DA EXPERIÊNCIA
MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)
Venho atender a curiosidade dos mais jovens, sobre as memórias que trouxe no artigo “Estupidez”, lembrando o tempo antigo, o “meu” tempo, muito diferente do que convivo atualmente.
As doces (e também amargas) lembranças de quando o futuro parecia traçado mesmo com obstáculos casuais, transmito sempre a quem interessar possa…. Até considero uma obrigação fazê-lo para as gerações posteriores.
Filosofando, vejo que o olhar para o passado começa a partir das palavras; da sinonímia defasada entre “juventude” e “mocidade” que divide gerações. Castro Alves falou de “Mocidade”; três gerações após falava-se de “Juventude”. Rui Barbosa nos legou a bela “Oração aos Moços” e mais tarde, contra a guerra que nos ameaçava, adolescentes cantávamos: – “Jovens do vasto mundo/ Nós cantamos o Hino da Paz…”
Entretanto, para relembrar o passado é preciso trazer a Experiência, o armazenamento mental de coisas, fatos e pessoas, como escreveu Bertrand Russel: – “A memória que prolonga a nossa personalidade, recuando-a no tempo, é a memória da nossa experiência”.
“Experiência” como verbete dicionarizado é um substantivo feminino vindo do latim, “experientia“, derivada do verbo “experiri“, que significa “testar, experimentar”. São muitos os seus conceitos, tal como bagagem, competência, ensaio, prática, prova, significados, traquejo, vivência.
O “eu” e as suas sensações para atos e fatos concretos, não é mera conjectura e impressão, mas a conservação de informações sobre os acontecimentos; mas, por falta de um aprendizado técnico ou do mimetismo natural para gravar o cotidiano, nem todos possuem a mestria do lembrar-o-que-ocorreu.
Os cérebros de todas as pessoas são dotados igualmente de alegrias e tristezas, aversões e desejos, dores e prazeres, mas a maioria destes sentimentos se manifestam despreocupadamente. Tais acontecimentos acumulam tudo o que a formação biológica pressupõe no sistema espaço-tempo.
Muitos carregam tais lembranças na mente pensante; mas, para não “academizar”, – olha o neologismo aí, @profeborto – vejo a necessidade e a obrigação de quem as viveu, transmiti-las a quem deseje ouvi-las.
A História da Humanidade registra que nas sociedades primitivas sem escrita, havia pessoas que transmitiam de memória às crianças mitos, genealogias e tradições pela oralidade. Eram os “contadores de histórias” que exerciam um papel fundamental na preservação da memória coletiva.
Nas primeiras civilizações mesopotâmias e egípcia surgiu a escrita, e o saber ancestral passou a ser registrado em argila, pedra e pergaminho e, pela experiência adquirida, os relatos foram aprimorados, como temos na Epopeia de Gilgamesh e mais tarde, na Ilíada. Assim, os “cantadores” foram substituídos mais refinadamente pelos escribas e poetas.
Da Grécia Antiga, herdamos a História do século 5 até o século 4, de Heródoto, Tucídides, Posidônio, Políbio e Zózimo. Estudos e pesquisas revelam cerca de 856 historiadores gregos, incluídos os mitógrafos e cronistas.
As epopeias cederam lugar à História, numa transição que marca o nascimento da literatura. Passou-se a refinar a linguagem, criar personagens e refletir sobre o mundo, transformando antigas tradições orais em arte escrita. Conservou-se um rico acervo literário de contistas e fabulistas ocidentais e orientais.
Lembramos as alegorias de Esopo cujas fábulas com animais transmitem lições morais, e na Idade Moderna, La Fontaine, que adaptou esse legado à França do seu tempo. Da Índia nos chega o “Panchatantra“, coletânea de histórias de Vishnu Sharma, com forte teor pedagógico; e, na China, a adaptação da tradição oral nos “contos de sabedoria” de Zhuangzi.
Esta herança viva da literatura atende a curiosidade das novas gerações. Torna-se uma ligação temporal do presente com o passado, incorporada pela experiência reforçada pela memória e retocada pelo estilo.
Assim, mais do que palavras jogadas fora em mesa do bar nos tempos da brilhantina, no fim do trabalho ou após um filme avant garde, na madrugada, será preferível ir aos clássicos e neles encontrar lições como a que nos deixou Eleanor Roosevelt: “Se alguém trai você uma vez, a culpa é dele. Se trai duas vezes, a culpa é sua”.
Na filosofia cantada, que vem sendo lembrada no seriado que a Globoplay traz sobre Raul Seixas (embora fraca como biografia e rica de colagens repetitivas) também nos leva à experiência de enfrentar cantando o Sistema…
Muito me alegraria se a experiência conscientizasse que os jovens curiosos decidissem lutar contra a traição costumeira de Jair e Lula, e zumbizassem como a mosca de Raul na sopa desses fantoches do Sistema.
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