Poesia
À Ponte de Brooklyn
Em quantas madrugadas, arrefecidas pelo repouso ondulante,
As asas da gaivota hão-de emergi-la e voar em seu redor,
Espalhando anéis brancos de tumulto, erigindo bem no alto
Sobre as águas agrilhoadas da baía a liberdade –
Então, numa curva inviolada, deixarão os nossos olhos
Tão espectrais como veleiros que cruzam
Uma página cheia de parcelas a arquivar;-
Até que os elevadores nos libertem do nosso dia…
Sonho com cinemas, truques panorâmicos
Com multidões debruçadas sobre uma cena fulgurante
Jamais revelada, mas passada de novo à pressa,
A outros olhos prometida sobre o mesmo écran;
E TU, por cima do porto, ao ritmo da prata
Como se o sol te imitasse, embora deixasse
Um gesto nunca acabado no teu rasto, –
Implicitamente ficas com a tua liberdade!
De uma abertura no metro, de uma cela ou mansarda
Um louco precipita-se para os teus parapeitos,
Oscilando aí por momentos, a garrida camisa enfunada,
E um gracejo solta-se da multidão surpreendida.
Por Wall Street, escorre o meio-dia desde a viga mestra até à rua,
Um rasgão no acetilene do céu;
Toda a tarde os guindastes envoltos pelas nuvens giram…
Os teus cabos respiram ainda o Atlântico Norte.
E é obscura, como aquele céu dos judeus,
A tua recompensa… tu conferes o louvor
De um anonimato que o tempo não pode evocar:
Testemunhas uma indulgência e um perdão vibrantes.
Harpa e altar pelo furor unidos,
(Como pôde o simples trabalho alinhar as tuas cordas cantantes!),
Medonho limiar da promessa do profeta,
Prece de um pária, e grito de um amante, –
E de novo as luzes do trânsito que deslizam pelo teu idioma
Veloz e total, imaculado suspiro de estrelas
Ornando o teu caminho, condensam a eternidade:
E vimos a noite erguida nos teus braços.
Sob a tua sombra, esperei junto dos pilares;
Apenas na escuridão é a tua sombra nítida.
Os bairros flamejantes da cidade todos inacabados,
A neve submerge já um ano de ferro…
Ó Insone como o rio lá em baixo,
Em abóboda sobre o mar, erva sonhadora das pradarias,
Desce, vem até nós, os mais humildes,
E da tua curvatura empresta a Deus um mito.
Hart Crane
(de A Ponte, tradução de Maria de Lourdes Guimarães)
O Poeta
Poeta norte-americano nascido em Garrettsville, Ohio, (1899) que celebrou a vida na era industrial, para exaltar a experiência americana. Filho de pais de comportamento emocionalmente instáveis, foi criado em Cleveland, onde teve uma infância infeliz e tornou-se alcoólatra ainda jovem.
Interessado em morar na grande cidade, radicou-se (1923) em Nova York, onde dedicou-se a escrever poesias. Publicou dois livros de poesia em vida: White Buildings (1926) e The Bridge (1930). Retraído pelos conflitos da grande cidade, buscou refúgio numa afirmação mística e recorreu a Walt Whitman, cuja influência em sua obra é evidente.
Em seguida escreveu sua obra mais célebre, The Bridge (1931), cujo tema foi ambientado na ponte de Brooklin. Pouco depois de publicá-lo, foi para o México. Perturbado, na viagem de volta para os Estados Unidos, pulou do navio e afogou-se no mar das Antilhas. Morreu em 1932.
Saiba mais sobre o poeta clicando aqui
Comentários Recentes