Arquivo do mês: março 2019

Bukowski

Então queres ser um escritor?

se não sair de ti explodindo
apesar de tudo,
não o faças.
a menos que saia sem perguntar do teu
coração e da tua cabeça e da tua boca
e das tuas entranhas,
não o faças.
se tens que sentar por horas
olhando a tela do teu computador
ou curvado sobre a tua
máquina de escrever
procurando palavras,
não o faças.
se o fazes por dinheiro ou
fama,
não o faças.
se o fazes porque queres
mulheres na tua cama,
não o faças.
se tens que te sentar e
reescrever uma e outra vez,
não o faças.
se dá trabalho só pensar em fazê-lo,
não o faças.
se tentas escrever como algum outro escreveu,
não o faças.

se tens que esperar para que saia de ti
a gritar,
então espera pacientemente.
se nunca sair de ti a gritar,
faz outra coisa.

se tens que o ler primeiro à tua mulher
ou namorada ou namorado
ou pais ou a quem quer que seja,
não estás pronto.

não sejas como muitos escritores,
não sejas como milhares de
pessoas que se consideram escritores,
não sejas estúpido nem enfadonho e
pedante, não te consumas com auto-
-devoção.
as bibliotecas de todo o mundo têm
bocejado até
adormecer
com os da tua espécie.
não sejas mais um.
não o faças.
a menos que saia da
tua alma como um míssil,
a menos que o estar parado
te leve à loucura ou
ao suicídio ou homicídio,
não o faças.
a menos que o sol dentro de ti
te esteja a queimar as tripas,
não o faças.

quando chegar mesmo a altura,
e se foste escolhido,
vai acontecer
por si só e continuará a acontecer
até que tu morras ou morra em ti.

não há outra forma.

e nunca houve.

(tradução livre de Fabio Rocha em 20 de abril de 2013, baseada no original em inglês)

FRAUDES

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“Há três espécies de fraudes: fraudes ostensivas, fraudes inocentes e campanhas eleitorais”.
(Mark Twain)

Visitei outro dia uma feira de produtos orgânicos e me espantei com os altos preços cobrados pelos produtos ali expostos. Notei, porém, que não havia um só certificado da autenticidade de cultivo e colheita, principalmente das verduras. Apesar disto, vi uma expressiva demanda de mulheres.

Um cacoete de antigo secretário de redação deu-me vontade de abrir pautas para a reportagem investigativa, considerando obrigação do jornalismo atestar a veracidade na propaganda e das mercadorias que rolam no comércio e na indústria.

Tal informação seria muito importante de olho na política, pelo exemplo que notifiquei outro dia quando fui comprar papel de impressora no Largo do Machado; lá assisti uma altercação entre um jovem de camisa vermelha do MST, espargindo colônia inglesa, e uma senhora de meia idade, com a cara das professoras do meu tempo ginasiano.

Ela fez uma ironia com o rapaz: – “Você vai fazer reforma agrária no Leblon? ”. Não prestou. O cara investiu raivoso contra a mulher chamando-a aos berros de fascista. Pela atitude ameaçadora, algumas pessoas intervieram para evitar uma agressão física.

Daí refleti sobre a fraude política, que tem sido praticada circulando entre nós pelos revolucionários ressuscitados dos séculos passados. Não esqueço que Fraude é um verbete dicionarizado como substantivo feminino de origem latina, fraus,dis, engano, erro, ação de lograr, iludir, falta, crime, delito.

Em bom português, fraude é ato de má-fé com o intuito de lesar ou ludibriar outrem; e, por extensão, fraude é a falsificação de documentos; impostura nas marcas comerciais e, para o Fisco, contrabando. Na politicagem dos picaretas, é falsa bandeira, traição aos princípios, propaganda enganosa. É o que o pequeno burguês da Zona Sul do Rio faz, travestido de camponês sem-terra.

Este é um dos produtos da grande fraude que é o “socialismo bolivariano”. Vejam bem, podemos admitir que a ilusão utópica do socialismo atraia os moços, porque em teoria é uma sedução; é inadmissível, porém, que uma pessoa normal, saudável física e mentalmente, escolarizada, confunda o socialismo teórico com o narcopopulismo.

Só pode ser uma insanidade o deslumbramento pela oligofrenia egocêntrica de um Chávez, de um Evo Morales e cultuar a personalidade de um Lula da Silva. Ninguém melhor do que G. Gordon Liddy para descrever os que assumem essa ideia:

“Um esquerdista é alguém que se sente devedor da humanidade, e cuja dívida ele propõe pagar com o dinheiro dos outros”. Vê-se assim que a fraude política é um contrabando ideológico.

Agora mesmo, assistimos isto com a reação dos velhos picaretas do Congresso ao projeto AntiCrime do ministro Sérgio Moro, sem justificar nem explicar o motivo do seu engavetamento pela presidência da Câmara dos Deputados.

Assiste-se neste cenário alguns parlamentares alimentando a Imprensa com a exigência de que Bolsonaro assuma uma “articulação política”, isto é, a volta do “toma lá, dá cá”…  Cobrado por Rodrigo Maia, Bolsonaro foi irônico ao perguntar “O que é articulação”?

Foi engraçado, porque até as crianças sabem o que significa em picaretês a palavra “articulação”: reabertura do balcão de varejo das transações sujas, com a moeda de troca dos cargos federais e verbas parlamentares para aprovar projetos.

O Presidente disse mais. Para ele, cabe ao Parlamento apreciar, aperfeiçoar, aprovar ou recusar a proposta da Nova Previdência. E afirmou que não assumirá o que fizeram os outros presidentes contribuindo para a corrupção legislativa. Foi para isso que o povo o elegeu.

 

 

Manuel Bandeira

Estrela da manhã

Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã
Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda a parte

Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa? Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noites
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos

Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras

Com os gregos e com os troianos
Com o padre e com o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto

Depois comigo

Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas
comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás
Procurem por toda parte
Pura ou degradada até a última baixeza
eu quero a estrela da manhã

Pablo Neruda

O teu riso

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

Alphonsus de Guimarães

Ismália 

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar…
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar…
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar…

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar…
Estava perto do céu,
Estava longe do mar…

E como um anjo pendeu
As asas para voar…
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar…

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par…
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar…

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Cora Coralina

Aninha e suas pedras

Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.

Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.

Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.

Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

(Retirado do livro Melhores Poemas; seleção e apresentação Darcy França Denófrio. São Paulo: Global, 3a edição, 2008. 4a reimpressão, 2011. p. 243)

MITO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

                                                       “A totalidade do humano, e não um simples aspecto do homem, está        presente no mito”  (Gaston Bachelard)

O genial Charles Chaplin, filosofando, nos deixou um pensamento comovente: “A única coisa tão inevitável quanto a morte é a vida”; e o notável psicólogo franco-austríaco Paul Diel no seu estudo sobre o simbolismo da mitologia grega, resume: “O mistério da vida inclui o mistério da morte”.

Como Sigmund Freud, criador da psicanálise, Diel também teve origem austríaca e desenvolveu o método da análise introspectiva e a psicologia da motivação. Houve discordâncias entre os dois sobre o “Complexo de Édipo”, oferecendo um interessante estudo comparativo sobre o simbolismo do mito.

Faz tempo que psicanalistas e psicólogos sobem o Monte Olimpo – a morada dos deuses -, para aprender ali a incorporação psíquica dos mitos no inconsciente da pessoa humana. Freud encontrou ali a história de Édipo, filho de Laio e Jocasta, que mata o pai para ficar com a mãe, e descreveu a atração amorosa do menino com a mãe e a consequente hostilidade com o pai, que possui a mãe.

É o “Complexo de Édipo”, que, estendido à identificação da filha com a mãe, desejando eliminá-la inconscientemente para possuir o pai, chamou-se Complexo de Édipo Feminino. Mais tarde, aprimorando a teoria freudiana sobre o desenvolvimento psicossexual das meninas, o pai da psicologia, Carl Jung, deu-lhe o nome de Complexo de Electra, deusa filha de Agamemnon e Clitemnestra.

Vê-se assim como é cativante a Mitologia, onde se situam Édipo e Electra, mitos olímpicos. Não precisamos nos aprofundar no seu estudo para aprender que nela tudo gira em torno do antagonismo entre o espírito e a matéria.

Com o casal primordial, Urano e Gaia, personagens simbólicas do Céu e da Terra, o criacionismo mitológico entrou como a origem da humanidade em todas religiões orientais; nas judaico-cristãs, a dicotomia espírito-matéria fica entre o paraíso e a realidade, com o castigo no Inferno e a recompensa no Céu.

No Livro do Gênesis, a criação é semelhante a saga de Prometeu, filho incestuoso de Urano e Gaia; traz Adão perdendo o Paraíso por ter comido a maçã em desobediência a Deus, e, do outro lado, Prometeu cai por ter roubado o fogo dos deuses para dar aos homens. O castigo dos dois atinge todos os seus descendentes.

O mito grego, porém, criou um novo parentesco para perdoar o filho de Prometeu e o “pecado original” inventado por São Tomaz de Aquino reconhecendo a imperfeição humana de Adão, foi adotado pela Igreja Católica que absolve os seus descendentes no confessionário…

Para Paul Diel, como a culpabilidade dos heróis é mitigada pela justiça mitológica e pelos cânones católicos, as ações humanas, objeto de desvelo, apagam a luz que iluminava e dessa maneira os mitos se banalizam.

A própria Mitologia banaliza a ganância no caso do rei Midas, que embora vivesse em abundância, era um avaro vicioso e incorrigível; a sua maior diversão era contar moedas de ouro.

Um dia, num passeio, Baco sentiu falta de Sileno, seu pai de criação que se perdera, bêbado, da comitiva olímpica. Camponeses acharam o velho e levaram-no a Midas que o reconhecendo levou-o ao castelo oferecendo-lhe dadivosa hospedagem.

Quando acompanhou Sileno são e salvo à presença do Deus do Vinho, Midas teve como recompensa o direito de fazer qualquer pedido, que seria atendido. O sovina solicitou que “tudo em que tocasse virasse ouro”… Baco realizou o desejo e o Rei morreu de inanição porque todo alimento que pegava se metalizava.

A banalização leva o povão a criar mitos; felizmente são manias passageiras, como os dois minutos de fama que levam abestados se amostrar diante das câmeras de tevê ou o desfile das doidivanas que penduram argolas no nariz e pintam os cabelos de verde piscina…

No Brasil surgiu uma caricatura de Mídias, o pelego Lula da Silva, que os seus parceiros  o fizeram “um mito” e levaram-no ao poder, com o direito de transformar em propina tudo o que assinasse. Assim foi feito, e ele está preso por isso…

Ferreira Gullar

Não há vagas

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

– porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede
nem cheira

Augusto dos Anjos

Versos Íntimos

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te a lama que te espera!
O Homem que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera

Toma um fósforo, acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro.
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa ainda pena a tua chaga
Apedreja essa mão vil que te afaga.
Escarra nessa boca de que beija!

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Adélia Prado

AMOR FEINHO

Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero um amor feinho.

(Do livro Bagagem. Rio de Janeiro: Record, 2011. p. 97)