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Quinto Império

 

 

Vibra, clarim, cuja voz diz.

Que outrora ergueste o grito real

Por D. João, Mestre de Aviz,

E Portugal!

Vibra, grita aquele hausto fundo

Com que impeliste, como um remo,

Em El-Rei D. João Segundo

O Império extremo!

 

Vibra, sem lei ou com lei,

Como aclamaste outrora em vão

O morto que hoje é vivo — El-Rei 

D. Sebastião!

 

Vibra chamando, e aqui convoca 

O inteiro exército fadado

Cuja extensão os pólos toca 

Do mundo dado!

 

Aquele exército que é feito

Do quanto em Portugal é o mundo 

E enche este mundo vasto e estreito 

De ser profundo.

 

Para a obra que há que prometer 

Ao nosso esforço alado em si, 

Convoco todos sem saber 

(É a Hora!) aqui!

 

Os que, soldados da alta glória, 

Deram batalhas com um nome, 

E de cuia alma a voz da história 

Tem sede e fome.

 

E os que, pequenos e mesquinhos,

No ver e crer da externa sorte,

Convoco todos sem saber

Com vida e morte.

 

Sim, estes, os plebeus do Império;

Heróis sem ter para quem o ser,

Chama-os aqui, ó som etéreo

Que vibra a arder!

 

E, se o futuro é já presente

Na visão de quem sabe ver,

Convoca aqui eternamente

Os que hão de ser!

 

Todos, todos!  A hora passa,

O gênio colhe-a quando vai.

Vibra!  Forma outra e a mesma raça

Da que se esvai.

 

 

A todos, todos, feitos num

Que é Portugal, sem lei nem fim,

Convoca, e, erguendo-os um a um,

Vibra, clarim!

 

E outros, e outros, gente vária,

Oculta neste mundo misto.

Seu peito atrai, rubra e templária,

A Cruz de Cristo.

 

Glosam, secretos, altos motes, 

Dados no idioma do Mistério —

Soldados não, mas sacerdotes, 

Do Quinto império.

 

Aqui!  Aqui!  Todos que são.  

O Portugal que é tudo em si, 

Venham do abismo ou da ilusão, 

Todos aqui!

 

Armada intérmina surgindo,

Sobre ondas de uma vida estranha.  

Do que por haver ou do que é vindo —

É o mesmo: venha!

 

Vós não soubesses o que havia

No fundo incógnito da raça,

Nem como a Mão, que tudo guia,

Seus planos traça.

 

Mas um instinto involuntário,

Um ímpeto de Portugal,

Encheu vosso destino vário

De um dom fatal.

 

De um rasgo de ir além de tudo,

De passar para além de Deus,

E, abandonando o Gládio e o escudo,

Galgar os céus.

 

Titãs de Cristo!  Cavaleiros

De uma cruzada além dos astros, 

De que esses astros, aos milheiros, 

São só os rastros.

 

Vibra, estandarte feito som,

No ar do mundo que há de ser.

Nada pequeno é justo e bom.

Vibra a vencer!

 

Transcende a Grécia e a sua história

Que em nosso sangue continua!

Deixa atrás Roma e a sua glória

E a Igreja sua!

 

Depois transcende esse furor

E a todos chama ao mundo visto.

Hereges por um Deus maior

E um novo Cristo!

 

Vinde aqui todos os que sois,

Sabendo-o bem, sabendo-o mal,

Poetas, ou Santos ou Heróis

De Portugal.

 

Não foi para servos que nascemos

De Grécia ou Roma ou de ninguém.

Tudo negamos e esquecemos:

Fomos para além.

 

Vibra, clarim, mais alto!  Vibra!

Grita a nossa ânsia já ciente

Que o seu inteiro vôo libra

De poente a oriente.

 

Vibra, clarim!  A todos chama!

Vibra!  E tu mesmo, voz a arder,

O Portugal de Deus proclama

Com o fazer!

 

O Portugal feito Universo,

Que reúne, sob amplos céus,

O corpo anônimo e disperso

De Osíris, Deus.

 

O Portugal que se levanta

Do fundo surdo do Destino,

E, como a Grécia, obscuro canta

Baco divino.

 

Aquele inteiro Portugal,

Que, universal perante a Cruz,

Reza, ante à Cruz universal,

Do Deus Jesus.

 

 

Fernando Pessoa

 

O Poeta

 

Uma biografia de Fernando Pessoa seria na verdade uma coleção de biografias. Uma dele próprio; outras tantas para seus heterônimos. Alberto Caeiro, Álvaro de Campo, Ricardo Reis, Bernardo Soares, só para falar em alguns destes heterônimos, que não são pseudônimos com alguns pensam, mas escritores com personalidades e estilos próprios, com vida e história independentes dos demais. A genialidade de Pessoa era tamanha que não cabia em um só homem; eram necessários vários homens, várias cabeças para dar vazão a tanta criatividade, ao transbordamento de idéias que o acometia. Grande conhecedor da língua portuguesa, ela própria brincou com seu sobrenome: Pessoa. Talvez Pessoas fosse mais adequado, para um poeta que era habitado por tantos outros.

 

Fernando Antônio Nogueira Pessoa, nasce em 13 de junho de 1888 na cidade de Lisboa, Portugal. Segundo ele próprio nos conta, no ano seguinte nasceu Alberto Caeiro, o poeta do campo e da natureza e também Álvaro de Campos, o engenheiro. Quando tinha cerca de 5 anos, seu pai morre com apenas 43 anos. Em 1894, então com 6 anos de idade, cria seu primeiro heterônimo: Chevalier de Pas. Em 1896, parte com sua família para Durban, África do Sul.  Vão morar com o novo marido de sua mãe, o comandante João Miguel Rosa, cônsul interino de Portugal naquele país. Lá Fernando Pessoa vai aprender inglês e francês, línguas em que escreverá alguns poemas e grandes trabalhos de tradução.

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