Poesia
Kremme
Foi um dia de kremesse.
Depois de rezá três prece
Pra que os santo me ajudasse,
Deus quis que nós se encontrasse
Pra que nós dois se queresse,
Pra que nós dois se gostasse.
Inté os sinos dizia
Na matriz da freguezia
Que embora o tempo corresse,
Que embora o tempo passasse,
Que nós sempre se queresse,
Que nós sempre se gostasse.
Um dia, na feira, eu disse
Com a voz cheia de meiguice
Nos teus ouvido, bem doce:
Rosinha si eu te falasse…
Si eu te beijasse na face…
Tu me dás-se um beijo? — Dou-se.
E toda a vez que nos vemo,
A um só tempo perguntemo
Tu a mim, eu a vancê:
Quando é que nós se casemo,
Nós que tanto se queremo,
Pro que esperamos pro quê?
Vancê não falou comigo
E eu com vancê, pro castigo,
Deixei de falá também,
Mas, no decorrê dos dia,
Vancê mais bem me queria
E eu mais te queria bem.
— Cabôco, vancê não presta,
Vancê tem ruga na testa,
Veneno no coração.
— Rosinha, vancê me xinga,
Morde a surucucutinga,
Mas fica o rasto no chão.
E de uma vez, (bem me lembro!)
Resto de safra… Dezembro…
Os carro afundando o chão.
Veio um home da cidade
E ao curuné Zé Trindade
Foi pedi a sua mão.
Peguei no meu cravinote
Dei quatro ou cinco pinote
Burricido como o quê,
Jurgando, antes não jurgasse,
Que tu de mim não gostasse,
Quando eu só amo a vancê.
Esperei outra kremesse
Que o seu vigário viesse
Pra que nós dois se casasse.
Mas Deus não quis que assim sesse
Pro mais que nós se queresse
Pro mais que nós se gostasse.
Olegário Mariano
O Poeta
Olegário Mariano (Recife PE, 1889 – Rio de Janeiro RJ, 1958) estudou no Ginásio Pio-Americano, no Rio de Janeiro; concluiu o curso em 1904. Em 1910 tornou-se colaborador na revista Fon-Fon.
Publicou seu primeiro livro de poesia, Visões de Moço, em 1906. Seguiram-se Angelus (1911), Evangelho da Sombra e do Silêncio (1911/1912), Últimas Cigarras (1915), Água Corrente (1918), Cidade Maravilhosa (1923), Castelos na Areia (1923), Ba-Ta-Clan (1924).
Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras em 1926. Entre 1924 e 1932, aproximadamente, publicou crônicas em verso, sob o pseudônimo de João da Avenida, nas revistas cariocas Careta e Para Todos. Escreveu as revistas teatrais Laranja da China e Brasil Maior em 1929 e 1930.
Em 1933 elegeu-se deputado, e atuou como censor teatral. Foi delegado na Conferência Interacadêmica de Lisboa para o Acordo Ortográfico, realizada em Portugal, em 1945. Em 1953, trabalhou como embaixador do Brasil em Portugal. Sua obra poética inclui ainda os livros Cantigas de Encurtar Caminho (1949) e Toda Uma Vida de Poesia, entre outros.
Produziu poemas parnasianos, canções populares e poesia infantil. Segundo o crítico Fernando Góes, “lírico incorrigível, como ele próprio confessou, seus versos, que falam quase sempre de amores tristes, que cantam a vida boêmia e melancólica das cigarras, que evocam aspectos do Rio, para onde se transferiu muito moço, são simples, correntios, puros, sem nenhum artifício de forma, sem nenhuma preocupação de escolas.”.
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