DO DILÚVIO
MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)
Obrigo-me a responder a uma meia dúzia de três ou quatro tuiteiros que criticaram o meu último artigo postado no “X”, “DA VIDA”, desconsiderando a reflexão de que o Velho Testamento é fabulário, como as Mil e Uma Noites persas….
Deixaram-me triste apenas por insinuarem preconceito contra a religião, sem ter compreendido meu apoio à magistral concepção de Spinoza de que Deus é causa imanente, e não transitiva, de todas as coisas; e foi além, dizendo que – “É preciso conhecer a natureza, o máximo que pudermos, se quisermos conhecer Deus”.
Chega bem perto do Budismo, não é? Não há de minha parte nenhum ateísmo, mesmo criticando o Deus bíblico de semelhança humana, que quer ser louvado sempre para intervir e atender a necessidades pessoais.
Das fantasias que o dogmatismo religioso antigo impôs aos povos semitas e, consequentemente, aos seguidores do cristianismo, encontro a fictícia historieta da salvação humana por Noé, quando ocorreu o dilúvio. Quem tem cérebro para pensar não pode acreditar nisto.
Que houve um dilúvio, houve, mas limitado ao Mediterrâneo, que era um grande vale até o rompimento das águas do Atlântico. Os seres humanos ali se fixaram na Era Neolítica, e, segundo hipótese levantada por W. B. Wrigth, médico escocês, estudioso das eras glaciais, foi possivelmente ali que floresceram as primeiras bases da civilização.
Estudos geológicos mostram que a inundação do Vale do Mediterrâneo ocorreu entre 15 mil e 10 mil anos a.C e foi um extraordinário acontecimento da pré-história da humanidade.
Quando as águas do Atlântico rasgaram violentamente o istmo que ligava a África à Europa – hoje o Estreito de Gibraltar -, dia após dia as águas salgadas se espalharam inundando os campos e as habitações, impelindo um grande êxodo das pessoas que ali viviam.
As águas desconhecem obstáculos; correram aceleradamente surpreendendo muitas cidades, arrastando tudo que encontrava pela frente chegando às barreiras holocênicas da África e às montanhas da Arábia.
Foi desta imensa catástrofe, no dizer de H. G. Wells, que surgiu a narrativa do drama do dilúvio. Está na origem da religião babilônica com seus primeiros deuses nascendo do caos criado por um dragão que foi combatido pela Mãe Universal, Tiamat, (a água salgada do mar).
O marido da deusa, Marduk, para ajudá-la enfrentou o dragão e, ajudado pelo vento, o raio e o trovão, venceu-o cortando-lhe em dois pedaços, um deles constituindo o firmamento e a outra, Terra.
Com este cenário, a cosmogonia babilônica narra a história de um dilúvio e fantasiando-a fala da salvação dos seres humanos numa arca. A História das Religiões registra a influência da Babilônia sobre os povos semitas e, provavelmente esteve presente nos primeiros livros escritos pelos judeus em época mais tardia.
O mito do dilúvio é uma narrativa da grande inundação mediterrânea com o seu assentamento bíblico escrito em aramaico no Tanakh, chegando-nos através dos capítulos 6 a 9 do Livro de Gênesis no Antigo Testamento. A história conta que Deus decidiu retornar a Terra para o seu estado do caos aquoso, para refazê-la depois com uma reversão da criação.
Está escrito que o dilúvio durou 40 dias, um castigo para a humanidade, que se encontrava cheia de violência (Gn 7:17-24). As suas águas afogaram todos os humanos e animais, exceto aqueles que se refugiaram na arca de Noé, filho de Lamec e neto de Matusalém. Após seu feito, Noé, ao completar 500 anos gerou Sem, Cam e Jafé (Gn 5,25-32).
Somos os descendentes da humanidade sobrevivente, mergulhados num novo Dilúvio – o da iniquidade –, por culpa de governantes mundiais desqualificados, fomentadores de guerras. No Brasil restou o pântano imundo da polarização entre os populismos corruptos, auto-assumidos “de direita” e “de esquerda” …
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