Desleixo sanitário
É com desleixo que algumas autoridades da área de controle sanitário do rebanho nacional estão tratando a questão da febre aftosa detectada há cerca de dois anos e meio em algumas regiões e que continua a criar dificuldades para as exportações brasileiras de carne. No plano internacional, para manter e expandir as exportações, o governo tenta convencer os grandes importadores de que o produto nacional é saudável.
No plano interno, porém, ressurgem problemas que tanto preocuparam os compradores de carne brasileira e que pareciam resolvidos. A reportagem de José Maria Tomazela, publicada domingo pelo Estado, descreve um quadro preocupante, no momento em que estão prestes a entrar em vigor medidas fortemente restritivas impostas pela União Européia (UE) à carne brasileira. Missão técnica da UE que esteve no Brasil em novembro para examinar a situação sanitária do rebanho nacional constatou que uma das mais “sérias e repetidas” deficiências do sistema brasileiro era o controle da movimentação e da identificação dos animais.
O que a reportagem deixou claro é que, numa região crítica – a da fronteira com o Paraguai -, as autoridades brasileiras relaxaram o controle, que já era considerado ineficiente pelos principais compradores da carne brasileira (a UE absorve cerca de um terço do total do produto exportado pelo Brasil). Desde o surgimento dos primeiros focos de febre aftosa em Mato Grosso do Sul, as autoridades sanitárias atribuíram o problema a animais vindos do país vizinho. A reportagem constatou, na semana passada, que animais circulavam livremente na Linha Internacional, a faixa de fronteira entre os dois países.
No único posto de fiscalização que ainda funciona na região, entre Mundo Novo e Guaíra, os fiscais participavam de um churrasco no horário de trabalho. Outro foi depredado e está em ruínas. Em Guaíra, um moderno posto construído pelo governo do Paraná, em parceria com o Ministério da Agricultura, foi inaugurado em agosto de 2007, mas funcionou só por três meses, pois o pavimento afundou e nada se fez até agora para recuperá-lo. O primeiro foco de febre aftosa foi detectado numa fazenda no município de Eldorado (MS), o que levou o governo a interditar essa fazenda e propriedades vizinhas.
Novos focos surgiram pouco depois nos municípios de Japorã e Novo Mundo. Para evitar que a doença se alastrasse, o governo determinou o abate dos animais das fazendas onde ela foi detectada. Mas a aftosa foi detectada também em São Sebastião da Amoreira, no noroeste do Paraná. Atribuiu-se a doença à entrada clandestina no País de gado contaminado vindo do Paraguai – daí a importância do controle estrito do trânsito de animais pela fronteira. No fim de novembro, o Brasil recebeu uma boa notícia. Depois de quase dois anos de embargo, a Rússia decidiu voltar a importar carnes bovina e suína de oito Estados.
A Rússia é o país que mais importa carne brasileira (absorve 15% das exportações de carne bovina e 70% das de carne suína). É possível que, com a suspensão do embargo russo, algumas autoridades brasileiras da área de controle sanitário tenham acreditado que o problema estava resolvido. Se foi isso, essas autoridades se enganaram. Por causa do deficiente controle da movimentação do rebanho brasileiro, a UE decidiu, em dezembro último, limitar drasticamente o número de fazendas do País autorizadas a fornecer carne para o mercado europeu. Essas restrições entram em vigor no dia 31 de janeiro. A partir dessa data, a UE aceitará apenas o produto originário de fazendas pré-selecionadas e que devem seguir, conforme nota divulgada no mês passado, “as exigências de importação da UE e atender a critérios estritos”.
Outra missão européia deve voltar em março para verificar se essas propriedades estão cumprindo as exigências e, eventualmente, autorizar que outras fazendas exportem para a UE. O resultado dessa inspeção pode ser a imposição de mais restrições.A reportagem do Estado confirma o que já se sabia, ou seja, que o governo é incapaz de articular as ações públicas na área de defesa animal – que envolvem mais de um Ministério e os governos estaduais – e de manter durante o tempo necessário uma vigilância eficiente nas áreas críticas.
Fonte: Fernando Gabeira
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