Poesia

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 UM CHAMADO JOÃO (Um sertanejo universal)

 

 

 João era fabulista?

fabuloso?

fábula?

Sertão místico disparando

no exílio da linguagem comum?

 

Projetava na gravatinha

a quinta face das coisas,

inenarrável narrada?

Um estranho chamado João

para disfarçar, para farçar

o que não ousamos compreender?

Tinha pastos, buritis plantados

no apartamento?

no peito?

Vegetal ele era ou passarinho

sob a robusta ossatura com pinta

de boi risonho?

 

Era um teatro

e todos os artistas

no mesmo papel,

ciranda multívoca?

João era tudo?

tudo escondido, florindo

como flor é flor, mesmo não semeada?

Mapa com acidentes

deslizando para fora, falando?

Guardava rios no bolso,

cada qual com a cor de suas águas?

sem misturar, sem conflitar?

E de cada gota redigia nome,

curva, fim,

e no destinado geral

seu fado era saber

para contar sem desnudar

o que não deve ser desnudado

e por isso se veste de véus novos?

 

Mágico sem apetrechos,

civilmente mágico, apelador

de precípites prodígios acudindo

a chamado geral?

Embaixador do reino

que há por trás dos reinos,

dos poderes, das

supostas fórmulas

de abracadabra, sésamo?

Reino cercado

não de muros, chaves, códigos,

mas o reino-reino?

Por que João sorria

se lhe perguntavam

que mistério é esse?

 

E propondo desenhos figurava

menos a resposta que

outra questão ao perguntante?

Tinha parte com… (não sei

o nome) ou ele mesmo era

a parte de gente

servindo de ponte

entre o sub e o sobre

que se arcabuzeiam

de antes do princípio,

que se entrelaçam

para melhor guerra,

para maior festa?

 

Ficamos sem saber o que era João

e se João existiu

de se pegar.

 

 

Carlos Drummond de Andrade

 

(publicado originalmente no Correio da Manhã, em 22/11/1967, três dias após a morte de Guimarães Rosa)

 

 

O Poeta

 

Guimarães Rosa (1908-1967) nasceu em Cordisburgo (MG). Aos seis anos, começou sozinho a estudar francês. Em 1917, com a chegada de um frade holandês à cidade, continuou o aprendizado de francês e, de quebra, iniciou-se no holandês. Estudou, depois, em Belo Horizonte, no Colégio Arnaldo, dirigido por padres alemães. Foi o suficiente para que ele também se interessasse pelo alemão.

 

Numa entrevista, Guimarães Rosa disse, certa vez: “Falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do tcheco, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal.

 

E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração.”

 

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