é cúmplice do adulador”.

A sátira irônica dos intelectuais foi aplaudida pelo povão. É fácil ver-se e compreender a cumplicidade do adulado com o adulador…. Há, porém, em contrapartida, muitas personalidades históricas que rechaçaram o puxa-saquismo.

Dos meus arquivos tirei uma exemplar passagem com Catarina II – A Grande, imperatriz da Rússia, que reclamou que estava sofrendo dificuldade na leitura e foi aconselhada a usar óculos. Um dos cortezões apressou-se a encomendar as lentes e levou-as para a Czarina; esta, para experimentar os óculos, pediu que lhe dessem algo para ler. Outro puxa-saco escreveu um cartão com palavras lisonjeiras enaltecendo-a. Catarina passou a vista e devolveu o escrito e as lentes ao bajulador, dizendo: – “Estes óculos não servem; aumentam demasiadamente…”.

No livro “A Verdade de um Revolucionário” o general Olímpio Mourão Filho, que comandou de frente o movimento militar de 1964, escreveu que – “Ponha-se na presidência qualquer medíocre, louco ou semianalfabeto, e vinte e quatro horas depois a horda de aduladores estará à sua volta”.

O general Mourão foi do tempo em que os oficiais superiores das FFAA estudavam e eram promovidos e condecorados por mérito. Deve ter aprendido a lição do Marquês de Maricá ao dizer que “os aduladores são como as plantas parasitas que abraçam o tronco e os ramos de uma árvore para melhor a aproveitar e consumir”.

Como observador da política nacional, parece-me que na geração do capitão Bolsonaro e do general Pazuello os militares aceitam de bom grado o aplauso enganoso.

Como governo, financiaram internautas nas redes sociais para defender sua política negacionista, com depoimentos elogiosos a remédios ineficazes e ao fraudulento “tratamento precoce”. E nas “motociatas” de campanha eleitoral feita com o dinheiro público são sorteadas motocicletas entre os participantes, atraindo muita gente….

Dessa maneira vamos vivendo sob o poder dos que não aprenderam com Napoleão Bonaparte, que “quem sabe adular também é capaz de caluniar”….

CRUZADAS

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“Que homem é um homem que não torna o mundo melhor?” (Do filme “Cruzada”)

O obsessivo negacionismo de Bolsonaro inspirado no seu ídolo Donald Trump sabota todos esforços para debelar a pandemia. Isto nos leva a pensar que se trata de uma cruzada do mal, levando-nos a recordar as cruzadas medievais organizadas para libertar Jerusalém dos muçulmanos.

Ficou notória a Primeira Cruzada, mobilizada por uma carta exortatória do papa Urbano II, atendendo a um apelo do Império Bizantino. Foi comandada em 1095 pelos nobres Godofredo de Bulhão e Balduíno de Bolonha.

Essa incursão para retomar a Terra Santa é descrita cruamente por sir Walter Raleigh na sua “História do Mundo”, registrando o fiasco do pretendido resgate do Santo Sepulcro.

Segundo o relato, a expedição reuniu mais de duzentos mil pessoas, bandos formados de criminosos soltos das prisões, egressos das galés, delinquentes de várias categorias e prostitutas, que eram liderados por aventureiros ávidos por violência e saques. Na massa desconforme havia exceções: participaram dela, além de nobres cavalheiros em busca da glória militar, piedosos sacerdotes cheios de fé.

Tal descrição nos leva a pensar como Victor Hugo, que avaliou: -“Deixemos à História as mentiras sublimes, não as discutamos; suas mentiras são melhores que a nossa verdade”. Acrescento, porém, que devemos observar as entrelinhas, lembrando que mesmo entre os maus, salvam-se alguns.

Garimpa-se na História da Primeira Cruzada a figura do seu adversário, o sultão Saladino, chefe militar curdo que dominava um grande império, da Síria ao Egito, e mantinha um cerco a Bizâncio.

Descreve-o bem o filme “Kingdom of Heaven” – “Cruzada” -, de 2005, dirigido por Ridley Scott no enredo que vai até à reconquista de Jerusalém pelo exército do Sultão, que além de admirável estrategista militar foi excelente administrador dos seus territórios e protetor da cultura islâmica; deixou entre os seus pensamentos um antológico: “Nunca esqueça: um homem é aquilo que faz”.

… E assim, pelo que fizeram os protagonistas da Primeira Cruzada, devemos estudar nos nossos dias o comportamento dos que, como nós, compõem a sociedade humana, principalmente daqueles que estão investidos de poder.

Estudar o que os homens fazem quando conquistam o poder é um mergulho fatal na História da Humanidade e, em particular entre nós brasileiros, onde um pouco de sinceridade é algo perigoso, e perfilar os mandatários pode ser fatal; tratando-se do capitão Bolsonaro vira crime, enquadrando o crítico na ditatorial “Lei de Segurança Nacional”….

Assegurar a verdade, porém, faz parte do espólio do Reino de Jerusalém, ou Reino Cristão de Jerusalém, parte da história protagonizada pelos Cavaleiros Templários, que até hoje provoca a curiosidade sobre os mistérios que envolvem a Ordem do Templo que fundaram.

Como sabemos, a Ordem dos Cavaleiros Templários nasceu no século 13, para garantir a segurança dos peregrinos cristãos que iam à Palestina visitar os lugares percorridos por Jesus Cristo. A sua formação militar e religiosa passou a ser também política, dividindo-se entre o ativismo orgânico e uma sociedade secreta de formação hierárquica, alimentando críticas ao papado, não aceitando Maria como “mãe de Deus”, mas como “mãe de Jesus”, e defendendo a pluralidade religiosa.

Herdeiros desta organização espalharam pela Europa círculos de obediência aos princípios éticos, principalmente a liberdade de consciência, o antidogmatismo religioso e a vigilância aos poderes constituídos.

Algumas ordens maçônicas tiveram origem na Ordem do Templo que foi presidida por Jacques de Molay, templário condenado à fogueira pela Inquisição. Vindas de Portugal, algumas dessas atuam no Brasil sem se comprometer com interesses pessoais ou grupistas, nem com os erros cometidos por quem ocupa eventualmente o poder.

Ainda hoje, pelo mundo afora, os herdeiros dos templários participam de uma Cruzada do Bem para criar um mundo melhor, lutando contra a covid-19 para salvar vidas; e, no Brasil, combatendo o negativismo patológico do capitão Bolsonaro, denunciando a picaretagem no Congresso Nacional e repelindo a intromissão do STF em casos que só a Ciência deveria se manifestar.

 

 

OFERENDA

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

O valor de uma oferta não está naquilo que se dá ou faz, mas na intenção de quem o deu ou fez” (Sêneca)

Quem acompanha a beleza litúrgica dos rituais religiosos, encontra na primeira parte da missa católica apostólica romana o Ofertório, consagrando a oferta do pão e o vinho a Deus.

A oferenda aos deuses e santos faz parte das cerimônias de todas religiões e seitas do mundo; desde às monoteístas aos cultos mais primitivos. A ação de ofertar é praticada por sacerdotes ou por manifestação individual.  Assim ocorre na liturgia eucarística do catolicismo, no ritual funerário judaico, na hégira do islamismo e na meditação sob os incensos e velas do budismo e do xintoísmo.

Em certas religiões de origem africana no Brasil e no Caribe, a oferenda vai para Iemanjá nas sete ondas do mar, ou colocada numa encruzilhada ou cachoeira para Exu; e também na missa negra do negativismo celebrada por Bolsonaro, oferta-se cadáveres dos mortos pela covid-19 no altar do desdém pela pandemia e da sabotagem contra as vacinas.

Ao contrário das práticas maléficas do celebrante necrófilo, a gente encontra alegria na música, no álbum “Ofertório”, do compositor e cantor Caetano Veloso em conjunto com seus filhos Moreno, Zeca e Tom, com 28 músicas de excelência.

E temos igualmente na música a lindíssima peça melódica e poética executada e cantada na missa, entre o Credo e o Sanctus: – “Venho Senhor, minha vida oferecer, / Como oferta de amor e sacrifício”. O sacrifício do ofertório lembrou-me uma antiquíssima lenda chinesa.

Conta que o inventor da porcelana, cujo nome se perdeu nos tempos, pesquisou durante anos qual a temperatura ideal para coser no forno a argila e conseguir uma delicada e refinada cerâmica.

Após inúmeras tentativas, sem conseguir alcançar a perfeição desejada, desesperou-se e atirou-se às brasas. Era um homem rechonchudo, como Pazuello (o “meu gordinho” de Bolsonaro).

No seu sacrifício, a gordura do corpo adicionou o que faltava para conseguir o esmero perseguido para os seus vasos, que foram encontrados no dia seguinte com a textura perfeita.

Segundo os crentes da religião chinesa “Caminho dos Deuses” de onde derivou o xintoísmo japonês, o sacrifício para a obtenção da porcelana deu ao seu inventor um lugar nos altares, certo de que não havia cosido os vasos com a sua gordura, mas com a sua alma…

Martinho Lutero, ex-monge e teólogo alemão, considerado o pai do movimento da reforma protestante, deixou-nos frases e pensamentos antológicos e ressaltando a ontologia da alma comentou, como fez Tomás de Aquino, “Deve-se doar com a alma livre, simples, apenas por amor, espontaneamente! ”.

Eduardo Pazuello, o “meu gordinho” de Bolsonaro, não tem alma, como mostrou a sua gestão genocida no Ministério da Saúde, e tragicamente na crise do oxigênio que resultou em centenas de mortes.

Como ativista do negacionismo, Pazuello atirou-se à fogueira das vaidades e caminhou nas brasas da inconsequência, invertendo o conceito de oferenda ao transferir para as Forças Armadas o sacrifício ministrado pelo alto comando do Exército absolvendo-o de flagrante indisciplina. Um comportamento intolerável em qualquer força armada do mundo.

A gordura societária do General com o Capitão não produziu nas chamas a delicada porcelana, mas uma rústica panela de barro, que serve para cozinhar no fogão do sigilo a descrença que o povo brasileiro adquiriu pelo capitão Bolsonaro e na vergonha dos militares.

SÃO 30%

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“Eles podem cortar todas as flores, mas não podem parar a primavera” (Pablo Neruda)

“É a China, é o Dória, são os governadores e prefeitos, são as medidas de isolamento preventivo, é o desprezo pela Economia e é a oposição ao Presidente bonzinho, que alertou para o perigo da pandemia, se apressou a adquirir vacinas e deu exemplo ao povo de como se portar, usando máscara, condenando aglomerações e enaltecendo o valor da vacinação”….

Assim se expressam os 30% (com otimismo) que ainda cultuam a personalidade de Bolsonaro, adoração ao Chefe como fizeram as massas alemães e italianas ao seu führer e ao seu duce; e, até hoje, comunistas idolatrando o “paizinho” Stálin.

Os 30% (com otimismo) têm dois lados extremistas nefastos da política brasileira, um dele dos que apoiam Bolsonaro e os outros pertencem a Lula, o encantador de serpentes corruptas como ele próprio.

Estes percentuais numéricos levam-nos a percorrer os nossos 8.516.000 km² para ver o que vem ocorrendo no Brasil. Contaram-me, por exemplo, que numa cidade do interior da Paraíba, Bolsonaro foi inaugurar um mata-burro e reuniu 30% (com otimismo) da população local aplaudindo-o; e, sete dias depois, na mesmíssima cidade, o PT convocou uma manifestação oposicionista e também apareceram os 30% (com otimismo) em entusiástico apoio….

Segundo a observação maldosa de um jornalista de Campina Grande, meu amigo, daqueles mil manifestantes de um lado e do outro, a metade eram as mesmas pessoas, controladas pelos cabos eleitorais do Prefeito, que quer se sair bem com os dois….

Diante deste fato, analisamos que as pesquisas eleitorais são t desprezíveis entrando na lista de Theodore Roosevelt, registrando que “há três espécies de mentiras: mentiras, estatísticas e pesquisas”…. Entretanto, os números que elas trazem podem ser aproveitados, porque têm mantido um pouco mais, um pouco menos de 30% para Bolsonaro e Lula; podem conferir.

O que se passa nas cabeças de 40% restantes? O que pensarão os orgulhosos contabilistas daqueles que fazem parte desta maioria? Calam-se; deixam a resposta para o tempo que vai passar até as próximas eleições….

Na verdade, o Tempo registra historicamente a formação de impérios e a sua decadência; Ibsen, na sua visão materialista, lembra que também cada dogma e cada igreja “já tiveram a sua aurora e terão certamente o seu crepúsculo”; do mesmo modo como irá acontecer no porvir político das terras brasílis.

Como descarto dos dois nomes que a polarização extremista quer nos impor, observo a louca corrida eleitoral, mantenho-me observando-a à distância entre Nietzsche e Pilatos, o alemão perguntando-se o que é a mentira, e o romano que julgou Cristo e Lhe perguntou: – “O que é a verdade?

As diferenças filosóficas das duas personalidades históricas nos mostram a necessidade de ter dúvidas, de buscar a verdade estudando a realidade sem falsidade e sem os fundamentos que as massas aceitam na sua vulgaridade mental.

Gosto de citar Galileu Galilei, cientista defensor do heliocentrismo preso pela Inquisição por enfrentar dogmas idiotas. Entre os pensamentos que deixou, referiu-se que   “a verdade não resulta do número dos que nela creem”; e isto nos alerta para o que se vê no mundo da ignorância científica.

Até mesmo categorias supostamente esclarecidas curvam-se para a mentira que vigora entre os 30% bolsonaristas. O que não surpreende é que sob os reflexos condicionados pela formação de subalternidade, a estreiteza intelectual do general-ativista Eduardo Pazuello leve-o a subverter a disciplina militar.

O que assombra é que a instituição que tem o Duque de Caxias como patrono curve-se diante disto por pressão de Bolsonaro, desastrado aprendiz de ditador. Trata-se de uma ameaça ao Estado de Direito que o silêncio reinante entre os meios políticos e jurídicos assustam os defensores do Estado Democrático de Direito.

 

 

 

 

Pablo Neruda

O TEU RISO

Tira-me o pão, se quiseres,

tira-me o ar, mas

não me tires o teu riso.

(…)

ri, porque o teu riso será para as minhas mãos

como uma espada fresca.

(…)

mas quando abro

os olhos e os fecho,

quando os meus passos se forem,

quando os meus passos voltarem,

nega-me o pão, o ar,

a luz, a primavera,

mas o teu riso nunca

porque sem ele morreria.