Artigo saído n’ O Jornal de Hoje

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Biografia escrita por um analfabeto

 MIRANDA SÁ, jornalista (mirandasa@uol.com.br)

 Confesso: sou um analfabeto na ciência que estuda a alma humana. Aliás, nem sei mesmo se é certo falar em “alma humana”, porque os homens santos do hinduísmo, bramanismo e budismo ensinam que os seres, animais, vegetais e até metais ferrosos e não ferrosos teem também alma.

Sem ver o que há por dentro do corpo material é impossível conhecer a psicopatologia de uma pessoa digna de ser biografada. Mais além dos princípios espirituais há a imagem fotográfica daquele que deve ser objeto de estudo. Lendo biografias, destacam-se marcas e expressões pessoais, traços físicos e até gestos, caretas e esgares.

As momices de Hitler que Charles Chaplin caricaturou genialmente, o queixo de Mussolini, o charuto de Churchil, os óculos de Roosevelt e o bigodão de Stálin são perfis inesquecíveis para a geração do após-guerra de 1939-1945.

No Brasil, temos o sorriso de Getúlio Vargas, a gesticulação de Carlos Lacerda, o sotaque carregado de Brizola e, mais recentemente, o olhar injetado de ódio de Collor, o ar professoral de Fernando Henrique e a fala astuta de Lula da Silva, este, que eu gostaria de biografar.

Descrevê-lo, sem entrar no documentário repetitivo da entrada na vida sindical através de um irmão comunista, sua transformação em pelego internacional – às ordens da Volkswagen -, e agente político do general Golbery do Couto e Silva.

Gostaria de fazer breves traços, um croqui, da personalidade que se distanciou dos interesses nacionais, traindo o discurso antigo – que desprezou como “bravatas” – mas manteve curiosamente uma ligação com o povo graças à extraordinária empatia e um discurso impostor e ilusório.

Eu também queria realçar com cores vivas, a extrema capacidade de apreender as fraquezas das pessoas que o cercam. Essa qualidade deu-lhe as condições objetivas de anestesiar as organizações de base à sociedade civil, cooptando as entidades sindicais, estudantis e populares, corrompendo os seus dirigentes.

Assim eu chegaria a pouco mais da metade da descrição analítica do eminente personagem. E daí em diante é que me perco confuso para analisar seu comportamento atual de cara lavada, sem bigode e sem barba, na plenitude do poder e na garantia de que fala o destemido jornalista Pedro Porfírio, de legar uma fortuna aos filhos, netos e bisnetos.

O nosso ator – que indiscutivelmente escreverá um controvertido capítulo da História do Brasil – acaba de enterrar um dos seres por ele criado, o Partido dos Trabalhadores. E fez isto sem dó nem piedade, porque o PT mereceu a desgraça, porque deu início ao aniquilamento próprio, a partir da reforma da Previdência.

Se a traição nacional partiu de Lula, com a entrega do Banco Central do Brasil à oligarquia financeira internacional, o partido deixou de ser “dos Trabalhadores” para render-se ao Deus Mercado. Abriu perspectivas para ferir a CLT, fala em reduzir a contribuição patronal para a Previdência e, aliado aos 300 picaretas, trama a volta da CPMF.

Do alto dos 101% de popularidade nas pesquisas de opinião pública, Lula da Silva impõe ao povo brasileiro os mais altos impostos do mundo em nome de uma política social que nada mais é do que o assistencialismo populista barato das repúblicas bananas.

Se um dia a biografia em estudo for publicada, será um estudo feito à luz do materialismo histórico, esperando viver uns anos mais para registrar o nascimento, ascensão, a bem-aventurança, decadência e queda de um truão, pelego desavergonhado que enganou um povo por muito tempo.

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