Artigo saído n’ O JORNAL DE NATAL desta semana
“Óleo de peroba”, senhora vó!
MIRANDA SÁ, jornalista
E-mail: mirandasa@uol.com.br
Na minha infância, quando a televisão era ficção científica da série de Flash Gordon, ouvíamos ao pé de pessoas mais velhas histórias conhecidas como “de Trancoso”, expressão que o mestre Cascudo não registra. Nem Silvio Romero, nem Tomé Cabral. O Dicionário Aurélio também não, embora na sua versão informatizada considere “História de Trancoso” o mesmo que “Conto da Carochinha”. Para mim, não eram a mesma coisa. Os contos da Carochinha eram estórias e fábulas sobre animais, na maioria de origem africana ou indígena; e as histórias de Trancoso versões ingênuas com toque bem brasileiro, de contos tradicionais dos povos europeus.
Ficou gravada indelevelmente na minha memória a famosíssima estória de João e Maria. As aventuras, a sorte e os sucessos dos meninos presos por uma velha bruxa que se alimentava de carne de crianças. Ficavam numa gaiola e eram engordados para servir de repasto. A esperteza de Joãozinho, primeiro mostrando um rabo de lagartixa como se fosse um dedo magro a fim de adiar o fim, e depois mandando que a bruxa mostrasse como deveria se postar no fogão para empurrá-la, é inesquecível. E jogada ao fogo, a velha bradou “água, meus netinhos!”, os meninos masoquistas gritaram em coro: “Azeite, senhora vó!”.
Isso tudo vem à memória para clamar diante do cinismo lulista-petista tentando defender a governadora paraense Ana Júlia Carepa, sua secretária de Justiça e sua delegada de polícia em Parauapebas, no nojento caso que envolveu uma menina de quinze anos entregue à sanha de indivíduos animalescos num xadrez policial. Para a cara de pau deles, tenho vontade de bradar “Óleo de Peroba, senhora vó!” para a sórdida posição política do PT na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, defendendo sectariamente a sua gente.
A vítima foi entregue aos malfeitores brutalizada sexualmente em troca de comida durante15 dias. E a governadora do Pará considerou o caso como uma prática comum “não apenas no Pará, mas em outros locais do território nacional”. Esta declaração foi dada depois de revelado fato semelhante ocorrido noutra delegacia paraense com uma mulher de 23 anos numa cela com 70 homens.
Esta aberração foi minimizada como prática comum “de outros governos” pela líder do PT no Senado, senadora Ideli Salvatti. É a degradação ampla, geral e irrestrita, que se transmite à sociedade como pensamento dominante. Não é por acaso que os novos ricos da Barra da Tijuca justificaram sua brutalidade contra uma empregada doméstica, dizendo tê-la confundido com uma prostituta. E os adolescentes-bandidos de Brasília tocaram fogo num índio pensando que se tratava de um mendigo. Para o governo “dos trabalhadores”, uma ladra menina, uma prostituta e um mendigo não merecem tratamento humano.
O poder ignora que o comportamento da elite governante se transmite aos aprendizes de mensaleiros, sanguessugas e aloprados. Os defensores de Ana Júlia Carepa escondem a vileza das instituições no Pará e do resto da Federação; mas pior do que a estupidez que acoberta os iguais é ver-se entidades ditas defensoras dos direitos humanos omissas, contribuindo para a manutenção deste sistema carcerário estúpido. Relevam o cumprimento da pena e defendem os excessos de regalias para os presos. Impedem castigos para os atos desumanos infringidas de preso a preso. E não criticam o poder que lhes subvenciona.
Por causa desse estranho acumpliciamento, não haverá punição para os culpados, detentos, policiais, a delegada, a juíza, a secretária e a governadora. A impunidade é a regra geral. Os responsáveis não pagarão seus crimes. A menina – suspeita de um furto – levará pelo resto da vida o sofrimento, agressões, estupro e humilhação; enquanto a governadora Ana Júlia será homenageada na próxima reunião do PT e posteriormente condecorada pelo Presidente-Pelego com a comenda do Mérito Nacional. Do mérito deles.
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