Poesias
Ezra Pound
ALBA
Enquanto o rouxinol à sua amante
Gorjeia a noite inteira e o dia entrante
Com meu amor observo arfante
Cada flor,
Cada odor,
Até que o vigilante lá da torre
Grite:
……“Levanta patife, sus!
…………Vê, já reluz
………………A luz
………………Depressa, corre,
………………Que a noite morre…”
Tradução: José Lino Grünewald
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Konstantínos Kaváfis
À ESPERA DOS BÁRBAROS
O que esperamos nós em multidão no Fórum?
Os Bárbaros, que chegam hoje.
Dentro do Senado, porque tanta inação?
Se não estão legislando, que fazem lá dentro os senadores?
É que os Bárbaros chegam hoje.
Que leis haveriam de fazer agora os senadores?
Os Bárbaros, quando vierem, ditarão as leis.
Porque é que o Imperador se levantou de manhã cedo?
E às portas da cidade está sentado,
no seu trono, com toda a pompa, de coroa na cabeça?
Porque os Bárbaros chegam hoje.
E o Imperador está à espera do seu Chefe
para recebê-lo. E até já preparou
um discurso de boas-vindas, em que pôs,
dirigidos a ele, toda a casta de títulos.
E porque saíram os dois Cônsules, e os Pretores,
hoje, de toga vermelha, as suas togas bordadas?
E porque levavam braceletes, e tantas ametistas,
e os dedos cheios de anéis de esmeraldas magníficas?
E porque levavam hoje os preciosos bastões,
com pegas de prata e as pontas de ouro em filigrana?
Porque os Bárbaros chegam hoje,
e coisas dessas maravilham os Bárbaros.
E porque não vieram hoje aqui, como é costume, os oradores
para discursar, para dizer o que eles sabem dizer?
Porque os Bárbaros é hoje que aparecem,
e aborrecem-se com eloquências e retóricas.
Porque, sùbitamente, começa um mal-estar,
e esta confusão? Como os rostos se tornaram sérios!
E porque se esvaziam tão depressa as ruas e as praças,
e todos voltam para casa tão apreensivos?
Porque a noite caiu e os Bárbaros não vieram.
E umas pessoas que chegaram da fronteira
dizem que não há lá sinal de Bárbaros.
E agora, que vai ser de nós sem os Bárbaros?
Essa gente era uma espécie de solução.
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T. S. Elliot
Os homens ocos
Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada
Fôrma sem forma, sombra sem cor
Força paralisada, gesto sem vigor;
Aqueles que atravessaram
De olhos retos, para o outro reino da morte
Nos recordam – se o fazem – não como violentas
Almas danadas, mas apenas
Como os homens ocos
Os homens empalhados.
Tradução: Ivan Junqueira
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Carlos Drummond de Andrade
QUADRILHA
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili,
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
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Fernando Pessoa
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
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Vinícius de Moraes
SONETO DO CAFÉ LAMAS
No Largo do Machado a pedida era o “Lamas”
Para uma boa média e uma “canoa” torrada
E onde a noite cumpria ir tomar umas Brahmas
E apanhar uma zinha ou entrar numa porrada.
Bebendo, na tenção de putas e madamas
Batidas de limão até de madrugada
Difícil era prever se o epílogo das tramas
Seria algum michê ou alguma garrafada.
E em meio a cafetões concertando tramóias
Estudantes de porre e mulatas bonitas
Sem saber se ir dormir ou ir na Lili das Jóias
Ordenar, a cavalo, um bom filé com fritas
E ao romper da manhã, não tendo mais aonde
Morrer de solidão no reboque de um bonde.
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Vinícius de Moraes
POÉTICA (l)
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
—Meu tempo é quando.
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Augusto dos Anjos
SOLILÓQUIO DE UM VISIONÁRIO
Para desvirginar o labirinto
Do velho e metafísico Mistério,
Comi meus olhos crus no cemitério,
Numa antropofagia de faminto!
A digestão desse manjar funéreo
Tornado sangue transformou-me o instinto
De humanas impressões visuais que eu sinto,
Nas divinas visões do íncola etéreo!
Vestido de hidrogênio incandescente,
Vaguei um século, improficuamente,
Pelas monotonias siderais…
Subi talvez às máximas alturas,
Mas, se hoje volto assim, com a alma às escuras,
É necessário que inda eu suba mais!
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JORGE LUIS BORGES
SONETO DO VINHO
Em que reino, em que século, sob que silenciosa
Conjunção astrológica, em que secreto dia
Que não salvou o mármore, surgiu a valorosa
E singular idéia de inventar a alegria?
Foi com outonos de ouro que a inventaram. O vinho
Vai fluindo vermelho, banhando as gerações
Como o rio do tempo, e em seu árduo caminho
Dá-nos a sua música, o seu fogo e os seus leões.
Quer na noite do júbilo, quer na jornada adversa,
Ele exalta a alegria ou suaviza o espanto
E o ditirambo novo que este dia lhe canto
Igualmente o cantaram outrora o árabe e o persa.
Ó vinho, ensina-me a arte de ver a própria história
Como se esta já fosse em cinzas na memória.
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José Saramago
Poema à boca fechada
Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.
Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.
Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.
Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.
Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.
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