Poesia

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Não quero outro amor


“Eu não quero outro amor; não quer a abelha

Um novo cetro se o primeiro cai;

Iramaia viúva nos desertos,

Peregrina chorando — a morte atrai.

Eu não quero outro amor; sou como o cervo

Que a raiz encontrou no jibatã;

Ali se abriga na floresta escura,

Lá viu-o a noite, e vê-lo-á a manhã.

Eu não quero outro amor; não quer a paca

Mais de um caminho, procurando o rio,

Ali a espera o caçador malvado,

Ali ferida, soluçou, caiu.

Eu não quero outro amor — sou como o índio

Que caminha buscando o Taracuá:

Afeito ao fogo da escolhida planta

Vai andando e rejeita o Biribá.

Eu não quero outro amor — não quer a planta

Outra seiva, outro sol, estranho chão:

Não cresce longe, mas definha e prende

Amando o sol que encubara o grão.

Eu não quero outro amor; sou como a seta

Que num vôo somente corta o ar;

Se perde o golpe tomba logo inerte

Entra o índio sem caça o tijupar.

Eu a vítima fui da seta ervada,

De plumas verdes, venenoso fio;

Mas não quero outro amor, ajoelho e beijo

O pó da campa que este amor abriu.

Porque eu sou como a abelha que rejeita

Um novo cetro se o primeiro cai;

Iramaia perdida nos desertos

Peregrina, chorando a morte atrai.”

Castro Alves


O Poeta


Aos quatorze dias do mês de março, no ano de 1847, nasceu Antônio de Castro Alves, na fazenda Cabaceiras, a sete léguas da vila de Curralinho, hoje cidade de Castro Alves. Era filho do Dr. Antônio José Alves e D. Clélia Brasília da Silva Castro.

Passou a infância no sertão natal, e em 54 iniciou os estudos na capital baiana. Aos dezesseis anos foi mandado para o Recife. Ia completar os preparatórios para se habilitar à matrícula na Academia de Direito. A liberdade aos 16 anos é coisa perigosa. O poeta achou a cidade insípida. Como ocupava os seus dias? Disse-o em carta a um amigo da Bahia: “Minha vida passo-a aqui numa rede olhando o telhado, lendo pouco fumando muito. O meu ‘cinismo’ passa a misantropia. Acho-me bastante afetado do peito, tenho sofrido muito. Esta apatia mata-me. De vez em quando vou à Soledade.” Que era a Soledade? Um bairro do Recife, onde o poeta tinha uma namorada.

O resultado dessa vadiagem foi a reprovação no exame de geometria. Mas em 64 consegue o adolescente matricular-se no Curso Jurídico. Se era tido por mau estudante, já começava a ser notado como poeta. Em 62 escrevera o poema “A Destruição de Jerusalém”, em 63 “Pesadelo”, “Meu Segredo”, já inspirado pela atriz Eugênia Câmara, “Cansaço”, “Noite de Amor”, “A Canção do Africano” e outros. Tudo isso era, verdade seja, poesia muito ruim ainda. O menino atirava alto. “A poesia”, dizia, “é um sacerdócio — seu Deus, o belo — seu tributário, o Poeta.”

O Poeta derramando sempre uma lágrima sobre as dores do mundo. “É que”, acrescentava, “para chorar as dores pequenas, Deus criou a afeição, para chorar a humanidade — a poesia.” Mas, no dia 9 de novembro de 1864, ao toque da meia-noite, na sotéia em que morava, o poeta, que sem dúvida se balançava na rede, fumando muito, sentiu doer-lhe o peito, e um pressentimento sinistro passou-lhe na alma. Pela primeira vez ia beber inspiração nas fontes da grande poesia: essa a importância do poema “Mocidade e Morte” na obra de Castro Alves.

Uma dor individual, dessas para as quais “Deus criou a afeição”, despertou no poeta os acentos supremos, que ele depois saberá estender às dores da humanidade, aos sofrimentos dos negros escravos (O Navio Negreiro), ao martírio de todo um continente (Vozes d’África). Não era mais o menino que brincava de poesia, era já o poeta-condor, que iniciava os seus vôos nos céus da verdadeira poesia.

Naquela mesma noite escreve o poema, tema pessoal, logo alargado na antítese mocidade-morte, a mocidade borbulhante de gênio, sedenta de justiça, de amor e de glória, dolorosamente frustrada pela morte sete anos depois.

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