Míriam Leitão escreve
Malabarismo verde
O governo montou um circo cheio de malabaristas para anunciar a queda forte do desmatamento de 12 mil km para 7.000. O número é bom e era natural que ele faturasse. É a destruição de uma área equivalente ao DF em um ano, mas já foi muito pior. Os atores mudaram a história e apagaram a personagem principal: Marina Silva. Já Dilma Rousseff não coube no seu figurino neo-verde.
Dilma não é desse mundo. Ela é, desde o começo do governo Lula, a principal responsável pelo modelo elétrico, pelas decisões na área que monitora, mesmo depois de sair de lá. Acredita nas grandes hidrelétricas no meio da Amazônia, quer construir rodovias, aposta na “indução do desenvolvimento na expansão das fronteiras agrícolas e minerais”, palavras ditas no lançamento do PAC. Não há transposição sustentável que faça dela uma defensora do meio ambiente e da floresta.
Mas há uma conclusão boa diante do malabarismo verde de ontem: um grupo político que quer se manter no poder só faz isso se acredita que é importante, dá voto, e faz parte dos novos valores da sociedade brasileira. Ela vem mudando nos últimos tempos. Isso é mais interessante do que a versão montada ontem pelo marketing do governo.
O desmatamento cresceu muito no começo do primeiro governo Lula e chegou a 27 mil km em 2004. Em fevereiro de 2005, morreu a irmã Dorothy. Os números e a tragédia deram força à ministra Marina Silva dentro do governo. Ela então anunciou o Plano Nacional de Combate ao Desmatamento, junto com o então chefe da Casa Civil, José Dirceu. A primeira frente de batalha foi a criação de áreas protegidas, unidades de conservação. Outros estados seguiram na mesma linha: Pará, Amazonas, Amapá, Acre. O total de áreas protegidas subiu de 30% para 41% até 2007. De lá para cá, aumentou apenas para 42%. Operações policiais se intensificaram. Um dos resultados foi a operação Curupira, no Mato Grosso.
As ONGs aumentaram a pressão contra as grandes empresas que induziam o desmatamento. Assim, nasceu a moratória da soja, em que as grandes traders se comprometeram a não comprar soja de área recentemente desmatada.
O desmatamento caiu nos anos seguintes. Em 2007, logo que voltou de Bali, a ex-ministra confirmou o que se temia: o desmatamento voltara a crescer. Ela anunciou então uma nova série de medidas. Beto Veríssimo do Imazon, lembra:
— Foi cortado o crédito de quem desmatava e a lei de crimes ambientais embargou as fazendas infratoras. Os nomes destas fazendas foram divulgados na internet. A lei estabeleceu que quem comprasse delas responderia pelo crime. Além disso, o governo fez uma lista de 36 municípios que mais desmatavam e montou a operação Arco de Fogo, da Polícia Federal e do Ibama, para fechar madeireiras e fornos ilegais.
Acompanhei uma dessas ações, em abril de 2008, em Paragominas. Conversei na época com o prefeito Adnan Demachki, que falou ontem no evento do governo. O ministro Minc contou ontem que houve um atentado em Paragominas contra a sede do Ibama, e a partir daí, graças a atuação do seu ministério e a decisão acertada do prefeito, que ficou contra os produtores de carvão ilegal, o desmatamento caiu.
O ministro errou na ordem dos fatos históricos. O ataque à sede do Ibama foi em novembro do ano passado. Mas quando eu fui em abril de 2008, o prefeito já tinha assinado desde março um pacto com os principais produtores da cidade pelo desmatamento zero. E o fez com a ajuda do Imazon. Tudo anterior até a nomeação de Minc, que só aconteceu em maio do ano passado. Paragominas é um bom exemplo de como as coisas funcionam: os produtores se sentiram pressionados porque seus clientes queriam garantia de produtos livres de desmatamento.
Esse tipo de pressão aos produtores faz parte de um processo interessante. Com a divulgação dos nomes das fazendas que desmatavam ilegalmente, um grupo de ONGs, liderado pelo Greenpeace, fez um levantamento de quem estava comprando desses produtores. Esse estudo chegou aos grandes supermercados, que decidiram boicotar a carne de frigoríficos que compravam dessas fazendas.
— Mas claro que tudo isso mostra que os empresários estão mudando. E se eles estão mudando, é porque o mercado e a sociedade estão mudando — diz Veríssimo.
No palanque do desmatamento, a versão foi que tudo aconteceu por obra do governo, a partir da chegada do ministro Minc, e graças ao trabalho da ministra Dilma e ao programa Arco Verde. A propósito, também lançado por Marina.
— O Arco Verde, na verdade, tem sido apenas um mutirão de entrega de documentos pessoais ou legalização de propriedade de pequenos proprietários. Não está havendo a outra parte: o desenvolvimento de cadeias produtivas — explica Veríssimo.
Na história contada no palanque, houve muitas imprecisões e meias verdades. Mas o pior foi sumir com um personagem desse próprio governo. A senadora Marina Silva está na origem de políticas que deram certo. É de justiça que se diga isso. A maneira como o governo contou os fatos lembrava “1984”, de George Orwell, em que os poderosos reescreviam a história passada para eliminar o personagem que caíra em desgraça.
O governo montou um circo cheio de malabaristas para anunciar a queda forte do desmatamento de 12 mil km para 7.000. O número é bom e era natural que ele faturasse. É a destruição de uma área equivalente ao DF em um ano, mas já foi muito pior. Os atores mudaram a história e apagaram a personagem principal: Marina Silva. Já Dilma Rousseff não coube no seu figurino neo-verde.
Dilma não é desse mundo. Ela é, desde o começo do governo Lula, a principal responsável pelo modelo elétrico, pelas decisões na área que monitora, mesmo depois de sair de lá. Acredita nas grandes hidrelétricas no meio da Amazônia, quer construir rodovias, aposta na “indução do desenvolvimento na expansão das fronteiras agrícolas e minerais”, palavras ditas no lançamento do PAC. Não há transposição sustentável que faça dela uma defensora do meio ambiente e da floresta.
Mas há uma conclusão boa diante do malabarismo verde de ontem: um grupo político que quer se manter no poder só faz isso se acredita que é importante, dá voto, e faz parte dos novos valores da sociedade brasileira. Ela vem mudando nos últimos tempos. Isso é mais interessante do que a versão montada ontem pelo marketing do governo.
O desmatamento cresceu muito no começo do primeiro governo Lula e chegou a 27 mil km em 2004. Em fevereiro de 2005, morreu a irmã Dorothy. Os números e a tragédia deram força à ministra Marina Silva dentro do governo. Ela então anunciou o Plano Nacional de Combate ao Desmatamento, junto com o então chefe da Casa Civil, José Dirceu. A primeira frente de batalha foi a criação de áreas protegidas, unidades de conservação. Outros estados seguiram na mesma linha: Pará, Amazonas, Amapá, Acre. O total de áreas protegidas subiu de 30% para 41% até 2007. De lá para cá, aumentou apenas para 42%. Operações policiais se intensificaram. Um dos resultados foi a operação Curupira, no Mato Grosso.
As ONGs aumentaram a pressão contra as grandes empresas que induziam o desmatamento. Assim, nasceu a moratória da soja, em que as grandes traders se comprometeram a não comprar soja de área recentemente desmatada.
O desmatamento caiu nos anos seguintes. Em 2007, logo que voltou de Bali, a ex-ministra confirmou o que se temia: o desmatamento voltara a crescer. Ela anunciou então uma nova série de medidas. Beto Veríssimo do Imazon, lembra:
— Foi cortado o crédito de quem desmatava e a lei de crimes ambientais embargou as fazendas infratoras. Os nomes destas fazendas foram divulgados na internet. A lei estabeleceu que quem comprasse delas responderia pelo crime. Além disso, o governo fez uma lista de 36 municípios que mais desmatavam e montou a operação Arco de Fogo, da Polícia Federal e do Ibama, para fechar madeireiras e fornos ilegais.
Acompanhei uma dessas $ções, em abril de 2008, em Paragominas. Conversei na época com o prefeito Adnan Demachki, que falou ontem no evento do governo. O ministro Minc contou ontem que houve um atentado em Paragominas contra a sede do Ibama, e a partir daí, graças a atuação do seu ministério e a decisão acertada do prefeito, que ficou contra os produtores de carvão ilegal, o desmatamento caiu.
O ministro errou na ordem dos fatos históricos. O ataque à sede do Ibama foi em novembro do ano passado. Mas quando eu fui em abril de 2008, o prefeito já tinha assinado desde março um pacto com os principais produtores da cidade pelo desmatamento zero. E o fez com a ajuda do Imazon. Tudo anterior até a nomeação de Minc, que só aconteceu em maio do ano passado. Paragominas é um bom exemplo de como as coisas funcionam: os produtores se sentiram pressionados porque seus clientes queriam garantia de produtos livres de desmatamento.
Esse tipo de pressão aos produtores faz parte de um processo interessante. Com a divulgação dos nomes das fazendas que desmatavam ilegalmente, um grupo de ONGs, liderado pelo Greenpeace, fez um levantamento de quem estava comprando desses produtores. Esse estudo chegou aos grandes supermercados, que decidiram boicotar a carne de frigoríficos que compravam dessas fazendas.
— Mas claro que tudo isso mostra que os empresários estão mudando. E se eles estão mudando, é porque o mercado e a sociedade estão mudando — diz Veríssimo.
No palanque do desmatamento, a versão foi que tudo aconteceu por obra do governo, a partir da chegada do ministro Minc, e graças ao trabalho da ministra Dilma e ao programa Arco Verde. A propósito, também lançado por Marina.
— O Arco Verde, na verdade, tem sido apenas um mutirão de entrega de documentos pessoais ou legalização de propriedade de pequenos proprietários. Não está havendo a outra parte: o desenvolvimento de cadeias produtivas — explica Veríssimo.
Na história contada no palanque, houve muitas imprecisões e meias verdades. Mas o pior foi sumir com um personagem desse próprio governo. A senadora Marina Silva está na origem de políticas que deram certo. É de justiça que se diga isso. A maneira como o governo contou os fatos lembrava “1984”, de George Orwell, em que os poderosos reescreviam a história passada para eliminar o personagem que caíra em desgraça.
Comentários Recentes