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DAS TRADUÇÕES

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

A esquisitice das traduções que a gente encontra quando vai ao dicionário, nos obriga a pensar o que o estrangeiro alcança no português falado no Brasil, que o professor Borto neologiza como “brasilês” e Noel Rosa canta: “o samba não tem tradução no idioma francês.

Do inglês temos “Naked” que vai do nu ao desprotegido; o nosso calote, no francês, é “Pouf”; o que os espano-falantes tratam “broma” como gozação, gracejo, piada, o nosso coloquial vê como estúpido, grosseiro; e, vinda do quimbundo, “bunda”, nádegas, nos chega como “bumbum” e “bunda mole” se refere a um conversador…

Tivemos discutindo outro dia sobre o francesismo “débroullard”, que chegou ao dicionário da Academia Francesa após acaloradas discussões, designando alguém com a capacidade de escapar de complicações.

Lembrei-me de leitura antiga, uma crônica do escritor ítalo-argentino Pitigrilli que deu a “débroullard” o significado de “inteligência prática”; e, no seu texto, conta uma anedota clerical que vale a pena publicar:

“Reunidos à noite num convento, antes de se recolher, um beneditino, um capuchinho, um dominicano e um jesuíta conversavam e foram surpreendidos por um apagão elétrico; então o capuchinho falou que não precisavam de luz para manterem a conversação.

“O beneditino concordou, e propôs que lembrassem Deus na Criação, quando falou: ‘Faça-se a luz”; a proposta levou o dominicano a declinar sobre a origem divina das causas e a materialidade das consequências.

O jesuíta estava ausente; e, de repente, antes de concluído o assunto, a luz se acendeu e o discípulo de Santo Inácio de Loyola voltou: fora à caixa de luz mudar os fusíveis. Era um ‘débroullard’”.

Embora eu tenha colocado aspas na historieta, não a reproduzi ipsis litteris; escrevi-a de memória, e de memória lembrei-me que temos ocupando o trono de São Pedro no Vaticano um jesuíta, o papa Francisco.

Considero-o corajoso nas suas iniciativas com a ousadia de enfrentar as dificuldades burocráticas da Igreja Católica Apostólica Romana e abrindo a janela para arejá-la para fortalece-la, arrebanhando os cristãos arredios.

Ele não vê mudanças apenas pela modernização administrativa dos conventos e das irmandades; faz uma reciclagem teológica do cristianismo, contra o machismo dominante, o moralismo hipócrita, a imposição da castidade, a renúncia ao casamento peço sacerdócio e a negação das mulheres em exercer o sacerdócio.

Suas orientações voltadas para atender os crentes que estão deixando as igrejas vazias são lições práticas para um clero conservador que olha pelo retrovisor conceitos ultrapassados.

Embora agnóstico e a-religioso, considero que o papa Francisco traz um sentido humano para a controversa e questionável ordem mística mantida num tempo em que o homem pisa em solo lunar, a astronomia busca vida no cosmos e as pessoas necessitam livrar-se de preconceitos para readquirir a fé em Deus.

Que seja um deus diferente da imagem e semelhança do homem, tipo greco-romano, de barbas e olhos tristes e precisando ser adorado continuamente.

O sábio Einstein, após afirmar que “a ciência sem a religião é manca, a religião sem a ciência é cega”, considera deus como a “Alma do Universo” como Spinoza defendia, “uma energia imaterial que subtrai ilusões e superstições”.

Seria ateísmo pensar assim? ou, ao contrário, será encontrar as partículas divinas universais em tudo, nos seres viventes e na matéria inanimada?

Aldous Huxley disse que “o medo da morte, e do que vem depois da morte, que leva os homens a voltar-se para a religião, à medida que os anos se acumulam”. Conheço muitos casos assim.

Então, estejam à vontade; mas que reflitam com o ecumenismo defendido pelo papa Francisco, aproximando-se ao que Buda ensinou: “As religiões são caminhos diferentes convergindo para o mesmo ponto. Que importância faz se seguimos por caminhos diferentes, desde que alcancemos o mesmo objetivo?”

SOBRE PORNOPOLÍTICA

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Muitos acharam graça, mas deixaram por isto mesmo; os estudiosos de linguística, entretanto, já propuseram a dicionarização do neologismo “Pornomímica” por mim usado ao observar gestos como aquele que Cristina Kirchner fez mostrando o dedo para eleitores de Javier Milei.

Há pessoas que não gostam de neologismos; são céticas quanto ao reconhecimento de valores literários. Felizmente se curam quando encontram razão nas gírias que o povo cria e que se desenvolvem e se multiplicam como cogumelos após as chuvas.

Não sei se é o caso de encontrarmos na zona sombria da política entre a luminosidade do bem e a escuridão do mal outro neologismo, “pornopolítica”, dedicando-o ao lado obsceno das fake news na invasão de privacidade, na indiscrição e no mexerico, publicadas nas redes sociais e reproduzidas em massa.

Este é o lado negativo das redes sociais. Não é apenas a desinformação, mas a interferência na vida das pessoas que pensam diferente da corrente divulgadora de infâmias.

O seu exemplo mais atual e palpável é o revoltante caso da jovem Jéssica Vitória Canedo, levada ao suicídio em virtude de uma notícia falsa publicada pelo perfil “Choquei”, um dos tentáculos de uma organização mafiosa de nome “Mynd”, que prestidigita tecnicamente uma rede de intrigas.

É amplíssimo o domínio da Mynd. Mantém diversos polos informáticos voltados para o entretenimento e o ativismo político, como o Garoto do Blog e Alfinetadas dos Famosos, citados em reportagens que denunciam, também, as ligações desta agência com órgãos governamentais.

Também é inegável o controle desta teia poeirenta de comunicação que serve a interesses escusos. Os mistificadores da Internet são de uma variedade incrível; reconhecemos os que agem individualmente e em grupo, incitados quando seguidores partidários ou conduzidos quando vendem a sua participação.

Todos estão enquadrados no Código Penal pelo crime de falsidade ideológica; e não vale a pena estender muito sobre as punições previstas para crimes e delitos num sistema em que muito poucos magistrados aplicam a Justiça julgando conforme a Lei, e não procurando brechas para atender a defesa de parentes advogados.

Mesmo para quem é alheado ao que ocorre à sua volta e não raciocina desta maneira, desconsiderando a fake news como criminosa, deveria vê-la prejudicial por falsear a verdade, e contribuir para a desinformação moldando o comportamento das pessoas. Muito pior, interferindo no voto do eleitorado.

Infelizmente temos lista com centenas de nomes que praticam esta delinquência e deveriam sofrer um castigo exemplar sem o chorôrô dos coleguinhas nas redes sociais e o apoio midiático dos comparsas mercenários ou ideológicos.

Talvez impulsionado pelo saudosismo, sinto que antigamente não era assim. Autores de perjúrio, fofoqueiros sobre a vida alheira, imprudentes difamadores e caluniosos eram punidos; não havia a Justiça leniente do “garantismo” salvando-os.

Tampouco tínhamos governos que os amparasse e financiasse, como se faz hoje aglomerando-os com miolos de pão das verbas públicas e atraindo-os como peixes nos aquários das bancas digitais como a Mynd.

A isto, chamo de Pornopolítica; e só vejo uma maneira de imprimir a ordem das coisas no Brasil do presente: a revisão geral da legislação por uma Constituinte, sem permitir a reeleição de políticos que ocupam atualmente cargos eletivos.

 

 

GUERRA E PAZ

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Não trato do esplêndido livro de Liev Tolstói – de quem guardo profunda admiração – dos amores romanceados por ele, de aventuras, de Napoleão na Rússia enfrentando o general Inverno; mas as consequências de uma guerra.

Como inimigo de qualquer conflito armado, faço a leitura do besteirol (outros acham caduquice) de Joe Biden, numa entrevista à CNN, afirmando que o seu governo, mesmo enfrentando o Congresso, continuará enviando armamentos, inclusive bombas de fragmentação, para a Ucrânia.

Revelou ainda que esta “ajuda” visa acabar a guerra sem contar com a unanimidade dos aliados da Otan. Disse ainda que gostaria que o apoio ocorresse para justificar uma intervenção direta contra a Rússia ao lado do governo de Zelensky.

– “Se a guerra estivesse acontecendo com um membro da Otan, estaríamos todos em guerra com a Rússia”, enfatizou Biden. O porquê destas declarações coincidem com o anúncio de que é a produção e a comercialização de equipamentos bélicos que estão salvando os EUA da recessão.

Do outro lado, esse retorno idiota à “Guerra Fria”, vimos Putin se garantir com o apoio político, diplomático, econômico e militar dos países de economia emergente e da China; e que está à espera de que cresça a insatisfação dos europeus contra o manobrismo norte-americano na Otan.

Pela fala tresloucada destes protagonistas no palco ucraniano, com o envelhecido script que revive o temor de uma guerra atômica mundial. Por eles exala o fedor nauseabundo de ameaças de uma catástrofe contra a civilização .

Esta asquerosa contaminação se espalha pelos ares do Oriente Médio quando inadvertidamente (ou criminosamente) os “duros” do Exército Israelense enviam drones sobre o Líbano ferindo a soberania do país com a justificativa de matar líderes do Hamas ali domiciliados.

Alguém já disse que este ataque  um país neutro se trata de mais um desequilíbrio fomentador de conflitos na região aonde se sedia o Hisbolá; obteve grande repercussão na Europa, e, no Líbano, Antony Samrani, editor-chefe do jornal L’Orient-Le Jour, deixou claro num editorial: “Se o Hisbolá não fizer nada, abre o caminho para mais ataques desse tipo em sua fortaleza. Mas se a reação for forte demais, abre o caminho para a guerra total.”

É preciso advertir o mundo para este perigo. Internamente no Estado de Israel já se multiplicam as manifestações pacifistas contra a fúria extremista de Netanyahu. Estes protestos deveriam ser copiados pelos amantes da Paz contra a insanidade armamentista fomentada pelo complexo Industrial-Militar dos EUA.

Igualmente provocadores de guerra, temos também no Extremo Oriente, a China e sua consideração de que Taiwan é uma “província rebelde” que poderá sofrer uma intervenção militar; e, como no caso da Ucrânia, os EUA intervêm lá, apoiando Taiwan.

Como testemunho de ações e pretensões bélicas, tivemos agora na Península Coreana, o chefe de governo da Coreia do Norte, Kim Jon-um, pedir uma prontidão militar para enfrentar uma guerra; e exigiu maior eficácia na produção de armas ofensivas. Ao seu redor, encontra-se também os EUA dando cobertura à Coreia do Sul e ao Japão.

Vemos que esta polarização planetária aumenta o perigo de uma guerra atômica mundial, que se trata Trata de uma oposição ao humanismo, à alegria, à concepção e à felicidade, tanto individuais como nacionais, em todos os povos do mundo.

Enfrentando o galope do Apocalipse, coloco-me contra a mortandade de civis e a destruição de cidades. Este cuidado leva-me a Einstein, genial físico e ainda melhor pensador lúcido e independente, que preveniu: – “A próxima guerra mundial trará uma nova arma secreta, depois da qual a arma secreta da outra guerra será uma atiradeira de arremessar pedras…”

 

Konstantínos Kaváfis

À espera dos Bárbaros

 

O que esperamos nós em multidão no Forum?

Os Bárbaros, que chegam hoje.

Dentro do Senado, porque tanta inacção?
Se não estão legislando, que fazem lá dentro os senadores?

É que os Bárbaros chegam hoje.
Que leis haveriam de fazer agora os senadores?
Os Bárbaros, quando vierem, ditarão as leis.

Porque é que o Imperador se levantou de manhã cedo?
E às portas da cidade está sentado,
no seu trono, com toda a pompa, de coroa na cabeça?

Porque os Bárbaros chegam hoje.
E o Imperador está à espera do seu Chefe
para recebê-lo. E até já preparou
um discurso de boas-vindas, em que pôs,
dirigidos a ele, toda a casta de títulos.

E porque saíram os dois Cônsules, e os Pretores,
hoje, de toga vermelha, as suas togas bordadas?
E porque levavam braceletes, e tantas ametistas,
e os dedos cheios de anéis de esmeraldas magníficas?
E porque levavam hoje os preciosos bastões,
com pegas de prata e as pontas de ouro em filigrana?

Porque os Bárbaros chegam hoje,
e coisas dessas maravilham os Bárbaros.

E porque não vieram hoje aqui, como é costume, os oradores
para discursar, para dizer o que eles sabem dizer?

Porque os Bárbaros é hoje que aparecem,
e aborrecem-se com eloquências e retóricas.

Porque, sùbitamente, começa um mal-estar,
e esta confusão? Como os rostos se tornaram sérios!
E porque se esvaziam tão depressa as ruas e as praças,
e todos voltam para casa tão apreensivos?

Porque a noite caiu e os Bárbaros não vieram.
E umas pessoas que chegaram da fronteira
dizem que não há lá sinal de Bárbaros.

E agora, que vai ser de nós sem os Bárbaros?
Essa gente era uma espécie de solução.

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A UTI DA LINGUÍSTICA

MIRANDA SÁ (Email: mirandasasa@uol.com.br)

A minha pretensão de contar leitores próprios para os meus textos, levou-me a pensar que todos sabem da minha mania de visitar a UTI da Linguística no Hospital da Gramática…. Ninguém vai estranhar que para projetar a futurologia para 2024, fui tirar de lá a palavra “Blefe”.

O verbete dicionarizado é um substantivo masculino significando a ação de blefar, isto é, de enganar, principalmente procurando iludir no pôquer fingindo ter boas cartas. É vasta a sua sinonímia: engano, disfarce, logro, simulação, tapeação….

A etimologia leva ao holandês, “Blufffen” (“exagerar a própria capacidade”). Ao atravessar o Canal da Mancha foi batizada de “Bluff na Inglaterra.

Os puristas do idioma mantêm uma discussão sobre a diferença entre mentir e blefar, embora ambos tenham a mesma intenção de enganar e lograr alguém; no campo do Direito se distingue seus aspectos concebendo que o Blefe é imoral no seu propósito de falsear, e a mentira é um ato criminoso com intenção de prejudicar a quem se refere.

Apesar de criminosa, a mentira vive no cotidiano social e o mentiroso tem o intuito muitas vezes planejado de adulterar, atraiçoar e desvirtuar. Temos um exemplo muito interessante disto num filme antigo, de 1997, “O Mentiroso”.

É uma divertida comédia filmada sob a direção de Tom Shadyac estrelado por Jim Carrey, indicado ao Globo de Ouro como Melhor Ator de Comédia. Discorre sobre o comportamento de um advogado inescrupuloso de Los Angeles, Fletcher Reede, e sua relação com a esposa Audrey e o filho Max, a quem dedica profundo amor.

Acusado pelos que lhe cercam como incapaz de cumprir uma promessa e farto divulgador de mentiras teve o casamento desfeito pela mulher não tolerar este comportamento. No seu aniversário, Max também revoltado pelos problemas causados pelo pai, cria, ao soprar as velinhas, o desejo de vê-lo falando a verdade por 24 horas…. E daí temos um final feliz que pode ser conferido assistindo a fita…

Na linguagem morfológica e psicológica, a Mentira se faz presente no convívio social, mas a sua expressão grosseira e revoltante se encontra na cena política, impudica, com seus agentes praticando-a nos palanques eleitorais, nas tribunas parlamentares e nos pronunciamentos presidenciais e ministeriais.

A mentira mais nojenta e revoltante sai da língua mentirosa da polarização eleitoral que o sistema impõe à Nação Brasileira. No seu lado fonético estimula o fanatismo dos indivíduos, levando-os ao culto da personalidade dos líderes de facção.

Estes desvairados ególatras, Bolsonaro e Lula, cada um do seu modo e linguagem peculiar, mentem descaradamente. Fazem-no com a intenção criminosa de se manter no poder usufruindo vantagens pessoais e familiares.

É escandalosa a mentira gerada pelo maquinismo polarizador, com uma percussão diabólica cujas escalas maiores e menores atordoam os ouvidos dos democratas autênticos e penetram nos neurônios dos desavisados, promovendo o derrame sanguíneo da demência.

Mentindo, Lula e Bolsonaro, polarizadores da falsa direita e da falsa esquerda, soltam aos quatro ventos o discurso do mal; e assim fazendo, nos roubam até o mito da Caixa de Pandora que, após espalhar todas as desgraças do mundo manteve no fundo o único dom, a Esperança.

Esta ficou ao pé da Árvore-de-Natal, projetando a sadia expectativa para 2024; mas será trágico se ao abrir tardiamente um presente esquecido, achemos na modesta embalagem, bem escondidinho, o Blefe de 2024.

Carlos Drummond de Andrade

RECEITA DE ANO NOVO

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

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DISCUTINDO A RELAÇÃO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Renovadas as esperanças de que tudo melhore no Ano Novo, temos várias opções: a fundamental, no meu entender, é cuidar da saúde; e a seguir vem a conquista da paz de espírito, com uma convivência saudável entre parentes e amigos.

É óbvio que não se pode deixar de lado a manutenção da mente aberta, independente e livre; o que nos leva ao alerta de Brecht quando disse que o que os malfeitores da vida pública mais querem é a nossa omissão da política.

Assim não nos custa definir uma posição política para 2024. Pela deterioração dos poderes republicanos, todos três, penso em lutar pela convocação de uma Assembleia Constituinte.

A “Carta de 88” já era. Primeiro, não tem nada de cidadã, traz favorecimentos insólitos aos políticos que viraram profissionais, com privilégios pessoais e até recebendo aposentadorias e pensões “mais iguais do que as dos outros”; e, segundo, priva-nos da segurança pela leniência para o crime e os criminosos.

Também são muitas e se multiplicam como uma colcha de retalhos as brechas intercaladas nos seus capítulos, jeitinhos que beneficiam governantes e parlamentares que fazem mal uso do dinheiro público. Incita claramente a corrupção e a garante a tolerância para os corruptos e corruptores, tornando impossível a aplicação de uma Justiça boa e perfeita.

Por tudo isto, faz-se necessário escrever uma nova constituição mais enxuta e realista que nos permita citá-la com a inicial maiúscula. Mas é preciso muito cuidado com a eleição dos constituintes e rejeitar o que fizeram os que assinaram a Constituição da República de Bruzundanga, fato descrito magistralmente por Lima Barreto.

Escreveu Lima que “os bruzudanguenses quiseram uma nova lei básica para governar o país; então foi convocada uma constituinte “com toda solenidade”, participando dela “jovens poetas, transandando à grossa boemia; imponentes tenentes de infantaria, ainda ‘cheirando’ aos cadernos da Escola; velhos possuidores de escravos cheios de ódio ao antigo regime que os libertou; bisonhos jornalistas da roça recheados de uma erudição à flor da pele e alguns colegas da capital entusiastas por caudilhos políticos”.

“Um dos artigos por eles sancionado na Magna Carta, trouxe, nas disposições gerais, que toda vez que um dos capítulos da Constituição ferir interesses de parentes das pessoas da situação, ou membros dela, fica subentendido que ele não tem aplicação no caso….”

“Com este artigo, a Lei Suprema de Bruzundanga tomou uma elasticidade extraordinária; os presidentes das províncias que apoiavam o Presidente, fizeram tudo o que queriam, e se alguém apelasse contra seus malfeitos à Justiça (lá se chamava Chicana) logo os ministros interpretavam a Lei Máxima garantindo o direito considerado errado”.

“A Carta de Bruzundanga foi copiada de um país de gigantes, mas às três páginas daquela, acrescentou-se 580, e assim foi obedecida de modo religioso”.

Lembra ainda Lima Barreto: “A Constituição da Bruzundanga era sábia no que tocava às condições para elegibilidade do Mandachuva, isto é, o presidente”.

Para discutir a relação da Constituição, Justiça e eleições na República de Ficção com o que ocorre no Brasil, nestes campos da atividade, temos aqui a obscena reeleição, o foro privilegiado e uma Justiça “garantista” julgando o “andar de cima”.

Quanto à convocação de uma constituinte para elaborar uma Constituição de verdade, temos que evitar que façam parte dela cúmplices do crime organizado, donos de cartório, filhos e netos de fazendeiros desmatadores, militares que sonham com uma ditadura e oportunistas de todos os naipes.

Assim, deixando de fora do poder gente egocêntrica, religiosos indiferentes, mulheres luxentas, intelectuais levianos e sindicalistas preguiçosos, eu gostaria de uma definição: A nova Constituição deve vir preocupada tão somente em realizar o dístico da nossa Bandeira: “Ordem e Progresso”.

Fernando Pessoa

No breve número de doze meses
O ano passa, e breves são os anos,
Poucos a vida dura.
Que são doze ou sessenta na floresta
Dos números, e quanto pouco falta
Para o fim do futuro!
Dois terços já, tão rápido, do curso
Que me é imposto correr descendo, passo.
Apresso, e breve acabo.
Dado em declive deixo, e invito apresso
O moribundo passo.

UMA FESTA PAGÃ

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Escrevi uma crônica leve, cheia de pitorescas curiosidades para ser lida na data em que se comemora o Natal que reverencio como todos os que sofrem a influência do cristianismo. Repetindo anos anteriores nos reunimos em família, mulher, filhos, netos e bisnetos.

Poderia ter usado isto como tema; não o fiz porque considero o que celebramos uma festividade pagã, lembrando que o 25 de dezembro fazia parte do calendário civil romano como o Dia do Sol Invencível.

Homenageava o deus Mitra, patrono da justiça e da aliança e condutor da luz com farras orgíacas. Ele era representado materialmente pelo sol. Estas festas pagãs duraram até que o cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano.

Então, o deus que vigiava a ordem cósmica, as estações do ano e a alternância do dia e da noite, foi substituído por Jesus Cristo divinizado; e o culto ao Sol Invencível foi proscrito pelo Edito de Teodósio, no ano 380.

Mesmo proibido, o mitraísmo continuou sendo a religião popular em mais da metade da parte ocidental do Império, sendo que muitos cristãos aderiam às festividades do Solstício de Inverno que ocorrem em dezembro no Hemisfério Norte.

A hierarquia católica sentiu isto e se apropriou da data, decretando o dogma da Natividade. Foi o trigésimo-sexto papa, Libério, que reinou sobre a Igreja Católica Romana de 352 até 366, que impôs o dia 25 de dezembro como data do nascimento de Jesus Cristo.

Libério e seus acólitos estabeleceram a Natividade junto com as demais festividades católicas, como a Páscoa da Ressureição e o Pentecostes herdado dos judeus (que dignifica o recebimento por Moisés das Tábuas da Lei), adaptando-o para a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos.

Pretendendo despertar e conquistar os pagãos para Cristo, o seu nascimento poderia ter sido em qualquer data. Antes, recebia a atenção de diversos seguimentos cristãos para o 7 de janeiro, o 3 de março ou o 13 de abril, adotados por antigas seitas cristãs.

Lucas no seu evangelho (Lc, 1, 26) expõe que o arcanjo Gabriel anunciou a vinda do filho de Deus a Maria, seis meses após o profeta João Batista ter nascido, o que ocorreu a 24 de julho. Portanto, por uma gravidez normal de nove meses, a noite do nascimento de Jesus dificilmente teria sido em dezembro.

Vê-se então que a adoção do 25 de dezembro, atendendo ao interesse expansionista do papado, não foi a única concessão ao mitraísmo. O sacerdócio católico vestiu-se igualmente ao vestuário dos prelados e do pontífice de Mitra, com os papas usando o turbante mitral, de que os rabinos judeus já haviam também se apossado.

Diversas vertentes do cristianismo discordam e contrariam a adoção da Natividade a 25 de dezembro no Ocidente, Europa e Américas; mas aceitam-na a Igreja Anglicana, a maioria das Igrejas ortodoxas e tendências protestantes nórdicas.

A Reforma protestante, proibiu a celebração do nascimento de Cristo admitida pelo Papado que segundo Martin Lutero. era uma das fraudes papistas e denunciou-a como uma volta ao paganismo.

Austero, o luteranismo combatia também o Carnaval por sua inegável ligação com o catolicismo. Tal como é festejado no Ocidente, antecede a Quaresma criada na Alta Idade Média por um período de 40 dias antes da Páscoa.

Como o culto do Sol Invicto, o Carnaval tem também a sua origem greco-romana e era celebrado em Roma no solstício de Inverno, como a Lupercália, que ocorria em fevereiro.

Tudo visto e pesquisado não se trata de uma crítica, nem uma condenação como fez Lutero; trata-se apenas de um registro histórico sobre as festas pagãs. Da minha parte, festejo o 25 de dezembro com os meus parentes e amigos. Trocamos presentes e semeamos alegria com comida e bebida.

O MELHOR REMÉDIO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Um comentário que correu em Londres no após-guerra discorreu sobre a passagem de Churchill, à noite, por uma farmácia toda iluminada e disse: – “Eis o motivo de todas as doenças…”.

Não sei se é verdade ou simplesmente uma piada, mas foi notícia de jornal. Lembrando disto, matutei sobre a interpretação um tanto maldosa do herói inglês; vejo que por um lado, é uma afronta à indústria farmacêutica, e, do outro lado, expõe uma contradição: as farmácias produzem as enfermidades ou são consequência delas?

Constatamos que no Brasil esses estabelecimentos aderiram (por lei) à moda dos EUA, isto é, além de medicamentos e artigos de higiene, vendem também mercadorias de conveniência. Talvez, por isto, a multiplicação das drogarias debaixo da Linha do Equador é impressionante.

Não dá para explicar como isto ocorre nos países de livre concorrência. Nas grandes cidades do Brasil, por exemplo, elas são incontáveis. A Rua do Catete, no Rio de Janeiro, tem pouco mais de cinco quilômetros, e nela tem 42 farmácias, muitas delas vizinhas à outra.

Ando pelos bairros Glória, Catete, Laranjeiras, e não encontrei neles as especializadas em homeopatia e somente um único herbanário; mas competindo pela cura de enfermidades, temos vários templos evangélicos prometendo milagres.

Por este cenário se conclui que o povo está doente. Remédios industrializados monopolizam praticamente a demanda, mas ainda persiste busca de remediar pelos métodos tradicionais caseiros de chás, jejuns e lavagens; e pela religião, a crença na terapia com passes mediúnicos e rezas.

Ressalte-se que essa alternativa pelo miraculoso chama a atenção. Em favor disto lembro de um tio que ajudava os que buscam recuperar a saúde acreditando em milagres. Contava que assistiu na Índia um faquir enterrar uma semente no chão e tremulando as mãos sobre ela, conseguia em poucos minutos sua germinação, crescimento e produção de flores….

Será que os milagres acontecem realmente? Hoje em dia, milagres já não ocorrem como nos tempos bíblicos, como relatou João 18.10. que o apóstolo Pedro sacou da espada e feriu Malco, o servo do sumo sacerdote que acompanhou os soldados para prender Jesus; decepou-lhe a orelha direita e, segundo Lucas (versículo 51), Jesus acudiu, repreendeu Pedro, e tocando na ferida de Malco, estancou o sangramento e recompôs a orelha.

Estas práticas milagrosas condizem com as lições de Hermes Trimegisto (Três Vezes Grande) sobre a vontade enérgica transformadora. Citado por Tomás de Aquino na “Pedra Filosofal”, Trimegisto escreveu que “o poder da cura está nas mãos de qualquer um, desde que empregue as partículas da divindade presente em todos os seres”.

O milagre da cura desperta a curiosidade do intelectual irrequieto e do educador curioso, que procuram abrir as janelas de onde se contempla a Verdade. Então veem diante de si que o sobrenatural envolvido pelo véu da fé e da esperança disputa com as descobertas da ciência médica e com a tecnologia avançada da Inteligência Artificial.

Entre a metapsíquica e a pesquisa científica há espaço suficiente para pensarmos em nós mesmos, na nossa saúde, vigor e intento pela longevidade. Aconselha-se remédios, os melhores, segundo usuários: Um deles vem do noroeste do México indicado por um xamã da tribo yaqui, entrevistado por Carlos Castañeda para o livro “Uma Estranha Realidade”.

“Dom Juan”, como Castañeda o chamou, aparentava uma idade indefinida, talvez 80 anos. Sua fórmula para alcançar uma velhice forte e sadia chegada de tempos remotos, dos avós dos seus avós: um copo d’água quente em jejum, ao acordar pela manhã.

A outra terapia revigorante é do século 19, foi anunciada pelo naturalista François Huber, o prodigioso uso da geleia real das abelhas, cujo poder dá à rainha da colmeia idade 50 vezes superior à atingida pelas abelhas operárias.

Cheguei aos 90 anos e a aproximadamente a uns 20, faço o que Dom Juan indicou; quanto à geleia real, autêntica, é caríssima, não está no meu orçamento… Rsrsrs.