Míriam Leitão comenta
Sem rumo
A ministra Dilma Rousseff é contra o Brasil levar metas para Copenhague porque o número tem que ser “credível”. Custa a crer que o Brasil queira chegar de costas a Copenhague. O país só tem a ganhar tendo objetivos ousados na reunião do clima, porque cada medida pensada traz ganhos econômicos para nós. Além disso, assumiríamos um papel de liderança que merecemos ter.
A divisão que paralisa o governo é provocada por uma visão distorcida do tema. Na reunião de terça-feira entre Lula, ministros e técnicos dos ministérios, os participantes levaram números pedidos pelo presidente. Lula queria saber quanto custaria cada política imaginada para o esforço de cada área na redução dos gases de efeito estufa.
O Ministério da Ciência e Tecnologia tem a ideia de que para aumentar a sua contribuição precisaria de mais investimentos em satélites. Assim, ajudaria de forma mais eficiente o monitoramento do desmatamento. Gostaria de pôr em prática propostas que nasceram na Academia Brasileira de Ciências, de maior integração entre pesquisa e cadeia produtiva. Desta forma, seriam criados centros produtivos em cidades médias da Amazônia, explorando produtos desenvolvidos por pesquisa em biotecnologia. Seriam clusters (pólos produtivos) que ofereceriam emprego, atividade econômica derivada da floresta, mas sem destruí-la. Isso exigiria investimentos de R$ 1 bilhão por ano.
A Agricultura poderia contribuir com uma redução substancial nas emissões dos gases de efeito estufa com medidas que só melhorariam nossa produtividade. Os projetos são a integração lavoura-pecuária, que permitiria um uso de área menor de terra para produção; incentivo ao plantio direto, que não revolve a terra, e por isso reduz emissões; recuperação de área degradada; fim da queima da cana-de-açúcar. Os números não estão fechados, mas um dado aproximado era de que isso exigiria R$ 5 bilhões de investimento anual.
O Ministério do Desenvolvimento teria muito a fazer criando normas de produção mais sustentável como, por exemplo, o aço verde, ou seja, uma produção siderúrgica que só use carvão vegetal de área de plantio. Se não for assim, o aço brasileiro pode ser barrado no mercado internacional. É por isso que o antigo Instituto Brasileiro de Siderurgia mudou o nome para Aço Brasil. Ele quer se diferenciar dos produtores de ferro gusa que ainda usam madeira de desmatamento.
O Ministério da Energia deveria olhar o pesado investimento que a China está fazendo em energia eólica e solar (fotovoltaica) e concluir que o melhor é abandonar projetos de termelétricas a carvão e a óleo combustível. Se a oferta futura de energia for de fontes renováveis, e não fósseis, o Brasil consolida a imagem de país de matriz energética mais limpa do que a de outros países.
Essas são algumas das medidas que se forem assumidas farão com que o Brasil apresente uma proposta mais ousada para Copenhague e se credencie para mecanismos de financiamento da nossa transição. Mas caminha-se para não ter meta alguma e para se limitar a prometer o já prometido: a redução do desmatamento em 80%. Como já expliquei neste espaço, é 80% a partir de 19 mil km de desmatamento por ano. Parte da queda já houve. Tendo como meta 80% até 2020, isso é o mesmo que ter uma cota anual de destruição de quase quatro mil km de florestas por ano. E na Amazônia quase todo desmatamento é ilegal. O compromisso com o desmatamento ilegal zero é lutar para que a lei seja cumprida. Isso não pode ser ruim para o Brasil. Pelo contrário.
O que paralisa o governo é a opinião da ministra Dilma Rousseff, do ministro Celso Amorim, e de outros, de que, como o Brasil não é obrigado a ter metas, por não ser do anexo 1 do Protocolo de Kioto — onde estão os países de industrialização mais antiga —, é melhor não se comprometer com coisa alguma em Copenhague. É um erro. Primeiro, porque combater o desmatamento ilegal, investir em biotecnologia, ter novas fontes de energia, aumentar a produtividade da agricultura, ter uma logística mais eficiente, não queimar floresta em alto-forno de siderúrgica, aumentar a eficiência energética, acabar com queimadas da cana são medidas de bom governo e não concessões ao mundo. São avanços para nós e, como consequência, aumentam nossa contribuição para a tarefa global de lutar contra o aquecimento. Favorece o Brasil primeiro, depois o mundo.
Segundo, porque o Brasil está no time que decide. Na Rio-92 éramos um país com inflação descontrolada, dívida externa alta, presidente sob risco de impeachment, e mesmo assim conseguimos ter uma posição de liderança na convenção do clima. Hoje, o Brasil é um dos grandes, tem economia sólida, respeito internacional. Não deve se apequenar aproveitando as brechas para nada fazer em Copenhague. Brechas dadas por um protocolo que pode morrer em 2012. O Brasil pode liderar a construção do futuro.
Não é crível que o Brasil se perca nos atalhos, nas miudezas, nas mesquinharias, em vez de embarcar para Copenhague com a estatura que merece ter, com metas voluntárias, mas ousadas e que possam ser medidas e cobradas de nós. Não porque o mundo nos impõe isso, mas porque isso é o sensato a fazer. Por nós, nossos filhos e netos.
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