Poesia

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Narciso Cego


Tudo o que de mim se perde

acrescenta-se ao que sou.

Contudo, me desconheço.

Pelas minhas cercanias

passeio – não me freqüento.

Por sobre fonte erma e esquiva

flutua-me íntegra, a face.

Mas nunca me vejo: e sigo

com face mal disfarçada.

Oh que amargo é o não poder

rosto a rosto contemplar

aquilo que ignoto sou;

distinguir até que ponto

sou eu mesmo que me levo

ou se um nume irrevelável

que (para ser) vem morar

comigo, dentro de mim,

mas me abandona se rolo

pelos declives do mundo.

Desfaço-me do que sonho:

faço-me sonho de alguém

oculto. Talvez um Deus

sonhe comigo, cobice

o que eu guardo e nunca usei.

Cego assim, não me decifro.

E o imaginar-me sonhado

não me completa: a ganância

de ser-me inteiro prossegue.

E pairo – pânico mudo –

entre o sonho e o sonhador.

Thiago de Mello

O Poeta

Thiago de Mello nasceu na cidade de Barreirinha, no coração do Amazonas, no dia 30 de março de 1926. Em Manaus, capital do Estado, fez seus primeiros estudos. Mudou-se para o Rio de Janeiro (RJ), onde cursou a Faculdade de Medicina até o quarto ano. Acabou optando por deixar os estudos médicos e dedicou-se à poesia.

Conhecido internacionalmente por sua luta em prol dos direitos humanos, pela ecologia e pela paz mundial, o autor foi perseguido pela ditadura militar implantada no Brasil em 1964. Foi obrigado a deixar sua terra, tendo se exilado no Chile, até a queda de Salvador Allende. Seus trabalhos foram publicados no Chile, Portugal, Uruguai, Estados Unidos da América, Argentina, Alemanha, Cuba, França e outros mais. Traduziu para o português obras de Pablo Neruda, T. S. Elliot, Ernesto Cardenal, César Vallejo, Nicolas Guillén e Eliseo Diego.

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