Poesias
Charles Baudelaire
Embriagai-vos!
Deveis andar sempre embriagados. Tudo consiste nisso: eis a única questão. Para não sentirdes o fardo horrível do Tempo, que vos quebra as espáduas, vergando-vos para o chão, é preciso que vos embriagueis sem descanso.
Mas, com quê? Com vinho, poesia, virtude. Como quiserdes. Mas, embriagai-vos.
E si, alguma vez, nos degraus de um palácio, na verde relva de uma vala, na solidão morna de vosso quarto, despertardes com a embriaguez já diminuída ou desaparecida, perguntai ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo que gene, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai que horas são. E o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio vos responderão:
– É a hora de vos embriagardes! Para não serdes escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos! Embriagai-vos sem cessar! Com vinho, poesia, virtude! Como quiserdes!
- Comentários desativados em Charles Baudelaire
- Tweet This !
Paul Verlaine
CANÇÃO DO OUTONO
Os soluços graves
Dos violinos suaves
Do outono
Ferem a minh’alma
Num langor de calma
E sono.
Sufocado, em ânsia,
Ai! quando à distância
Soa a hora,
Meu peito magoado
Relembra o passado
E chora.
Daqui, dali, pelo
Vento em atropelo
Seguido,
Vou de porta em porta,
Como a folha morta
Batido…
- Comentários desativados em Paul Verlaine
- Tweet This !
Mario Quintana
SIMULTANEIDADE
– Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver!
– Você é louco?
– Não, sou poeta.
- Comentários desativados em Mario Quintana
- Tweet This !
William Buttler Yeats
Aquela não é terra para velhos. Gente
jovem, de braços dados, pássaros nas ramas
— gerações de mortais — cantando alegremente,
salmão no salto, atum no mar, brilho de escamas,
peixe, ave ou carne glorificam ao sol quente
tudo o que nasce e morre, sêmen ou semente.
Ao som da música sensual, o mundo esquece
as obras do intelecto que nunca envelhece.
Um homem velho é apenas uma ninharia,
trapos numa bengala à espera do final,
a menos que a alma aplauda, cante e ainda ria
sobre os farrapos do seu hábito mortal;
nem há escola de canto, ali, que não estude
monumentos de sua própria magnitude.
Por isso eu vim, vencendo as ondas e a distância,
em busca da cidade santa de Bizâncio.
Ó sábios, junto a Deus, sob o fogo sagrado,
como se num mosaico de ouro a resplender,
vinde do fogo santo, em giro espiralado,
e vos tornai mestres-cantores do meu ser .
Rompei meu coração, que a febre faz doente
e, acorrentado a um mísero animal morrente,
já não sabe o que é; arrancai-me da idade
para o lavor sem fim da longa eternidade.
Livre da natureza não hei de assumir
conformação de coisa alguma natural,
mas a que o ourives grego soube urdir
de ouro forjado e esmalte de ouro em tramas,
para acordar do ócio o sono imperial;
ou cantarei aos nobres de Bizâncio e às damas,
pousado em ramo de ouro, como um pássaro,
o que passou e passará e sempre passa.
(Trecho de Velejando para Bizâncio, de William Buttler Yeats. Tradução de Augusto de Campos)
- Comentários desativados em William Buttler Yeats
- Tweet This !
Carlos Drummond de Andrade
Cidadezinha qualquer
Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar… as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus.
*De Alguma poesia (1930)
- Comentários desativados em Carlos Drummond de Andrade
- Tweet This !
Manoel de Barros
O apanhador de desperdícios
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
- Comentários desativados em Manoel de Barros
- Tweet This !
Carlos Drummond de Andrade
Ausência
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
- Comentários desativados em Carlos Drummond de Andrade
- Tweet This !
Cora Coralina
Não Sei
Não sei se a vida é curta ou longa para nós,
mas sei que nada do que vivemos tem sentido,
se não tocarmos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser: colo que acolhe,
braço que envolve, palavra que conforta,
silencio que respeita, alegria que contagia,
lágrima que corre, olhar que acaricia,
desejo que sacia, amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo,
é o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela não seja nem curta,
nem longa demais, mas que seja intensa,
verdadeira, pura enquanto durar.
Feliz aquele que transfere o que sabe
e aprende o que ensina”.
- Comentários desativados em Cora Coralina
- Tweet This !
Fernando Pessoa
Quando as Crianças Brincam
Quando as crianças brincam
E eu as oiço brincar,
Qualquer coisa em minha alma
Começa a se alegrar.
E toda aquela infância
Que não tive me vem,
Numa onda de alegria
Que não foi de ninguém.
Se quem fui é enigma,
E quem serei visão,
Quem sou ao menos sinta
Isto no coração.
- Comentários desativados em Fernando Pessoa
- Tweet This !
Mário Quintana
Emergência
Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo —
para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.
- Comentários desativados em Mário Quintana
- Tweet This !
Comentários Recentes