Arquivo do mês: novembro 2016

Pablo Neruda

É PRECISO AGIR

Pois bem, chegaram outros:
exímios, medidores, chilenos meditativos
que fizeram casas úmidas em que me criei
e levantaram a bandeira chilena
naquele frio para que gelasse,
naquele vento para que vivesse,
em plena chuva para que chorasse.
Encheu-se o mundo de carabineiros,
apareceram as ferrarias,
os guarda-chuvas
foram as novas aves regionais:
meu pai deu-me uma capa
do seu invicto poncho de Castela
e até chegaram livros
à Fronteira, como se chamou
aquele capítulo que não escrevi
mas escreveram para mim.

Os araucanos tornaram-se raiz!
Foram lhes tirando folhas
até que viraram só esqueleto
de raça ou árvore lá destituída,
e não foi tanto o sofrimento antigo
embora lutassem vertiginosamente,
como pedras, como sacos, como anjos,
e eis que agora eles, os honorários,
sentiram que o chão lhes faltava,
a terra lhes fugia aos pés:
já havia reinado o sangue em Arauco,
chegou o reino do roubo
e éramos nós os ladrões.

Perdão se quando quero /contar minha vida
é terra o que conto.
Esta é a terra.
Cresce em teu sangue
e cresces.
Se se apaga em teu sangue
te apagas.

Geir Campos

Alba

Não faz mal que amanheça devagar,
as flores não têm pressa nem os frutos:
sabem que a vagareza dos minutos
adoça mais o outono por chegar.
Portanto não faz mal que devagar
o dia vença a noite em seus redutos
de leste – o que nos cabe é ter enxutos
os olhos e a intenção de madrugar.

Saiba mais sobre Geir Campos aqui

Carlos Drummond de Andrade

Não se mate

Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.

Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.

O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.

Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.

(Poema do livro Reunião – 10 livros de poesia. São Paulo: José Olympio, 1969. p. 26)

 

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ILUSÃO

Miranda Sá (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

A ciência não é uma ilusão, mas seria uma ilusão acreditar que poderemos encontrar noutro lugar o que ela não nos pode dar. (Sigmund Freud)

Dizem que futebol, política e religião não se discute. Na minha opinião é um conceito ilusório, por que todos nós discutimos futebol, política e religião, e a vida seria muito triste sem uma boa discussão entre amigos, de preferência numa mesa de bar…

A ilusão substitui a realidade por um pensamento abstrato. Uma ideia que fica limitada pela imaginação definida por uma palavra antiga, do tempo das valsas de Carlos Galhardo, Francisco Alves, Orlando Silva e Sílvio Caldas: “Devaneio”.

A palavra “Ilusão”, dicionarizada, é um substantivo feminino com o significado de percepção ou entendimento enganoso, ou esperança de conquistar algo desejável. Sua origem vem do verbo latino “illudo”, derivada de uma ampla família de palavras na qual se inclui “lúdico”: divertir-se, recrear-se e também burlar, enganar.

Na língua portuguesa, iludir firmou-se no sentido de causar uma impressão enganosa, que impede o discernimento da realidade. Ser iludido é ser enganado.

É abundante a sinonímia de “ilusão”. Abrange fantasia, ficção, miragem, sonho, utopia e até alucinação. No sentido de engano, temos burla, engano, fantasia, logro e mentira… Suas excelências os casacudos congressistas abusam de falar “equívoco” para amaciar o que denunciam como erro ou tapeação.

A morte de Fidel Castro ressuscita uma ilusão coletiva de uma geração (ou duas gerações latino-americanas?). A minha, por exemplo. É inegável a sua projeção do falecido nos anos 1950/1960, pela coragem de enfrentar uma poderosa ditadura que paradoxalmente contava com o apoio da máfia ítalo-americana, do governo dos EUA e do movimento comunista internacional.

Na época, Cuba era conhecida como “o cabaré das américas”. Jogo, prostituição, lavagem de dinheiro, fábrica de documentação falsa e livre trânsito para toda espécie de narcótico eram a marca registrada de um regime corrupto.

Uma varredura sobre esse lixão de costumes e comportamentos seria aplaudida por todos os jovens sonhadores daquela época, tal e qual temos no Brasil de hoje a Lava Jato fazendo uma faxina para nos livrar dos bandidos que institucionalizaram a corrupção no País.

É uma pena que lá, na heroica Cuba de Jose Marti a revolução fidelista não tenha passado de uma grande ilusão, primeiro, por se despir do humanismo ao estabelecer o “paredón” e fuzilar a torto e direito, misturando mafiosos, capitalistas, políticos, religiosos e até homossexuais, somente por serem homossexuais.

E assistimos uma brutal agressão à liberdade, impondo uma ditadura que já dura 60 anos. Democracia lá é só um nome escrito nos muros. E, para dizer que não falei de flores, um mérito que a disciplina ditatorial estabeleceu: a educação e os serviços de saúde públicos de qualidade.

Se isto sobrepesar na biografia de Fidel, retiramos 25% dos terríveis males atribuídos a ele, supressão da liberdade, baixo padrão de vida, estado policialesco e atraso de 50 anos na economia e no avanço tecnológico da Ilha. Restam, assim, 75% de ilusão!

 

 

WILLIAM BLAKE

A MOSCA

Minimosca
Teu giro de verão
Minha mão à toa
Desmanchou.

Não sou eu
Mosca também?
Ou não és,
Como eu, ninguém?

Pois eu danço
E bebo e canto
Até que brusca mão
Me espanta.

Se pensamento
É ar no peito
E se é morte
Perdê-lo,

Então sou
Mosca feliz
Se eu vivo
Ou se vou

(Tradução de Regina de Barros Carvalho)

WALT WHITMAN

POETAS DE AMANHÃ

Poetas de amanhã: arautos, músicos,
cantores de amanhã!
Não é dia de eu me justificar
e dizer ao que vim;
mas vocês, de uma nova geração,
atlética, telúrica, nativa,
maior que qualquer outra conhecida antes
– levantem-se: pois têm de me justificar!

Eu mesmo faço apenas escrever
uma ou duas palavras
indicando o futuro;
faço tocar a roda para a frente
apenas um momento
e volto para a sombra
correndo.

Eu sou um homem que, vagando
a esmo, sem de todo parar,
casualmente passa a vista por vocês

e logo desvia o rosto,
deixando assim por conta de vocês
conceituá-lo e prová-lo,
a esperar de vocês
as coisas mais importantes.

Ledo Ivo

SONETO DE ROMA

Felizes os que chegam de mãos dadas
como se fosse o instante da partida
e entre as fontes que jorram a água clássica
dão em silêncio adeus à claridade.

No dourado crepúsculo da tarde
o que nos dividiu agora é soma
e a vida que te dei e que me deste
voa entre os pombos no fulgor de Roma.

Todo fim é começo. A água da vida
eterna e musical sustenta o instante
que triunfa da morte nas ruínas.

Como o verão sucede à neve fria
um sol final aquece o nosso amor,
devolução da aurora e luz do dia.

BANGU

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

“A política é a higiene dos países moralmente sadios. A politicalha, a malária dos povos de moralidade estragada”. (Rui Barbosa)

A palavra “bangu” é de origem tupi – “bang _ú” – com o significado de “paredão escuro”. É dicionarizado como adjetivo de dois gêneros e substantivo de dois gêneros, nomeando um bairro de classe média do Rio de Janeiro. Nos primórdios, os índios que atravessavam o Campo de Gericinó davam de cara com a Serra do Medanha, vendo-se de longe como um cerrado alto e enegrecido.

À sombra do Maciço da Pedra Branca surgiu em 1673 um povoado com a fundação do Engenho Bangu,  aproveitando a mão de obra indígena e, pela acumulação desordenada dos bagaços da cana para servir de combustível ao forno, criou uma gíria, “banguna”, fazer as coisas a bangu, agir desorganizadamente.

Mas a desorganização não atingiu a Fábrica Bangu, uma grande indústria têxtil, pioneira do Estado do Rio. Foi um investimento inglês com capital financeiro e humano, pois trouxe do Reino Unido vários técnicos, que além da confecção de qualidade, fundaram um dos primeiros clubes de futebol do Brasil, o “The Bangu Athletic Club”, que mais tarde abrasileirou o nome para Bangu Atlético Clube.

Assim nasceu um dos clubes mais tradicionais do futebol do Rio de Janeiro com a participação dos gringos pioneiros do futebol nacional, operários da fábrica, muitos negros, derrubando a visão elitista dos outros clubes cariocas.

No famoso bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro foi criado o “Complexo Presidiário de Bangu”, que, embora situado no Distrito de Gericinó, que virou bairro, e mesmo assim a prisão não perdeu a designação de Bangu.

É sobre esta prisão que pautamos este artigo, agora que não abriga somente criminosos comuns, mas importantes personalidades da política nacional. Lá, já se encontra cumprindo cadeia o ex-governador Sérgio Cabral, e está à espera de outro ex-governador, Garotinho, que adiou o encarceramento por uma engenhosidade digna do patife que é.

Esta situação, além de um prenúncio para um Brasil livre de corruptos e o augúrio de que a varredura da Lava Jato não está esmorecendo, como querem os picaretas do Congresso Nacional e seus cúmplices.

Garotinho, embora um malandro arguto, não cobre letra para Cabral. Fica na casa dos milhões, enquanto Cabral, que recebeu uma atenção especial da Operação Calicute, é do refinado clube dos bilhões.

Preso no dia 17 deste novembro aziago para os políticos – Garotinho denunciado por crime eleitoral; a mulher, Rosinha cassada como prefeita de Campos; e a filha Clarissa, expulsa do partido que a elegeu deputada.

Novembro agourento também para Geddel Vieira, ao melar o que restava de esperança de postura no Governo Temer, que mostrou seu lado vacilante e covarde ao recear que a prisão do mega-corrupto Lula provoque “instabilidade” no País. Não confia na maioria do povo brasileiro que quer Lula na cadeia!

Cabral deu igualmente um mergulho no mau agouro, tendo a cabeça raspada após chegar ao complexo penitenciário de Gericinó. E vestiu o uniforme usado pelos presidiários determinado pela Secretaria de Administração Penitenciária.

Arrogante e presunçoso, quando ocupava o poder, Cabral foi humilhado junto com sua mulher, Adriana Ancelmo, quando levados para a Polícia Federal do prédio onde moram, sob gritos dos vizinhos chamando-os de “bandidos” e “ladrões”.

Adriana foi solta por algum tempo, pois seu comprometimento na corrupção é inegável; e Cabral continua preso por suspeita de desvios em obras do governo estadual feitas com recursos federais e por receber “mesadas” entre R$ 200 mil e R$ 500 mil de empreiteiras.

Por causa de Sérgio Cabral e sua associação com Lula da Silva, o Rio de Janeiro está a bangu, literalmente, e ele em Gericinó… rsrsrs.

Denise Levertov

Vivendo

A chama em folha e grama

tão verde parece

cada verão o ultimo verão.

_

O vento soprando, as folhas

estremecendo ao sol,

cada dia o último dia.

_

Uma salamandra vermelha

tão fria e tão

fácil de pegar, distraidamente

_

move suas patinhas delicadas

e sua cauda comprida. Deixei

a mão aberta para ela partir.

_

Cada minuto o último minuto.

Traduzido por Wagner Miranda

Saiba mais sobre  Denise Levertov aqui

BALAIO

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

“Essa reforma ministerial é um balaio de caranguejos. Uns caranguejos entrando, outros saindo.”    Leonel Brizola

Procurei como louco a etimologia da palavra ‘balaio’ e não encontrei em canto nenhum. Embora sendo uma produção artesanal indígena, pré-cabraliana, não consta do “Pequeno Vocabulário Tupi, do padre A. Lemos Barbosa, nem do clássico “Diccionario da Lingua Tupy” do erudito e poeta Gonçalves Dias.

O verbete dicionarizado é Balaio – Substantivo Masculino, um cesto de diversos tamanhos, formatos e materiais. É geralmente encontrado pelo Brasil afora feito de palhas de milho, de bananeiras e palmeiras, bambu, cipós, fibras de agave e taquara, com a serventia de guardar ou carregar alimentos, coleta de vegetais, objetos vários e roupas.

É riquíssima a sua sinonímia; na gíria designa quadris ou bundas volumosas, trazendo como exemplo “a moça movia o seu balaio com graça”… (Dicionário de Gíria – J.B. Serra e Gurgel).

A expressão popular inspirou vários cancioneiros, absorvendo do folclore versos de modinhas antigas. O compositor Barbosa Lessa assumiu uma das versões de “Balaio” que foi lindamente interpretada por Inezita Barroso, e também, referindo-se à interpretação do folclore, por Kleiton e Kledir.

Pesquisadores das tradições gaúchas encontraram “Balaio”, uma dança sapateada e, ao mesmo tempo, de conjunto, muito popular no Rio Grande do Sul. E na expressão gauchesca do nosso epigrafado, Leonel Brizola, aparece “balaio de caranguejos”, com o mesmo significado de “balaio de gatos”, bagunça, confusão, embaraço e encrenca.

A política brasileira – como legado da Era Lulopetista – tem a interpretação exemplar nas idas e vindas do Governo Temer, herdeiro legítimo da impichada Dilma Rousseff, pois além de eleito com ela, substituiu-a no espírito da Lei.

Prometendo enxugamento do ministério, o presidente sucessor aboliu o Ministério da Cultura, uma jabuticaba instituída para servir de cabide de empregos e ‘otras cositas más”. Só existe no Brasil. Pois bem, uma meia dúzia de três ou quatro “artistas”, amamentados pelas tetas generosas da Lei Rouanet espernearam, e Temer voltou atrás.

Seria enfadonho – e ocuparia este precioso (para mim) espaço, os ministros que entraram e saíram como caranguejos, denunciados por atos corruptos, mostrando a insegurança reinante no Palácio do Planalto, cujas vacilações vimos na declaração pública de Temer dizendo-se preocupado com a prisão de Lula, que produziria ‘instabilidade’ no País.

Prá não dizer que só falei das flores planaltinas, temos um ‘balaio de gatos’ aberto no Rio de Janeiro, com a prisão de dois ex-governadores, Garotinho e Cabral, este último arrastando consigo os sócios do Clube dos Guardanapos.

Garotinho, preso sob denúncia de crime eleitoral, mostrou o artista que é, ensaiando uma doença de última hora, que nunca apresentou sintomas; revelando temor pela prisão e o pavor de ir para um hospital público, como se ali fosse um centro de tortura… Com manhas e encenação, engabelou uma juíza do TSE – que parece ser um tanto ‘heterodoxa’…

O outro, Sérgio Cabral, não se revelou agora. É difícil imaginar o porquê da Polícia, da Procuradoria e da Justiça levar tanto tempo para denunciá-lo. Se o investigaram, choveram no molhado pois a prática corrupta cabraliense atravessou dois mandatos, disputou uma Copa do Mundo e treinou para a Olimpíada, tendo principal modalidade o salto tríplice das propinas…

Nos balaios com patas caranguejeiras ou estridentes miados de gatos, tivemos a cínica, despudorada e mentirosa declaração de Dilma, ao dizer que nunca foi aliada de Cabral. Essa falsidade envolve todos os seus codinomes, Estela, Vanda, Patrícia e Luiza como guerrilheira; pela segurança presidencial “Torre de Cristal”, no caderno das propinas, “Dulce Maia” e agora, como futura escritora, o heterônomo “Janete”.  Ela é muitas, mas o seu DNA da depravação é um só…