Artigo

DO CÉREBRO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

A história do cérebro humano mostra que este órgão é gradualmente maior em relação ao tamanho do corpo após a evolução dos primatas para os hominídeos e, finalmente, para o que nós somos hoje.

O caminho percorrido desde anteriores dois milhões de anos, progrediu a partir do Homo Erectus, descoberto por Eugène Dubois em Java, na Indonésia, entre 1891 e 1892. Foi classificada como uma espécie asiática, embora tenham sido encontrados fósseis similares na África.

O Homo Erectus já caminhava de forma ereta (daí o nome erectus); vivia em pequenos grupos familiares, usava ferramentas de pedra na caça e na coleta, e, provavelmente, dominou o fogo.

Progredindo na linha do tempo, esses ancestrais humanos tinham a capacidade de se comunicar, pois seu cérebro já funcionava comparável à dos humanos modernos; e as pesquisas científicas mostram o cérebro como o centro de controle do corpo, processando informações pelos sentidos, audição, olfato, paladar, tato e visão.

Como verbete dicionarizado, “Cérebro” é um substantivo masculino de etimologia latina “cerĕbru-idem”, órgão anatômico situado na parte anterior e superior do encéfalo, que assume as funções psíquicas, nervosas e a atividade intelectual.

O cérebro é composto por dois hemisférios (esquerdo e direito) e cinco lobos cerebrais, ficando protegido pelo crânio, suspenso no líquido cefalorraquidiano e isolado da corrente sanguínea pela barreira hematoencefálica.

Atribui-se ao cérebro a responsabilidade pela atividade natural e especial das emoções, da inteligência, comportamento, linguagem, memória, raciocínio e razão; recebe informações dos sentidos e as processa.

Com esta estrutura, o órgão é consequentemente responsável por transmitir os sinais de dor por todo o corpo, mas, em si, não sente dor, limitando-se a satisfazer movimentos corporais e dar pasto aos processos psíquicos que resultam na consciência individual.

É a consciência que leva a pessoa centrar-se na realidade em que vive, e escolher entre servidão ao pensamento dominante ou libertar-se das ilusões e superstições para alcançar a felicidade individual, como pregou Buda.

Como conceito filosófico, a consciência é uma qualidade psíquica, fundamento e modelo de todo o conhecimento, segundo Descartes e o seu truísmo: “penso, logo existo”.

Neste campo da mente e do pensamento humano, o Cérebro é fonte de estudos desde 1882, quando Freud, recém-formado, estudou no Hospital Geral de Viena com Theodor Meynert na clínica psiquiátrica; e, mais tarde, em 1885, com o médico francês Charcot, no Hospital Salpêtrière (Paris, França).

Então surgiu a Psicanálise como método científico descobrindo que os processos psíquicos passam e ficam arquivados de modo inconsciente e assim a Psicologia penetrou na “mitologia do cérebro”, revolvendo a vida psíquica através da análise deste mecanismo.

Todos estamos protagonizando as condições gerais da consciência, por isto, não foi por acaso que Freud escreveu que a humanidade, em todo o seu conjunto, era paciente sua. E como pacientes, deitados no divã da curiosidade, estamos nós, conscientes, não integrando a base da massa predisposta ideologicamente à servidão política do culto às personalidades.

Produtos das relações sociais e das suas contradições, somos realmente conscientes das nossas aspirações, coerentemente defensores da liberdade, comportando-nos condizente com a luta contra o oportunismo político e o obscurantismo religioso.

São execráveis a direita reacionária bolsonarista e a enfermiça esquerda lulista, ambas assumindo a ideologia distorcida do populismo.

DOS LIVROS(2)

MIRANDA SÁ (Email: mirandsa@uol.com.br)

Não se pode falar de livros sem dar uma volta ao passado e lembrar a Biblioteca de Alexandria fundada no Império Macedônico. Conforme historiadores, foi uma iniciativa do “faraó” Ptolomeu 1º (366 a.C. – 283 a.C.), sucessor de Alexandre no governo egípcio e fundador da dinastia ptolomaica do Egito.

A Biblioteca fez parte de um extraordinário complexo cultural ao lado do primeiro museu da História (assim chamado em homenagem às Musas), um observatório astronômico e um jardim zoológico. Esse conjunto arquitetônico tornou Alexandria o centro intelectual de sua época, atraindo gente de todo mundo civilizado.

A universalidade cultural deu lugar a fervilhantes debates de caráter filosófico, político e religioso, num raro momento histórico de liberdade do pensamento. Talvez em razão disto, após servir por quase 600 anos, foi destruída entre os anos 250 a 270.

Segundo estudiosos da cultura helênica disseminada mundo afora, o incêndio maligno teria sido provocado por uma guerra ou pela intolerância religiosa, com diferentes versões sobre a responsabilidade do fato.

Uma das opiniões credita a Júlio César a destruição após o fim do triunvirato romano. Para impedir o confronto marítimo com Pompeu, teria incendiado os navios aportados em Alexandria, e o incêndio se estendeu alastrando-se até à Biblioteca.

Outra variante, mais forte do que esta, aponta como incendiário Anre ibne Alas, o sunita conquistador do Egito. Registra-se que ele teria seguido instruções do califa Omar que o orientou argumentando que “se os livros estiverem de acordo com o Alcorão, não precisamos deles; e se eles se opõem ao Alcorão, destrua-os”.

Bernard Lewis, autor do livro “O que deu errado no Oriente Médio” diz que a história é falsa e foi reforçada na Idade Média por Saladino, quando se tornou sultão do Egito; e, como chefe militar, enfrentou cruzados europeus no Levante.

Lewis subscreve que Saladino decidiu acabar com a coleção de textos ismaelitas heréticos do Califado Fatímida no Cairo, e alardeou a intervenção de Omar no caso da Biblioteca para dar aparência legal às suas medidas destrutivas.

Ambas interpretações são duvidosas porque as datas não correspondem ao calendário apresentado. Também provoca incredibilidade responsabilizar o cristianismo imperial romano afirmando quando o imperador romano Caracala incentivou o saque da cidade de Alexandria pelo seu exército, a Biblioteca teria sido invadida e incendiada por cristãos fanáticos que destruíram os livros que não estavam de acordo com sua fé.

Com relação aos livros, considera-se que mais importante para o mundo é a herança deixada pela Biblioteca de Alexandria, registrada na História da Humanidade como a primeira universidade do mundo; um modelo seguido até os dias atuais.

Verifica-se tristemente que a queima de livros ocorrida no Mundo Antigo com milhares de papiros e outras formas de transmitir informações científicas, históricas, filosóficas e religiosas, foi aproveitada pelos nazistas…….

Joseph Goebbels, ministro nazista da Propaganda, para alinhar as artes e a cultura alemãs com os objetivos nazistas, determinou em 1933 à Gestapo levar professores universitários, reitores e estudantes a participar da – “Bücherverbrennung” – Queima de Livros, e levar à fogueira obras de Bertolt Brecht, Erich Maria Remarque, Ernest Hemingway, Heinrich Heine, Henrik Ibsen, Karl Marx, Sigmund Freud, Stefan Zweig e Thomas Mann, entre outros que não lembro.

O Tribunal de Nuremberg condenou o fato a pedido dos promotores franceses e soviéticos, mas negou a prisão dos responsáveis pelo assassinato da Cultura…

Talvez por falta desta punição, vê-se tristemente nesses inícios do século 21 pessoas que desejam imitar os nazistas proibindo livros, punindo autores e imprimir a censura! Esses zumbis fascistóides não dão valor ao legado da Antiguidade que a Biblioteca de Alexandria nos deixou.

Para defender verdadeiramente a Democracia, seus auto-assumidos guardiães do STF não os condena, relativizando os ataques à literatura que assistimos. Deveriam conhecer o pensamento do escritor, dramaturgo e poeta Oscar Wilde que gravou: “Não existem livros morais ou imorais. Os livros são bem ou mal escritos”

DOS FASCISMOS

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Antes de mais nada é preciso esclarecer que o fascismo não tem nada a ver com as “direita” e “esquerda”, posições políticas definidas e consagradas historicamente pela Revolução Francesa.

O fascismo, como sistema de governo, apareceu no século passado entre o stalinismo soviético e o mussolinismo italiano; na URSS pelo autoritarismo stalinista e, na Itália, pela proposta de Mussolini de um socialismo nacional.

Na Rússia czarista os bolcheviques fizeram a “revolução progressista” e na Itália o “Risorgimento” propôs a “revolução conservadora”; ambos críticos do capitalismo que explorava a industrialização atrasada dos seus países, e mantendo certa diferença com relação aos proprietários rurais.

As duas “revoluções” conquistando o poder, sofreram inicialmente a incapacidade de conciliar a proposta teórica com a realidade. Na URSS, decretou-se a extinção da propriedade privada e os proprietários (kulacs) foram obrigados a deixar suas terras que passaram a pertencer ao Estado. Sofreram o diabo.

Na Itália, Mussolini formou uma aliança com os grandes proprietários feudais do Sul, o que lhe permitiu realizar a venda dos bens rurais da Igreja Católica, o quê, na prática política transpareceu a semelhança programática do Partido Fascista e dos Socialistas Revolucionários na Rússia.

Finda a Primeira Grande Guerra (1914-1918) a Revolução Bolchevique despertou esperanças para os trabalhadores do mundo inteiro; esperanças que foram desfeitas com a morte de Lênin, e a implantação da “ditadura do proletariado”, eufemismo para substituir a participação pessoal de Stálin.

Isto decepcionou a intelectualidade revolucionária e repercutiu entre os partidos socialistas do mundo inteiro. Na Itália o PSI rachou, levando à formação do Partido Comunista obediente a Stálin.

Assim, enquanto socialistas e comunistas digladiavam, os italianos foram atraídos pela proposta da “Unione Socialista Italiana”, com a proposta de um “socialismo nacional”, substituindo o conceito da luta de classes pelo conceito de pátria-nação. Criou-se desta maneira uma relação com a dissidência socialista da Unione Italiana del Lavoro.

Este revisionismo era divulgado pelo jornal do Partido Socialista Italiano, o “Avanti”, defendido por Benito Mussolini, jornalista e agitador, que defendeu a formação de uma “santa vingança popular”, como vimos n’ “As origens do Fascismo”, livro de Robert Paris.

O PSI expulsou Mussolini do jornal; então, ele fundou o “Popolo d’Itália” que chamou de “o diário dos combatentes e dos produtores”; dali passou a patrocinar uma posição “antipartido”, com o quê recebeu milhares de adesões.

Contando com o apoio de antigos sindicalistas revolucionários, Mussolini propôs uma medida extrema, reconhecendo a “capacidade do proletariado em dirigir diretamente a fábrica”; e, após a formação de conselhos de trabalhadores, iniciou uma campanha entre amigos e simpatizantes para formar os “fasci di combattimento”, semente do Partido Nacional Fascista.

Na URSS, Josef Stálin assumiu o comando geral do partido e do governo na URSS, eliminando seus adversários através de processos fraudulentos, levando o ex-ministro da defesa de Lênin, León Trotsky, a fugir para o exílio, denunciando pelo livro “A Revolução Traída” a instalação de um governo atrabiliário, policialesco, totalitário e violento.

O desvio da revolução leninista serviu de lição para Mussolini já ocupando em 1922 o governo italiano, ocupado após a marcha dos “camisas negras” sobre Roma, o que determinou o fim da “monarquia constitucional” e do liberalismo econômico.

Iguais aos stalinistas, os fascistas aparelharam o Congresso, a Justiça, o Exército e a Polícia, controlando todas as instituições do Estado, e se apoiaram na burocracia partidária e policial sob o pretexto de acabar com os antagonismos sociais; e, como ocorreu na URSS, também eliminaram os seus oponentes.

Desta memória histórica vemos que as duas posições foram apenas ditatoriais e não “direitistas” ou “esquerdistas”; ambos são fascistas com a mesma ideologia autocrática inseparável dos ditadores.

Encontramos similitudes no Brasil com os exemplos que descrevemos, tendo de um lado, os fascistas de Bolsonaro, reacionários que defendem torturadores e, do outro lado, os fascistas de Lula, populistas alinhados com as teocracias do Oriente Médio, ditaduras africanas e defensores do ditador Maduro.

Fascistas, vermelho e negro, implantaram no país a imunda polarização eleitoral com ajuda da “grande mídia”; e acusam a resistência contra isto de “fascista”. Churchill tinha razão quando profetizou que “os fascistas do futuro chamarão a si mesmos de antifascistas”.

DA ESQUERDA

MIRANDA SÁ (Emil: mirandasa@uol.com.br)

Herança ideológica da Revolução Francesa (1789–1799) atribui-se à Esquerda a posição das bancadas ocupadas pelos convencionais revolucionários, defensores de uma maior igualdade social e das liberdades democráticas. Distinguiam-se dos que se sentavam à direita, saudosistas da monarquia derrubada.

Os principais herdeiros da esquerda histórica foram os anarquistas e os sindicalistas revolucionários, e mais tarde, comunistas, socialistas, sociais democratas e trabalhistas, contrários às desigualdades sociais.

A Esquerda abrangeu também os movimentos sociais, pulverizando-se após a Revolução Russa, e foi do centralismo autoritário stalinista à sua maior falsificação, o populismo eleitoralista.

O termo “esquerda” atualmente, é o invólucro dos partidos populistas, que absorvem com oportunismo as manifestações populares espontâneas, como os movimentos pelos direitos civis, antiguerra, ambientalista, antirracista, anti-homofóbico e em defesa da mulher contra a violência doméstica e a discriminação no mercado do trabalho.

Este sistema que abrange diferentes posições políticas em relação umas às outras, traz o estabelecimento da burocracia partidária do populismo e o extremismo verbalizado – e apenas verbalizado – da “esquerda eleitoralista” – diferenciando a “esquerda” do “esquerdismo”.

A literatura marxista imprimiu o vocabulário leninista, apontando o esquerdismo como o revisionismo que adota um excessivo radicalismo; leva-nos à necessidade de um  estudo político-ideológico para distinguir a esquerda do esquerdismo. Ver, por exemplo, a obra “Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo”, de Lênin.

Uma visão superficial da teoria política sugere que quem leu o livro deveria revisitá-lo, e quem não leu, deveria lê-lo e comparar os seus conceitos com ideias atuais. Assim cotejando, observaremos a economia capitalista, e as especulações filosóficas atuais, fruto dos avanços científicos e tecnológicos.

Encontraremos dessa maneira as experiências das sociais democracias nórdicas e dos fragmentos propagandísticos deixados pela Guerra Fria influenciando os povos subdesenvolvidos. Este contexto nos leva a analisar as realidades nacionais.

As particularidades de cada Nação e de cada povo servirão, sem dúvida, para concluir como fez o economista Roberto Campos que verificando o desvio esquerdista do populismo na América Latina, escreveu: “O que os governos latino-americanos desejam é um capitalismo sem lucros, um socialismo sem disciplina e investimento sem investidores estrangeiros”.

Pela experiência com a conjuntura sócio-política brasileira, poderíamos acrescentar a este pensamento, o arrefecimento da esquerda entre nós, travestindo-a de populismo eleitoralista, deformidade que abandona a despe de princípios princípios, para defender ditaduras e agredir a livre expressão do pensamento; lembrando o que projeta John Henry Newman: “O mal prega a tolerância, até que se torne dominante. A partir daí, ele procura silenciar o bem”.

É por estas e muitas outras razões que defendo o centrismo contra a polarização das auto-assumidas direita e esquerda, apenas facções populistas. Acho preferível ver o embate mundial do capitalismo e do socialismo absolutos, e extrair disto as experiências positivas dos dois sistemas.

Já se encontram em cátedras universitárias mundo afora diversos economistas, filósofos e sociólogos que veem o confucionismo chinês ocupar o lugar do marxismo europeu e conciliar o conflito da polarização econômica mundial adotando um regime multiforme….

Observador que foi a realidade na sua época, Karl Marx possivelmente se estremece no túmulo, tendo acima de si do seu pensamento um mundo novo, cientifica e tecnologicamente diferente do que previu.

DO DILÚVIO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Obrigo-me a responder a uma meia dúzia de três ou quatro tuiteiros que criticaram o meu último artigo postado no “X”, “DA VIDA”, desconsiderando a reflexão de que o Velho Testamento é fabulário, como as Mil e Uma Noites persas….

Deixaram-me triste apenas por insinuarem preconceito contra a religião, sem ter compreendido meu apoio à magistral concepção de Spinoza de que Deus é causa imanente, e não transitiva, de todas as coisas; e foi além, dizendo que – “É preciso conhecer a natureza, o máximo que pudermos, se quisermos conhecer Deus”.

Chega bem perto do Budismo, não é? Não há de minha parte nenhum ateísmo, mesmo criticando o Deus bíblico de semelhança humana, que quer ser louvado sempre para intervir e atender a necessidades pessoais.

Das fantasias que o dogmatismo religioso antigo impôs aos povos semitas e, consequentemente, aos seguidores do cristianismo, encontro a fictícia historieta da salvação humana por Noé, quando ocorreu o dilúvio. Quem tem cérebro para pensar não pode acreditar nisto.

Que houve um dilúvio, houve, mas limitado ao Mediterrâneo, que era um grande vale até o rompimento das águas do Atlântico. Os seres humanos ali se fixaram na Era Neolítica, e, segundo hipótese levantada por W. B. Wrigth, médico escocês, estudioso das eras glaciais, foi possivelmente ali que floresceram as primeiras bases da civilização.

Estudos geológicos mostram que a inundação do Vale do Mediterrâneo ocorreu entre 15 mil e 10 mil anos a.C e foi um extraordinário acontecimento da pré-história da humanidade.

Quando as águas do Atlântico rasgaram violentamente o istmo que ligava a África à Europa – hoje o Estreito de Gibraltar -, dia após dia as águas salgadas se espalharam inundando os campos e as habitações, impelindo um grande êxodo das pessoas que ali viviam.

As águas desconhecem obstáculos; correram aceleradamente surpreendendo muitas cidades, arrastando tudo que encontrava pela frente chegando às barreiras holocênicas da África e às montanhas da Arábia.

Foi desta imensa catástrofe, no dizer de H. G. Wells, que surgiu a narrativa do drama do dilúvio. Está na origem da religião babilônica com seus primeiros deuses nascendo do caos criado por um dragão que foi combatido pela Mãe Universal, Tiamat, (a água salgada do mar).

O marido da deusa, Marduk, para ajudá-la enfrentou o dragão e, ajudado pelo vento, o raio e o trovão, venceu-o cortando-lhe em dois pedaços, um deles constituindo o firmamento e a outra, Terra.

Com este cenário, a cosmogonia babilônica narra a história de um dilúvio e fantasiando-a fala da salvação dos seres humanos numa arca. A História das Religiões registra a influência da Babilônia sobre os povos semitas e, provavelmente esteve presente nos primeiros livros escritos pelos judeus em época mais tardia.

O mito do dilúvio é uma narrativa da grande inundação mediterrânea com o seu assentamento bíblico escrito em aramaico no Tanakh, chegando-nos através dos capítulos 6 a 9 do Livro de Gênesis no Antigo Testamento. A história conta que Deus decidiu retornar a Terra para o seu estado do caos aquoso, para refazê-la depois com uma reversão da criação.

Está escrito que o dilúvio durou 40 dias, um castigo para a humanidade, que se encontrava cheia de violência (Gn 7:17-24). As suas águas afogaram todos os humanos e animais, exceto aqueles que se refugiaram na arca de Noé, filho de Lamec e neto de Matusalém. Após seu feito, Noé, ao completar 500 anos gerou Sem, Cam e Jafé (Gn 5,25-32).

Somos os descendentes da humanidade sobrevivente, mergulhados num novo Dilúvio – o da iniquidade –, por culpa de governantes mundiais desqualificados, fomentadores de guerras. No Brasil restou o pântano imundo da polarização entre os populismos corruptos, auto-assumidos “de direita” e “de esquerda” …

 

DO SAUDOSISMO

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

Chegou um tempo em que a chamada “grande mídia” não divulga, não investiga e ignora como e por quê irrompeu no cenário nacional o insano desejo dos magistrados e dos políticos pela volta ao passado sem Internet e sem as redes sociais.

Constata-se – não se pode esconder – que isto começou com o semideus do STF Olímpico, ministro Alexandre de Moraes, comentando que “antes da Internet a gente era feliz e não sabia”, frase divulgada pelos ‘especialistas’ da GNews, pouco afeitos a criticar o poder constituído.

Este pensamento do Máximo Defensor da Democracia condena explicitamente o direito de opinião, as críticas e as denúncias contra os governantes; e vem inoculado pelo vírus maligno do saudosismo contaminado pela ideologia pelega do lulopetismo.

Fui visitar o verbete “Saudosismo” que estava internado na UTI da Gramática, sem nem sequer ser lembrado pelos poetas simbolistas do século passado, militantes do Movimento Saudosista…

Nos alfarrábios encontramos Saudosismo, substantivo masculino de origem latina “Solitas”, solidão, retiro; originário de “Solus”, sozinho, significando a tendência pessoal de valorizar exageradamente coisas do passado. Em português a palavra define até o conluio de intrigantes ou interesseiros….

E é aí que mora o perigo. Por isto aconselho aos juristas, políticos e religiosos que antes de surfar na onda saudosista, leiam a Bíblia, onde encontrarão no Eclesiastes (7:10 NVT): “Não viva saudoso dos “bons e velhos tempos”; isso não é sábio”.

O Saudosismo criou vida na espetacular película de Woody Allen, “Meia Noite em Paris”, que aborda no cenário espaço-tempo da ficção os sonhos de uma volta ao passado. Já descrevi em outro artigo esta aventura vivida pelo roteirista americano Gil Pender (Owen Wilson) com Adriana (Rachel McAdams), estudante francesa de moda.

Deixando de lado as preliminares novelescas do filme, está no encontro casual dos dois personagens o sonho de uma volta ao passado, levando Gil Pender a viver a década dos anos 1920, convivendo com intelectuais idolatrados por ele, literatas, pintores e músicos.

No clima de realismo fantástico, Pender encontra os seus ídolos literários, Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald e T.S. Eliot, e tem o rascunho do livro que está escrevendo analisado por Gertrude Stein. Assiste ao vivo um recital de Cole Porter ao lado de Pablo Picasso…

A jovem Adriana vive o fascínio da “Belle Époque” conseguiu a oportunidade de ir a 1890 e tomar champanhe no “Moulin Rouge” em companhia de Toulouse Lautrec. À mesa ela é apresentada a Gauguin e Degas, que a encantam, fazendo-a decidir a ficar naquela época. Decepcionado, Gil Pender volta à Paris e ao presente.

A Nostalgia cinematográfica é comparável à literária, conforme li na crônica “Alegria de viver” do escritor ítalo-argentino Pittigrilli, um comentário sobre a revolta de antigos gozadores de privilégios contra os direitos conquistados pelo proletariado. Do garçom, da manicure, motorista e servidores da Saúde e dos empregados domésticos, que exigem tratamento igual ao dos burgueses.

Desenvolvendo com maestria o tema do saudosismo, Pittigrilli fala do chanceler francês Talleyrand que disse: – “Quem não viveu antes de 1789 não sabe o que é ser feliz”; e comenta que antes da Revolução Francesa a vida era mesmo maravilhosa para quem ostentava título de nobreza e mesmo quem possuía um moinho, um forno e um trigal, tendo camponeses para plantar e moer o trigo para si “de graça”.

Lembra o cronista que ainda na França, os que perderam privilégios resmungaram “Não se sabe como éramos felizes antes de 1848!”; esta data registra a Comuna de Paris, implantada pela revolução que ficou conhecida como “Primavera dos Povos”, pois se espalhou pela Europa em nome da liberdade e dos direitos dos trabalhadores.

Que se lembre também que resquícios da nobreza europeia e burgueses ociosos se diziam saudosos dos tempos anteriores à Primeira Guerra (l914-1918) e da Revolução Russa; estágio que os fazia felizes num sistema que lhes permitia viver-se às custas do trabalho alheio…

Agora, no Brasil, sabiam que eram felizes os que gozavam a Liberdade de Expressão, fazendo críticas e denúncias pelas redes sociais contra os políticos corruptos e os mamateiros com boquinhas no alto escalão do Governo Lula. Foram penalizados por isto, sem culpa nem participação no entrevero dos egos de Alexandre Moraes e Elon Musck.

Somos 21,4 milhões de brasileiros privados da rede social “X”, pagando pelo crime de observarmos o cenário dantesco que o poder oferece, no clima descrito pelo Marquês do Lavradio: “Aqui, não há nada que não se venda, de cousas a almas, de gente a favores”.

DO ARBÍTRIO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Líder da concentração de poder monárquico na Europa, o rei Luís XIV instalou o absolutismo na França e, como a vitaliciedade dos semideuses do STF, teve o mais longo reinado da História. De 1643 até à sua morte, m 1715.

Criou a própria alcunha de “Rei Sol”, impondo por maciça propaganda a aceitação popular desta personificação caracterizada pelo absolutismo manifestado numa frase sua que ficou famosa: “O Estado sou Eu”.

Lembremos que nos primórdios da civilização, as pessoas se sentiam na dependência dos deuses, e os sacerdotes eram intermediários entre o divino e o humano, hábito que deixou como herança para os antigos impérios reconhecer os reis como autoridade religiosa e, consequentemente a autoridade política.

Os historiadores concluem disto que a autoridade política dos reis, atribuindo-lhes, no dizer do historiador positivista Fustel de Coulanges no seu livro “A Cidade Antiga”, a condição de rei-sacerdote.

Assim foi estabelecido entre o poder e a sociedade. A civilidade e a filosofia da Grécia antiga assumiram a resistência que, mesmo com visão democrática no século 21, não encontramos no Brasil, sob o arbítrio monocrático da Suprema Corte numa postura que nos leva à Martin Luther King: “Nunca se esqueça que tudo o que Hitler fez na Alemanha era legal para os juízes daquele país”.

A História da Civilização registra que quando se estabeleceu a organização estatal sob a relação autoridade-obediência foi combatida pelo dialeta grego Anaxágoras, propondo que há uma inteligência universal que governa tudo e dá liberdade aos seres humanos para expressarem suas opiniões.

Isto não entra na cabeça de seguidores de uma ideologia distorcida, dos fanáticos cultuadores do culto às personalidades políticas, como assistimos semana passada na CNN, vendo o ministro Alexandre ser aplaudido após defender a censura.

Voltando à resistência contra o totalitarismo, tivemos também os antigos sofistas que travaram uma guerra contra os preconceitos e a obtusidade ultrapassada do poder constituído, pregando o princípio dos direitos cidadãos e de uma justiça mais racional do que submissa ao exclusivismo dos magistrados.

A arte de raciocinar e se manifestar combatendo velhos costume pelo exercício da cidadania atuando independente e livre, deve voltar a ser pensada, discutida e implantada, para garantir o autêntico exercício democrático.

No nosso caso, não devemos ser obrigados a nos submeter aos poderes instituídos se esses fugirem das prerrogativas constitucionais. Recentemente, assistimos a tentativa de nos levar à servidão das decisões particulares de alguns juízes auto-assumidos de uma autoridade que não lhes cabe.

Assim, o atentado praticado contra o “X”, penalizando 21,4 milhões de usuários da rede em consequência de um entrevero personalista e vaidoso do ministro Alexandre Moraes igualado nestes defeitos com o dono da empresa, Elon Musk, é condenável por todos defensores dos direitos humanos, da liberdade de expressão, do ir e vir, e do assumir pessoalmente a crítica e a denúncia sobre os ocupantes do poder.

É com tal opinião que vejo a semelhança do meritíssimo Alexandre – O Poderoso – e Luís XIV, e o contraste entre o rebanho defensor do arbítrio e o pensamento dos autênticos democratas.

A redemocratização saída de uma duradoura ditadura militar adotou princípios e regras essenciais para garantir a Democracia, não a democracia encarnada pela figura de um ou de uma dúzia de indivíduos, mas o regime que atenda ao impulso humano de sair da escravidão política e ideológica imposta pelas ditaduras.

Quebrando os grilhões do mando pessoal, Ulisses Guimarães expressou que a premissa de que “a Pátria não pode se tornar capanga de idiossincrasias pessoais” e um truísmo que deve vigorar: “A Nação quer mudar, a Nação deve mudar, a Nação vai mudar”.

DA VIDA

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Por mais forte que seja a crença numa divindade, creio ser impossível as pessoas normais acreditarem na fábula de Adão e Eva do Velho Testamento, as Mil e Uma Noites do judaísmo. É adotada pela ortodoxia judaica e seguida cegamente pelo cristianismo católico e protestante.

Essa historieta atrapalha qualquer compreensão lúcida, a não ser pregada pelos fariseus hipócritas citando o Gêneses, em que Deus aparece ordenando que se faça o homem à sua imagem e semelhança para que frutifique e multiplique-se, e encha terra, e sujeitando-a.

Também no Gêneses 2,19 encontramos que Adão foi formado por a partir do pó da terra recebendo de Deus o sopro da vida e ganhando também a mulher, Eva, feita da própria costela dele, para ser sua companheira.

O fato de Adão ter sido formado a partir do pó explica o seu nome, que em hebraico ( אָדָ, Āḏām) significa “homem” ou “terra vermelha” e Eva, também em hebraico, (HaVVah), significa “mãe dos sobreviventes”. A gente aprende em criança a história deste curioso casal até a sua expulsão do Jardim do Éden….

A minha louvação à vida vem por outro lado. Tenho informações sobre a sua origem, a partir da poeira e do gás que orbitavam o Sol há 4,5 bilhões de anos, e cm ela se iniciou a Pré-História do planeta Terra, coberta de um oceano de rochas em ebulição e enxofre líquido na chamada Era Hadeana (de hades, inferno).

Desde então, pelos registros fósseis os estudos científicos apontam a existência de organismos vivos a 3,5 bilhões de anos; e, ao consolidar-se a superfície do planeta na Pangeia, viu-se a presença molecular dos termófilos modernos, cuja ramificação na árvore filogenética evidencia o surgimento da vida primitiva na Terra.

Assim, desde a formação do Planeta e a sua evolução, sabe-se que as eras geológicas trouxeram mudanças e eventos desde o surgimento dos processos químicos chamados de “sopa primordial”, composta de átomos de carbono, nitrogênio e oxigênio na forma de metano, amônia e água.

Ao atingir a segunda metade do Período Terciário que se estendeu por 66,4 e -1,6 milhões de anos tivemos, pelas condições naturais, o surgimento dos primeiros pitecantropos, a transição entre o macaco e o homem; e nos finais da Era Cenozoica o período mais recente, o quaternário, que dura até hoje, apareceram os neandertais – o homo habilis, que viveu há 2,4 a 1,5 milhões de anos.

Por fim, com a extinção dos neandertais surgiu na África há cerca de 200 mil anos o Homo Sapiens dando origem da humanidade tal como conhecemos hoje.

Assim caminha historicamente a espécie humana desde o Mundo Antigo, registrando a sua evolução cultural com a escrita dos sumérios, a arquitetura dos egípcios, os números fenícios, a filosofia e a geometria dos gregos antigos, a organização estatal dos romanos, a astronomia dos maias e a medicina dos árabes.

Evoluindo, tivemos o registro das guerras de conquista, a escravidão, a cooptação imperial do cristianismo primitivo, o feudalismo medieval, a Inquisição, a transição das monarquias para as oligarquias, a Revolução Francesa e a Guerra de Independência dos EUA.

Contemporaneamente, entrando no século 21 com todo avanço científico e tecnológico, com a conquista do espaço sideral e com a visão filosófica despida de preconceitos, há quem combata o evolucionismo humano proibindo o ensino do darwinismo em vários países, e diversos estados norte-americanos….

Este obscurantismo religioso sectário vive também no Brasil movido por negacionistas da Ciência; os mesmos que combatem a livre expressão do pensamento e transformam sectários religiosos do atraso, numa força política.

Agora mesmo vemos os populistas corruptos do lulopetismo, que se assumem como “esquerda”, rastejando em templos evangélicos à cata de votos, igualando-se aos corruptos da “direita bolsonarista”, que farejam vantagens com a idiotia ultrapassada das seitas fundamentalistas.

Como fruto da sua genialidade, Einstein disse que “a ciência sem a religião é manca, e a religião sem a ciência é cega”; o Cientista acompanha a clarividência de Spinoza mostrando que “não podemos imaginar Deus; apenas admiti-lo como a ‘Alma do Universo’”.

Na sublime visão do Deus-Natureza de Spinoza encontra-se, com razão, a origem da Vida e de nós humanos.

 

 

DAS PROFISSÕES

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

Quando as hordas primitivas de caçadores e coletores se fixaram à terra plantando e domesticando animais, criaram a necessidade de estabelecerem profissões para servir à coletividade.

Apareceram algumas especializadas, como carregadores, carniceiros, tecelões(lãs), cozinheiros(as), pastores, pedreiros e semeadoras. Quando a evolução dos clãs e tribos atingiram o status de sociedade estruturada sob uma ou mais chefias, surgiram novas atividades definindo outras ocupações; assessores, costureiras, construtores, barbeiros, marceneiros, metalúrgicos, policiais e soldados….

A religião, esteve sempre presente pelo medo à escuridão noturna, dos pesadelos que geravam superstições, a curiosidade e o temor pelos fenômenos climáticos e a observação dos astros.

Com isto, tiveram o seu lugar entre as profissões, intérpretes da fenomenologia, conselheiros, curandeiros, pajés, sacerdotes e xamãs, profissionais da fé impondo-se como intermediadores das divindades reverenciadas com seus fiéis….

Por fim, a Nação e o Estado burocratizados, mantiveram imperadores, reis, ministros, hierarquia judiciária, hierarquia militar e um funcionalismo cortezão estruturado.  No centro de todas movimentações administrativas vieram advogados, escrivães, contadores e os aproveitadores e oportunistas malandros: os políticos.

Hoje, entre todas as atividades estatais e governamentais, temos o político, atuando como um gigolô para seduzir as massas pela oratória, ou apoiando-se no manobrismo partidário para defender interesses grupistas.

Isto a História Mundial registra. O “Político”, como verbete dicionarizado, enquadra-se em duas classes: pode ser substantivo, indiferente de gênero, significando a pessoa pretensamente responsável pela ordem social, representando o povo; e/ou é um adjetivo, indicando ou se referindo ao que diz respeito à política.

Tido e havido como um inócuo alheado da realidade em que viveu, Ronald Reagan desmentindo esta versão, foi genial na sua definição da política: – “É supostamente a segunda profissão mais antiga. Vim a perceber que tem uma semelhança muito grande com a primeira”. (Esta última, como todos sabem, é a prostituição).

No Brasil pode até se obedecer à classificação gramatical, mas quando se trata da cidadania, define-se o político como um indivíduo que goza privilégios incríveis; tornou-se profissional, aposentando-se com regalias; gozando vantagens corporativas, viagens, tudo mantendo um foro privilegiado e estendendo as benesses à família.

Para exercer essa “profissão” não precisa de estudo nem qualquer qualificação; mas não se pode negar que existem políticos por vocação e, quando não se degeneram, distinguem-se da imensa maioria que somente busca obter privilégios.

Aquela definição clássica da “arte de governar” – passa longe dos políticos brasileiros -; não vemos princípios nem ideologia entre eles. São governistas com o objetivo de se locupletar ou são oposicionistas por terem sido derrotados em eleições, perdendo prerrogativas e serventias que os prejudicam nas suas bases eleitorais.

Olhando pelo ângulo da Filosofia Política, vemos a desfiguração da política por culpa dos próprios políticos, e, levando em conta a Ciência Política, assistimos à formação de bolhas desvinculadas da realidade.

Não me lembro que já contei em artigo a curiosa alegoria que cai como uma carapuça na cabeça dos nossos parlamentares, vereadores, deputados e senadores, e agora dos ministros togados do STF que se assumiram como políticos. É a definição de Arthur Balfour, conservador britânico que foi Primeiro-Ministro do Reino Unido de 1902 a 1905; ele era um crítico acerbo dos círculos do poder nos Estados Unidos e fantasiou a formação dos políticos de lá.

Pelo comportamento individualista dos parlamentares ianques, satirizou-os com uma anedota sobre a formação deles no “way of life” vigente em Washington. Criou a ficção de um rico pai americano que preocupado com o futuro do seu primogênito ofereceu-lhe sugestões através de um teste para ajudá-lo a se definir.

Trancou-o no quarto, deixando lá uma Bíblia, uma maçã e um cheque, pensando: ‘se o encontrar lendo a Bíblia, o estimularei a tornar-se pastor; se ele admirar a maçã, lhe darei uma fazenda para que se torne um agricultor; se estiver examinando o cheque farei dele sócio de um banco’.

Ao fim do tempo suficiente para ver o resultado da experiência, o ricaço adentrou no quarto e viu que o rapaz embolsara o cheque e comia a maçã sentado na Bíblia. Então, o fez político.

DOS SERMÕES

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br),

“Dicit ei iesus ego sum Via, Veritas et Vita” (Disse Jesus: ‘eu sou o caminho, a verdade e a vida’). “Assistindo o desenrolar de uma aplicação capenga da Suprema Corte, vejo que o TSE tem realmente o poder de polícia; que as investigações sobre ações criminosas devem encontrar um meio de comprová-las; só não concordo como encobrir o crime de usar a “criatividade” para justificar condenações”. Assim pregaria o padre António Vieira, se vivo fosse.

Sou assíduo leitor dos sermões de Vieira. As suas prédicas enriquecem o nosso conhecimento do idioma castiço e possuem uma impressionante descrição da realidade vivida e projetada por ele para o futuro, como encontramos na sua “História do Futuro”.

Entre as corajosas homilias contra a injustiça, vemo-lo caminhar com o bastão da verdade, defendendo a vida dos indígenas brasileiros escravizados por conquistadores, dos judeus perseguidos pela Inquisição e dos injustiçados em geral por manterem costumes, ideias e anseios de liberdade.

Na Missa, Vieira executava com habilidade e beleza a Liturgia da Palavra, discursando para os crentes, tanto no Brasil como em Portugal, com temas sobre a meditação herdados do Velho Testamento judaico e das passagens evangélicas.

O grande Pregador faz falta nos dias tempestuosos de hoje que ameaçam o caminho, a verdade e a vida. A sua doutrina, sacramentada do púlpito, nos ajudaria a combater os horrores da malversação do dinheiro público, da ânsia populista por um regime totalitário, e da irrefutável injustiça praticada pela magistratura.

E a pior expressão do mal está na compra de consciências pelo poder constituído, corrompendo a vocação política de muitos e avalizando a impunidade de criminosos em troca de “favores”. Isto nos leva a refletir com o Marquês de Lavradio: “Aqui, não há nada que não se venda, de cousas a almas, de gente a favores”.

É por este prisma que contemplamos a realidade nacional, que entreabre uma terrível e abjeta conjuntura que associa os três poderes da República. Uma desventura que se abate sobre os autênticos patriotas, defensores da Democracia e da Liberdade.

A prosa sermonista é diferente do discurso político. O sermão tem um objetivo moral e a manifestação política pode ser, dependendo do seu autor, somente promessas de honradez e de justiça na demagogia fabulosa que oculta inclinações corruptas e corruptoras.

Tais contradições e dubiedades não são difíceis de encontrar. Enquanto falta um religioso como foi dom Hélder Câmara, arcebispo de Recife e Olinda durante a ditadura militar, multiplicam-se os picaretas da política que legislam em causa própria como fizeram com a anistia aos partidos políticos contraventores.

Falta-nos um Sermão da Sexagésima, que esclareceria os analfabetos políticos e, quem sabe, despertaria o que pode haver de bom nos fanáticos cultuadores de personalidades políticas…

O padre António Vieira, ressurreto, utilizaria a prosa sacra para enfrentar o dragão da maldade que se instalou no poder da nossa República. Das rasteiras ameaças ao Estado Democrático de Direito ao garantismo jurídico hipócrita que favorece a corrupção.

Nesta circunstância, apelamos para o Evangellii Gaudium, livro do papa Francisco acerca do sermão. Diz ele que a homilia não deve ser um espetáculo de divertimento, não corresponde à lógica dos recursos midiáticos, mas deve dar fervor e significado à celebração.

Assim, mais do que lições de exaltação do Bem e da Verdade, os sermões devem voltar ao caminho da vida, combatendo a transformação do Governo numa escola do crime e negando à Justiça a abjetas injustiças das sentenças monocráticas trazendo, por baixo da toga, uma camiseta partidária.