Poesia
De que riem os poderosos
De que riem os poderosos?
Tão gordos e melosos?
Tão cientes e ociosos?
Tão eternos e onerosos?
Por que riem atrozes
Como olímpicos algozes,
Enfiando em nossos tímpanos
Seus alaridos e vozes?
De que ri o sinistro ministro
Com sua melosa angustia
E gordurosa fala?
Por que tão eufemístico
Exibe um riso político
Com seus números e levíticos,
Com recursos estatísticos
Fingindo gerar o gênesis,
Mas criando o apocalipse?
Riem místicos? Ou terrenos?
Riem, com seus mistérios gozosos,
Esses que fraudulentos
Em seus misteres gasosos?
Riem sem dó? Em dó maior?
Ou operísticos gargalham
Aos gritos como gralhas
Até ter dor no peito,
Até dar nó nas tripas
Em desrespeito?
Ah, como esse riso de ogre
Empesteia de enxofre
O desjejum do pobre.
Riem à tripa forra?
Riem só com a boca? Riem sobre a magreza dos súditos
Famintos de realeza? Riem da entrada
E riem mais
– na sobremesa?
Mas de tanto riem juntos
Por que choram a sós,
Convertendo o eu dos outros
Num cordão de tristes nós
Affonso Romano de Sant’Anna
O Poeta
Affonso Romano de Sant’ Anna (Belo Horizonte MG, 1937) formou-se bacharel em Letras Neolatinas na Faculdade de Filosofia da UFMG, em 1962. Em 1964, tornou-se doutor em Literatura Brasileira pela UFMG, com tese sobre Carlos Drummond de Andrade. No ano seguinte seria publicado seu primeiro livro de poesia, Canto e Palavra. Na época, já trabalhava como colaborador em periódicos como Estado de Minas Gerais, Diário de Minas, Tendência e Leitura.
Entre 1970 e 1983 foi diretor do Departamento de Letras e Artes da PUC/RJ, onde organizou a Expoesia (1973), espaço de encontro das novas correntes poéticas da década de 1970. Na década seguinte foi professor na Universidade do Texas (Estados Unidos), na Universidade de Colônia (Alemanha) e na Universidade de Aix-en-Provence (França).
Entre 1990 e 1996 foi presidente da Fundação Biblioteca Nacional. Publicou vários livros de ensaios e crônicas. A poesia de Affonso Romano de Sant’Anna, de tendência contemporânea, é influenciada pela obra de Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Manuel Bandeira, Mário de Andrade.
Para o crítico Donaldo Schuller, “a palavra, por construir, por reunir, por contestar, tem nos versos de Affonso ressonância helênica, traço de união entre corpos, entre o corpo e o universo.”.
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