Poesia

João Cabral de Melo Neto

O Engenheiro

A luz, o sol, o ar livre
envolvem o sonho do engenheiro.
O engenheiro sonha coisas claras:
superfícies, tênis, um copo de água.

O lápis, o esquadro e o papel:
o desenho, o projeto, o número:
o engenheiro pensa o mundo justo,
mundo que nenhum véu encobre.

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George Orwell

“A massa mantém a marca, a marca mantém a mídia e a mídia controla a massa.”

Oscar Wilde

Désespoir
As estações deixam, ao passar, sua ruína,
E pois, na Primavera, o narciso que abre
Só murcha quando a rosa em chama rubra arde,
E as violetas roxas florem no Outono,
E o croco faz no Inverno a neve estremecer;
Assim hão-de florir de novo os lenhos nus
E este barro gris enverdecer de chuva
E dar boninas, que um moço há-de colher.

Mas que dizer da vida cujo mar faminto
A nossos pés escorre, e das noites sem sol
Toldando os dias de que não resta esp’rança?
A ambição, o amor, tudo o que penso ou sinto,
Cedo é perdido, e há que achar prazer tão-só
Nas espigas ressequidas da morta lembrança.
.

Walt Witman

Escuto a América a Cantar

Escuto a América a cantar, as várias canções que escuto;
O cantar dos mecânicos – cada um com sua canção, como deve ser, forte e contente;
O carpinteiro cantando a sua, enquanto mede a tábua ou viga,
O pedreiro cantando a sua, enquanto se prepara para o trabalho ou termina o trabalho;
O barqueiro cantando o que pertence a ele em seu barco – o assistente cantando no deque do navio a vapor;
O sapateiro cantando sentado em seu banco – o chapeleiro cantando de pé;
O cantar do lenhador – o jovem lavrador, em seu rumo pela manhã, ou no intervalo do almoço, ou ao por-do-sol;
O delicioso cantar da mãe – ou da jovem esposa ao trabalho – ou da menina costurando ou lavando – cada uma cantando o que lhe pertence, e a ninguém mais;
O dia, ao que pertence ao dia – De noite, o grupo de jovens, robustos, amigáveis,
Cantando, de bocas abertas, suas fortes melodiosas canções

T. S. Eliot

 O Nome dos Gatos

 

Dar nome aos gatos é um assunto traiçoeiro,

E não um jogo que entretenha os indolentes;

Pode julgar-me louco como o chapeleiro,

Mas a um gato se dá TRÊS NOMES DIFERENTES.

Primeiro, o nome por que o chamam diariamente,

Como Pedro, Augusto, Belarmino ou Tomás

Como Victor ou Jonas, Jorge ou Clemente

– Enfim nomes discretos e bastante usuais.

Há mesmo os que supomos soar com som mais brando,

Uns para damas, outro para cavalheiros,

Como Platão, Admetus, Electra, Demétrio

Mas são todos discretos e assaz corriqueiros

Mas a um gato cabe dar um nome especial

Um que lhe seja próprio e menos correntio:

Se não como manter a cauda em vertical,

Distender os bigodes e afagar o brio?

Dos nomes desta espécie é bem restrito o quorum,

Como Quaxo, Munkunstrap ou Coricopato,

Como Bombalurina, ou mesmo Jellylorum…

Nomes que nunca pertencem a mais de um gato.

Mas, acima e além, há um nome que ainda resta,

Este de que jamais ninguém cogitaria,

O nome que nenhuma ciência exata atesta

SOMENTE O GATO SABE, mas nunca o pronuncia.

Se um gato surpreenderes com ar meditabundo,

Saibas a origem do deleite que o consome:

Sua mente se entrega ao êxtase profundo

De pensar, de pensar, de pensar em seu nome:

Seu inefável afável

Inefanefável

Abismal, inviolável e singelo Nome.

Trad: Ivan Junqueira

Rainer Maria Rilke

A Pantera

(No Jardin des Plantes, Paris)

De tanto olhar as grades seu olhar
esmoreceu e nada mais aferra.
Como se houvesse só grades na terra:
grades, apenas grades para olhar.

A onda andante e flexível do seu vulto
em círculos concêntricos decresce,
dança de força em torno a um ponto oculto
no qual um grande impulso se arrefece.

De vez em quando o fecho da pupila
se abre em silêncio. Uma imagem, então,
na tensa paz dos músculos se instila
para morrer no coração.

Rainer Maria Rilke )
(tradução de Augusto de Campos)

 

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Jorge Luis Borges

A LUIS DE CAMÕES

Sem lástima e sem ira o tempo vela
As heróicas espadas. Pobre e triste
Em tua pátria nostálgica te viste,
Oh capitão, para enterrar-te nela

E com ela. No mágico deserto
A flor de Portugal tinha perdido
E o áspero espanhol, antes vencido,
Ameaçava o seu costado aberto.

Quero saber se aquém dessa ribeira
Última compreendeste humildemente
Que tudo o que se foi, o Ocidente

E o Oriente, a espada e a bandeira,
Perduraria (alheio a toda a humana
Mudança) na tua Eneida Lusitana.

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Elizabeth Bishop

Uma certa arte 

A arte da perda é fácil de estudar:
a perda, a tantas coisas, é latente
que perdê-las nem chega a ser azar.

Perde algo a cada dia. Deixa estar:
percam-se a chave, o tempo inutilmente.
A arte da perda é fácil de abarcar.

Perde-se mais e melhor. Nome ou lugar,
destino que talvez tinhas em mente
para a viagem. Nem isto é mesmo azar.

Perdi o relógio de mamãe. E um lar
dos três que tive, o (quase) mais recente.
A arte da perda é fácil de apurar.

Duas cidades lindas. Mais: um par
de rios, uns reinos meus, um continente.
Perdi-os, mas não foi um grande azar.

Mesmo perder-te (a voz jocosa, um ar
que eu amo), isso tampouco me desmente.
A arte da perda é fácil, apesar
de parecer (Anota!) um grande azar.

(tradução de Nelson Ascher)

John Keats

Este Túmulo
contém tudo o que foi Mortal
de um
JOVEM POETA INGLÊS
Que
no seu Leito de Morte
na Amargura do seu Coração,
ante o Poder Malicioso dos seus inimigos,
Desejou
que estas Palavras fossem gravadas em sua Lápide
“Aqui jaz Alguém
Cujo Nome foi escrito
Na Água”

(epitáfio escolhido por Keats)

Bertolt Brecht

INTERTEXTO

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei

Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.