Fala aos muçulmanos
Discurso de Obama: lúcido e ingênuo; irreal e justo
Uma lufada de ar fresco, um momento de lucidez no meio da irracionalidade da longa guerra do Oriente Médio. Isso foi o discurso do presidente Barack Obama no Cairo. Mas há momentos em que é inevitável para quem lê o discurso com atenção, a sensação de estar diante de alguém justo, mas ingênuo. Falar de direitos da mulher em países onde elas não têm os mais elementares direitos, falar em democracia quando o maior aliado dos Estados Unidos na área tem uma monarquia totalitária, criticar os assentamentos de Israel em território palestino quando o governo israelense dá uma guinada para mais à direita. Tudo parece irreal e inutil.
É verdade. Mas não foram os realistas que fizeram o mundo ter conquistas inesperadas. No trecho em que ele diz que os palestinos não devem usar a violência para resistir, a sensação de estar diante de um ingênuo é ainda maior. Mas aí Barack Obama nos traz à realidade do sonho: lembra que os negros escravizados e depois discriminados nos Estados Unidos conquistaram os direitos civis através da resistência pacífica.
Obama mesmo avisa que “um simples discurso não pode erradicar anos de desconfiança”. Pois é, não pode. Mas só por causa disso o discurso não deve ser feito?
Li assim, com esta sensação mista, o discurso de Obama no Cairo. Sei que ele pede o impossível, mas é bom o sentimento de ouvir o pedido. Ele disse que os Estados Unidos e o mundo muçulmano devem se respeitem e se dar uma nova chance, que a guerra do Afeganistão não foi uma escolha, mas sim a reação a três mil mortos do 11 de setembro, mas que a guerra do Iraque foi uma escolha da qual ele discorda. E quer tirar de lá as moças e rapazes e deixar o Iraque para os Iraquianos.
Que israelenses e palestinos sofreram dores parecidas, a de viver sem uma terra sua, e que ambos precisam ter direito a seu território. Que a situação em que vivem os palestinos é intolerável. Que a democracia não é apenas votar, mas que deve ser um ideal a buscar. Que mulheres e homens são iguais. Que os muçulmanos participaram da construção dos Estados Unidos, lutaram lutas americanas, ajudam a fazer a riqueza da América, são parte do povo americano. As idéias – inegavelmente boas – vão sendo postas assim, uma após a outra.
Sim, o discurso soa ingênuo várias vezes. Mas é boa a sensação de ouvi-lo, princialmente quando ainda não esquecemos todo o obscurantismo da era Bush.
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