A direita útil
Com a escalada hipócrita dos bem pensantes, alguns atos necessários vão ficando a cargo dos reacionários.
Em seu salvacionismo progressista, os cultos querem acabar com a injustiça social na marra. A reserva de cotas para negros e outras minorias nas universidades é uma dessas boas intenções infernais. E quem é contra é elitista, neoliberal, reacionário.
Até existe o debate, mas não se tem notícia de algum “civilizado” que tenha tido coragem de assumir uma providência frontal contra essa panacéia. Sobrou então para o brucutu.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concedeu liminar suspendendo a política de cotas nas universidades do estado. O autor da ação foi o deputado Flávio Bolsonaro, filho do reacionário militante Jair Bolsonaro, representante da caserna no Congresso Nacional. A estirpe é embaraçosa, as razões são cristalinas.
O deputado de direita argumenta que o sistema de cotas acirra a discriminação na sociedade. Os teóricos do humanismo vão dizer que isso é coisa de quem está se lixando para os desfavorecidos. Tudo bem. Mas ouçam as dezenas de estudantes que estão na Justiça porque perderam suas vagas no ensino superior por não terem pele negra. Perguntem o que eles estão achando dessa política solidária.
Nesses jovens, e nas centenas de outros na mesma situação, o sentimento menos provável neste momento é a solidariedade.
Trata-se da bondade mais maldosa que se poderia conceber. Os favorecidos – negros, estudantes de escolas públicas ou outra “categoria” – ficam entre dois estigmas: se são pouco preparados, sofrerão com as dificuldades de aprendizado e o carimbo de caroneiros; se são bem preparados, seu mérito próprio sumirá sob a benesse.
Se fazer justiça social fosse simples assim, o mercado de trabalho já teria que estar dividido como uma pizza gigante. Fatias raciais, genéticas e econômicas resolveriam tudo.
Infelizmente, o desenvolvimento humano é um pouco mais embaixo. Ou mais em cima. Criar oportunidades é fundamental. Decretá-las é mortal.
O que será que pensa do sistema de cotas um bom professor negro do ensino público fundamental que ganha uma miséria? Talvez ele pense: trocaram o meu trabalho por uma canetada vistosa.
As cotas são um caminho artificial, perigoso, e é sintomático que o embargo judicial delas atenda a uma ação da ala reacionária. A modernidade está decididamente andando para trás.
Guilherme Fiúza, jornalista e escritor
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