dezembro 4, 2015
Fernando Gabeira: Quase tudo em ruínas
Agora que tudo está em ruínas, exceto algumas instituições que resistem, não me preocupo em parecer pessimista. Quando anexei às listas das crises o grave momento ambiental, algumas pessoas ironizaram: el Niño? Naquele momento falava apenas da seca, da tensão hídrica, das queimadas e enchentes. Depois disso veio o desastre de Mariana, revelando o descaso do governo e das empresas que, não se contentando em levar a montanha, transformam o Doce num rio de lama.
No fim de semana compreendi ainda outra dimensão da crise. O Brasil, segundo especialistas, vive uma situação única no mundo: três epidemias produzidas pelo Aedes Aegypti (dengue, chikungunya e o zika vírus). O zika está sendo apontado como o responsável pelo crescimento dos casos de microcefalia. Sabe-se relativamente pouco sobre ele. E é preciso aprender com urgência. O dr. Artur Timerman, presidente da Sociedade Brasileira de Dengue e Arboviroses, considera a situação tão complexa como nos primeiros momentos da epidemia de aids.
Agora que está tudo em ruínas, restam os passos das instituições que funcionam, o prende aqui, prende lá, delata ou não delata, atmosfera de cena final, polícia nos calcanhares. Lembra-me a triste cena final do filme Cinzas e Diamantes, de Andrzej Wajda. A Polônia trocava um invasor, os nazistas, por outro, os comunistas: momento singular. No entanto, há algo de uma tristeza universal na Polonaise desafinada e no passeio do jovem casal por uma cripta semidestruída pelos bombardeios.
Aqui, a cena não é de filme de guerra, ocupação militar, mas de um thriller policial em que a quadrilha descoberta vai sendo presa progressivamente. Enquanto isso, não há governo para responder ao desemprego, empobrecimento, epidemias, mar de lama e ao sofrimento cotidiano dos brasileiros.
As cenas finais são eletrizantes e a ausência de um roteirista tornou o filme político ainda mais atraente. Mas perto da hora de acender a luz os cinemas se preparam, abrem as cortinas e já se pode ver, de dentro, como é sombria a noite lá fora.
Quase todos concordam com a gravidade da crise, nunca antes neste país o governo errou tanto, corrompeu tão disciplinadamente a vida política, corroeu tanto os alicerces da jovem democracia, engrandecida com a luta pelas diretas. Naquele momento, a bandeira das diretas tinha conotação positiva, era a esperança que nos movia. Muitos acham que só ela nos move. Mas diante das circunstâncias ameaçadoras é o instinto de sobrevivência que nos pode mover: o Brasil está se desintegrando.
Hoje a esperança só pode ser construída na luta pela sobrevivência. Chegou a hora de conversarmos por baixo, uma vez que do sistema político não vem resposta. Naturalmente, saindo do pequeno universo, abrindo-se para as diferentes posições no campo dos que querem a mudança. Nada que ver com conversa de ex-presidentes ou com essa história de que oposição e governo têm de se entender.
O governo tem de entender que chegou sua hora, pois é o grande bloqueio no caminho da esperança. Não é possível que, no auge de uma crise econômica, epidemias e desastre ambiental, o país aceite ser governado por uma quadrilha de políticos e empresários.
Às vezes me lembro do tempo do exílio, quando sonhava com um passaporte brasileiro. Agora é como se tivesse perdido o passaporte simbólico e de certa maneira voltasse à margem.
Vivemos momento em que quase tudo está em ruínas, como se fôssemos uma multidão de pessoas sem papel. O foco nas cenas de desmonte policial é importante. O voto direto dos senadores não seria aprovado, no caso Delcídio, não fora a vigilância da sociedade.
No entanto, a gravidade da situação pede muito mais. Há um momento em que você se sente órfão dos políticos do país. Mas logo em seguida percebe que é preciso caminhar sem eles. Hora de conversar na planície.
Não descarto a importância de um núcleo parlamentar que nos ajude a mandar para as Bermudas o triângulo Dilma, Renan, Cunha. Mas as grandes questões continuam: como recuperar a economia, como voltar a crescer de forma sustentável, como reposicionar o Brasil no mundo, distanciando-nos dos atrasados bolivarianos?
Uma das muitas maneiras de ver os limites do crescimento irracional é o próprio desastre em Mariana, a agressão ao Rio Doce. A essência desse crescimento é o depois de nós, o dilúvio. Às vezes o dilúvio se antecipa, como no distrito de Bento Rodrigues, e fica mais fácil compreender a gigantesca armadilha que legamos às novas gerações. É preciso uma conversa geral e irrestrita entre todos os que querem mudar, tirando da frente os obstáculos encalhados em Brasília.
Não se trata de estender o dedo como naquele cartaz do Tio Sam, dizendo: o país precisa de você. Na verdade, o caminho é mostrar que você precisa do país; se ele continuar se enterrando, alguns sonhos e perspectivas individuais se enterram também.
Compreendo as pessoas que temem a derrubada do governo e seus aliados porque não sabem precisamente o que virá adiante. Não sei se isto as conforta, mas o descobrimento do Novo Mundo foi feito com mapas equivocados e imprecisos. A fantasia dos navegantes estava povoada de monstros e prodígios, no entanto, acabaram sendo recompensados por se terem movido.
O desafio de agora é menor do que lançar-se nos mares desconhecidos. Os mapas nascem de um amplo diálogo e, mesmo se não forem cientificamente precisos, podem nos recompensar pela movida.
Desde o princípio, o impeachment era uma solução lógica, mas incômoda. Muita gente preferiu ficar com um governo porque ele foi eleito. Não importa se a campanha usou dinheiro do petrolão, Pasadena, não importam as mentiras, a incapacidade de Dilma. Ela foi eleita. Tem um diploma. E vamos dançar nas ruínas contemplando o luminoso diploma, cultuando sua composição gráfica, a fita colorida.
Muitos povos já se perderam no êxtase religioso como resposta a uma crise profunda. Mas os deuses eram mais fortes, o sol, a fecundidade, a morte. Estamos acorrentados a um diploma.
Publicado pelo Estadão em 04/12/2015
Caro Miranda Sá, remeti em 27/10 o texto abaixo para algumas lideranças nacionais de oposição com o objetivo de organizar e tornar mais efetivas quanto os resultados das manifestações em prol do Impeachment e outras bandeiras. Dia 13 próximo os brasileiros devem ter o compromisso com as ruas e fazer soar o mais alto toda sua indignação e desejo de mudança. Esta é para você, como referência nacional do jornalismo, possa nos ajudar a difundir as ideias contidas no texto. Muito obrigado. Fique com Deus. Até a vitória do Povo Brasileiro.
“Caro Senador Aloysio Nunes Ferreira, estou como grande parte dos brasileiros, pronto para ir às ruas protestar, mostrar minha indignação e sobretudo ajudar a mudar o que está aí porque sei que só o povo nas ruas consegue. Mas infelizmente a falta de organização e articulação das forças políticas em prol do Impeachment e outras bandeiras estão nos deixando inertes e frustrados. Só para citar um fato. Pesquisei o que pude onde seria o local da manifestação no dia 15 passado aqui em Belém e nada encontrei. Veja, ouvi Joice Hasselmann pedir para que os movimentos se unam e assim dar mais força e organização as manifestações. É importante, mas só isto não basta. É pouco. Sem a participação efetiva dos partidos políticos de oposição, com suas estruturas descentralizadas nos estados e municípios o resultado deixará a desejar. É preciso aglutinar todas as forças com os partidos políticos de oposição e compor uma frente de organização dos protestos e manifestações. A de setembro foi bem mais efetiva. Em diversos Estados e Municípios, com razoável articulação nacional porque teve o apoio das estruturas partidárias estaduais e municipais. Foi o que ocorreu aqui em Belém. A minha percepção de povo, das pessoas comuns, mas prontas para protestar nas redes sociais e nas ruas, demonstra que é preciso: 1.Definir e difundir nas redes sociais a data das passeatas de caráter nacionais e locais. 2.Definir e difundir os locais de início das passeatas nas capitais e municípios (que devem ir crescendo na medida em que forem se confirmando novas localidades) 3.Definir e padronizar os itinerários nas localidades (como São Paulo, na Av Paulista). 4.Padronizar a comunicação, visando resguardar a identidade do movimento que gera credibilidade e, por conseguinte, o engajamento. 5.Promover eventos (como hangouts) com a participação de lideranças com o objetivo de direcionar o foco das manifestações. 6.Garantir a presença de carros-sons. 7.Garantir a presença de figuras públicas (políticos de oposição e outros). 8.Garantir a segurança dos manifestantes (feito pelas coordenações locais). Reitero: só é possível cumprir satisfatoriamente a maioria dos itens acima com a participação e apoio das estruturas partidárias de oposição descentralizadas nos estados e municípios. A união dos movimentos daria o respaldo necessário para o passo seguinte: a formação da frente com os partidos de oposição. Esta, encarregada da organização das passeatas e manifestações de caráter nacional ou local e outras. Penso que o Sr. tem todas as credenciais para encaminhar esta questão. O futuro de nosso país depende de todos nós, mas o Sr. alcançou, por suas posições firmes, destemidas e honestas, merecida liderança entre os brasileiros. E se cada um fizer a sua parte, livraremos o nosso país deste comando ignóbil. Estarei aqui em Belém sempre a postos. Um abraço e fique com Deus. ORLANDO FRADE. orlandofrade@terra.com.br“
Muito boa sua iniciativa!! Parabéns!! Que os ouvidos e a decência dos homens e mulheres de bem possam ouví-lo!! Paz e todo bem!!
#VemPraRua13Dez !!!!!!!!!!!!
Parabéns, Miranda, por publicar este excelente artigo!!!
Este artigo do Jornalista Fernando Gabeira está primoroso!!
Prima pela sensatez!
Prima ao retratar a dura realidade brasileira!
Prima na escrita que nos comove às lágrimas! Como chegamos até aqui sem perceber?! Fomos avassalados pela tsunami da lama PTralha que nos deixou sem chão, literalmente! Será que nosso povo já acordou mesmo?! Ainda me dói pensar que muitos somente conseguem enxergar o próprio umbigo. Deus tenha piedade da Nação brasileira!!
Paz e todo bem!!