Poesia
Fernando Pessoa
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
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Paul Verlaine
CANÇÃO DO OUTONO
Os soluços graves
Dos violinos suaves
Do outono
Ferem a minh’alma
Num langor de calma
E sono.
Sufocado, em ânsia,
Ai! quando à distância
Soa a hora,
Meu peito magoado
Relembra o passado
E chora.
Daqui, dali, pelo
Vento em atropelo
Seguido,
Vou de porta em porta,
Como a folha morta
Batido…
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Mário Quintana
O Tempo
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
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Hilda Hilst
Amor
Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua de estar sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
De um suposto de heras em alto muro.
Que este amor só me faça descontente
E farta de fadigas.
E de fragilidades tantas
Eu me faça pequena.
E diminuta e tenra
Como só soem ser aranhas e formigas.
Que este amor só me veja de partida.
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Carlos Drummond de Andrade
Convite Triste
Meu amigo, vamos sofrer,
vamos beber, vamos ler jornal,
vamos dizer que a vida é ruim,
meu amigo, vamos sofrer.
Vamos fazer um poema
ou qualquer outra besteira.
Fitar por exemplo uma estrela
por muito tempo, muito tempo
e dar um suspiro fundo
ou qualquer outra besteira.
Vamos beber uísque, vamos
beber cerveja preta e barata,
beber, gritar e morrer,
ou, quem sabe? beber apenas.
Vamos xingar a mulher,
que está envenenando a vida
com seus olhos e suas mãos
e o corpo que tem dois seios
e tem um embigo também.
Meu amigo, vamos xingar
o corpo e tudo que é dele
e que nunca será alma.
Meu amigo, vamos cantar,
vamos chorar de mansinho
e ouvir muita vitrola,
depois embriagados vamos
beber mais outros sequestros
(o olhar obsceno e a mão idiota)
depois vomitar e cair
e dormir.
(Em: Brejo das Almas)
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POESIA
GEOGRAFIA
Sá Neto (1º/maio/2019)
(Ofereço ao professor
José Carlos Bortoloti )
Este sou eu, um cabo sem esperança
de formação vulcânica e de sonhos,
que pelo mar avança
No centro de mapa-múndi colorido
ergo-me sólido de ideias satânicas
sem alarido nem sentido
Enfrento decidido a fúria das ondas
mar adentro, e mitos do Amazonas
botos fantasmas e anacondas
Trago em mim a incandescência
do núcleo terrestre; piromaníaco
de verborreias e demência
Disponho-me a rasurar e rasgar
do mapa as distâncias, e assim
revelo a ânsia de avançar
Para desviar os rios Vermelho
e Amarelo, ilhas ignotas com
sereias e o seu espelho
Bombardearei o atol atômico
de Biquíni, no e nada Pacífico
hoje menos troponômico
Vou desabar no Ártico as geleiras,
cavalgando o vento Siroco, louco,
e brisas saarianas derradeiras
Sou levado pelos Alísios tropicais
equilibrando-me nos Contra-Alísios
das inversões equatoriais
Quero cavar fósseis em Bornéu,
antes dos arqueólogos da tevê
e distribuir catálogos ao léu
Acharei muitas tribos isoladas,
perdidas no verdejar amazônico
de mil e tantas tonalidades
Depois de tudo e finalmente
irei enfrentar tempestades,
ciclones, furacões, deidades
e tsunamis que não assustam
nem impedem os que surfam
sem tom, sem som, nem dom
de temer o Armagedon…
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