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Rio São Francisco: faltou um debate técnico

MIRANDA SÁ, jornalista
E-mail: mirandasa@uol.com.br

Por razões de toda ordem, a transposição das águas do Rio São Francisco está em todas as cabeças pensantes deste país. Políticos, teólogos, ambientalistas e artistas, correm na pista intelectual; religiosos, sindicalistas, estudantes, quilombolas e índios preenchem a faixa social; poetas, trovadores e revolucionários projetam-se liricamente para o futuro. Este Brasil brasileiro parece estar completo, mas para mim está faltando alguma coisa. Um debate técnico.

Vem de longe esta minha necessidade de ser conquistado por um dos lados que se opõem o dos que defendem intransigentemente a transposição e o dos que combatem apaixonadamente o desvio das águas do Velho Chico – o rio da integração nacional. Gostaria de argumentos científicos para tomar posição.

Minhas incertezas não são novas. Nos meus vinte anos, na era triunfalista de Juscelino Kubistcheck, ouvi falar pela primeira vez de um projeto grandioso de irrigação do polígono das secas. O Clube de Engenharia realizou uma série de seminários sobre o tema. Lá, na sede do clube, ouvi a exposição de uns engenheiros soviéticos que realizaram estudos, percorrendo o Nordeste a convite da Frente Parlamentar Nacionalista. Assisti, também, a conferências de engenheiros e técnicos israelenses que vieram prestar assessoria ao DNOCS.

Esta minha memória foi transmitida ao jornalista Aluízio Alves, personalidade histórica do Rio Grande do Norte e então ocupante do Ministério do Interior, e entusiasta da transposição. Contei para Aluízio o plano dos russos, da construção numa primeira etapa do canal São Francisco – Parnaíba e, depois, uma obra de engenharia de interligação do sistema com o Tocantins. Um projeto grandioso de estrutura ciclópica, feito por deslumbrados que acabavam de construir a Represa de Assuan, no Alto Egito. (Que não deu certo, diga-se de passagem).

Pedi que Aluízio tentasse localizar o ex-deputado paraibano José Joffily Bezerra, que poderia contribuir com qualificação dos estudos que estavam começando. O Ministro, apesar do arrebatamento, irrequietude e pressa, produziu um importante documento descritivo e detalhado com um parecer de respeitáveis especialistas. Não sei se este material ainda rola nos birôs do PT-governo e até sugiro que os colaboradores de Aluízio na época divulguem-no. Igualmente os que têm outro modo de pensar, conceitos e opiniões diferentes do projeto lulista devem apresentá-los à opinião pública.

Um dos contestadores é o bispo de Barra, dom Luiz Cappio. Li o seu artigo saído na Folha de São Paulo e publiquei-o no meu Blog. Para defender a sua posição, dom Luiz apresenta argumentos técnicos convincentes – não contra a transposição, mas contra o projeto do Governo Lula. Ele poderia capitanear um certame nacional para esclarecimento geral, mas preferiu uma ruidosa e sensacional greve de fome.

Aí a coisa descambou para uma discussão subjetiva que envolveu todo Brasil. Até o papa Benedito escreveu uma carta a pedido de Lula apelando que o salesiano não fosse ao martírio. Ocorre que o apelo emocional produziu um ruidoso fato político, mas não esclareceu a Nação. Não chegou ao povo, nobreza e clero o pensamento dos técnicos independentes, preteridos – pelo PT-governo – por peritos pagos e até funcionários de empreiteiras interessadas em assumir as obras.

Ninguém desmascarou os argumentos balofos das “agruras da seca” e do “nordestino sofrido”, os mesmos chavões que a indústria da seca usou duzentos anos para carrear verbas para os bolsos dos coronéis e políticos desonestos. Hoje os argumentos sentimentalóides servem para as grandes empresas agroindustriais e corporações multinacionais da fruticultura que aguardam ansiosas s distribuição de água em abundância e a baixo custo…

O Supremo Tribunal Federal decidiu açodadamente, e por 6 a 3 manteve as obras de transposição do Rio São Francisco. Os três votos contrários, dos ministros Ayres de Britto, Cezar Peluso e Marco Aurélio coincidindo em pedir o aprofundamento de estudos sobre o impacto ambiental, melhor esclarecimento da concessão de licença prévia e de que cabe ao Poder Legislativo a decisão para o projeto de integração.

O Ministério Público e os ambientalistas defendem também a necessidade de aprofundar o estudo de impacto ambiental para orientar a concessão das obras. A intervenção dos cientistas, economistas, engenheiros e técnicos, e geógrafos, mostra que drenar as águas prejudicará o meio ambiente, e chegará muito cara ao destino, além de bastante deteriorada.

Enquanto isto os “teólogos chapa branca” condenam dom Luiz Cappio, ouvindo o Guia Genial que afirmou que o governo “não pode ceder” à greve de fome do religioso. “Se o Estado cede, o Estado acaba. E o Estado precisa funcionar” diz o “estadista”. De outro lado, o teólogo Geraldo Hackmann, professor da PUC-RS e único brasileiro na Comissão Teológica Internacional do Vaticano diz que a greve de fome tem amparo bíblico, pois é uma forma pacífica de se pedir uma mudança.

Saindo da metafísica para a prática, vemos que a transposição tornou-se irreversível pelo empenho pessoal de Lula da Silva, sua arrogância e autoritarismo. Somente no futuro serão avaliados objetivamente os danos causados à natureza; em curto prazo assistiremos a vitória políticas dos ocupantes do poder e os lucros carreados para o cofre dos empreiteiros e repassados a políticos corruptos.

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