Balanços, promessas e simpatias

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Nesta época somos quase coagidos a fazer um balanço do que foi o ano, por causa das festas e férias, a empilhar promessas que mal serão cumpridas – emagrecer cinco quilos, ler mais livros, reencontrar aquele velho amigo – e, pior, a levar a sério as simpatias como pular ondas e comer uvas. Revistas se enchem de artigos conservadores sobre a necessidade da fé para sobreviver num mundo violento. E as TVs vêm com seus “especiais” dominados por musiquinhas açucaradas. É como se encarar a passagem de ano como um simples período de descanso, em que as crianças ficam felizes com os presentes e podemos comer e beber mais à vontade, fosse pouco. A humanidade que teima em pregar idílios é a que não sabe se satisfazer com os prazeres simples da vida. E tome xaropada, dia e noite, até a quarta-feira de cinzas…

 

A natureza e os políticos não estão nem aí para o calendário festivo. As enchentes continuam revelando a incompetência urbana em criar mais áreas permeáveis e evitar ocupação de morros. Governos como o brasileiro aproveitam a calada do réveillon para lançar pacotes que aumentem as despesas públicas e/ou os impostos que pagamos. E, por mais que desestressar seja importante, qualquer olhar realista sobre 2009 não se deixa iludir. EUA, Europa e Japão estão em recessão; emergentes como China e Brasil crescerão em ritmo bem mais lento, talvez à metade do anterior. Aqui, para complicar, a fraqueza da moeda e a dependência de commodities se traduzem num dólar alto, e a “marolinha” já provoca demissões, fugas de capital, quedas no consumo. A noção de que o Brasil cresce graças ao mercado interno foi fazer companhia a Papai Noel.

 

Coisas boas acontecem também. Barack Obama não vai realizar nem 10% do que as pessoas esperam que realize, mas, além de uma equipe experiente, ele já anunciou medidas que aliviam o mal-estar deixado por Bush, como a liberação das pesquisas com célula-tronco e o fechamento da prisão de Guantánamo. Gordon Brown, o primeiro-ministro britânico que já tinha feito o pacote mais inteligente para combater a crise financeira, declarou agora que vai tirar suas tropas do Iraque. E o problema principal da economia, a excessiva desregulamentação que permitiu até “pirâmides da sorte”, foi identificado – e só em mentes arcaicas resiste a opinião de que o capitalismo morreu, como se o mundo não estivesse melhor hoje do que estava em 1989. Como se vê nas listas de melhores livros, CDs e filmes, tampouco o apocalipse cultural previsto por fascistas e marxistas aconteceu. Há vigor e variedade, sim.

 

Contabilidades de réveillon, claro, costumam ser egoístas. Fulano quer saber se tem dinheiro no banco, mulher na cama e prestígio na sociedade, não se o país e a humanidade vão bem ou mal. Eu, por exemplo, poderia me queixar da perda de um emprego ou de outras coisas que doem no orçamento e na vaidade. Mas só posso ficar satisfeito com um ano em que fiz duas dúzias de palestras sobre Machado de Assis, inclusive para centenas de adolescentes que prestavam duas horas de atenção contínua, publiquei mais um livro e trabalhei em lugares como China e Antártica. A retórica e o consumismo dos tempos servem apenas para que se esqueça o que é substantivo – como a educação e as amizades – e o que é adjetivo. Reveja 2008, prometa pouco, deixe de crendices. O que vale nem sempre se mede.

Fonte: O Estado de S. Paulo/Daniel Piza

 

 

 

 

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