Poesia

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POSSIBILIDADES

 

 

Prefiro cinema.

 

Prefiro gatos.

 

Prefiro os carvalhos nas margens do Warta.

 

Prefiro Dickens a Dostoiévski.

 

Prefiro-me gostando dos homens

 

em vez de estar amando a humanidade.

 

Prefiro ter uma agulha preparada com a linha.

 

Prefiro a cor verde.

 

Prefiro não afirmar

 

que a razão é culpada de tudo.

 

Prefiro as exceções.

 

Prefiro sair mais cedo.

 

Prefiro conversar com os médicos sobre outra coisa.

 

Prefiro as velhas ilustrações listradas.

 

Prefiro o ridículo de escrever poemas

 

ao ridículo de não os escrever.

 

No amor prefiro os aniversários não redondos

 

para serem comemorados cada dia.

 

Prefiro os moralistas,

 

que não me prometem nada.

 

Prefiro a bondade esperta à bondade ingênua demais.

 

Prefiro a terra à paisana.

 

Prefiro os países conquistados ao países conquistadores.

 

Prefiro ter objeções.

 

Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.

 

Prefiro os contos de fada de Grimm às manchetes de jornais.

 

Prefiro as folhas sem flores às flores sem folhas.

 

Prefiro os cães com rabo não cortado.

 

Prefiro olhos claros porque os tenho escuros.

 

Prefiro as gavetas.

 

Prefiro muitas coisas que aqui não disse,

 

a outras tantas não mencionadas aqui.

 

Prefiro os zeros à solta

 

a tê-los numa fila junto ao algarismo.

 

Prefiro o tempo do inseto ao tempo das estrelas.

 

Prefiro isolar.

 

Prefiro não perguntar quanto tempo ainda e quando.

 

Prefiro levar em consideração até a possibilidade

 

do ser ter a sua razão.

 

 

Wislawa Szymborska

 

 A Poetisa

 

 

Poetisa polonesa (1923), premiada em 1996 com o Nobel de Literatura. Escreveu Chamada de Yéti (1957) e O sal (1962). O poema Possibilidades, escrito em 1996, é uma espécie de auto-retrato da autora.

 

De linguagem simples e coloquial, é uma das mais acessíveis vozes da poesia do Leste Europeu. Ela própria define seu estilo como “uma mistura do sublime e da linguagem comum”. Seus poemas, no entanto, conduzem o leitor a dolorosas questões da condição humana, como a evidência de sermos muito pouco, ou nada, diante da História.

 

 

Fonte: História da literatura polonesa, de Henryk Siewierski, Editora UnB, 2000.

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