Arquivo do mês: novembro 2025

DOS MORTOS

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Fui provocado pela crônica “A Sofisticação da Simplicidade!” do intelectual gaúcho José Carlos Bortoloti, citando a lápide de Charles Dickens na Abadia de Westminster, “Apoiante dos pobres, dos que sofrem e dos oprimidos”.

Sinto uma profunda admiração por Dickens, o romancista inglês da Era Vitoriana cuja obra, de conteúdo clássico atemporal, conquistou o mundo. Ele criticava o que via como hipocrisia religiosa e queria o cristianismo focando na caridade e na compaixão para com a pobreza.

É impossível desconhecer seus livros “Oliver Twist”, “Um Conto de Natal“, “David Copperfield“, “Grandes Esperanças“, e “Um Conto de Duas Cidades”…. É triste nunca ter lido o clássico natalino, “Um Conto de Natal”, para conhecer os três fantasmas de natais, passado, presente e futuro, que visitam o avarento Ebenezer Scrooge mostrando-lhe as consequências de suas ações malévolas e oferecer uma chance de redenção.

Gosto de reverenciar os meus mortos, como fez o poeta mexicano Amado Nervo no seu poema “Mis Muertos”: “Yo estoy unido con mis muertos,/ que en posición horizontal contemplan/  el callado misterio de la noche/ y oyen el ritmo de las diamantinas/ constelaciones en el negro espacio”.

Recordo meus pais e meus parentes da geração deles que se foram; os amigos que reconheci por onde andei ao longo da vida, e também os que admirei pelos discursos, escritos, poesias, pinturas e interpretações teatrais.

Não é coisa que a idade avançada plantou na minha cabeça. Ainda jovem, aos 17 anos, recebi de presente da minha mãe e da minha madrinha uma passagem aérea de ida e volta à Paris, financiando hospedagem e alimentação por 11 dias….

Saltando no Aeroporto Internacional Orly, peguei um táxi e fui direto ao Père-Lachaise, histórico cemitério parisiense; lá procurei o túmulo de Voltaire, ídolo do salto que dei da criancice para a adolescência; quis comprovar o que ouvira sobre o epitáfio que ele próprio sugeriu: “O homem é o único animal que sabe que vai morrer um dia, triste destino!”

As principais religiões do mundo concebem a morte diferenciadamente; No Ocidente, o conjunto dominante judaico-cristão-islâmico, de raízes semíticas e estrutura teológica semelhante, entendem a morte como a separação entre corpo e alma, seguida de julgamento divino e destino final.

Principal vertente do cristianismo, a Igreja Católica Apostólica Romana tem como dogma que a morte foi transformada pela ressurreição de Cristo: ela deixa de ser derrota absoluta e torna-se entrada na vida eterna.

Amplamente difundido no Brasil, o espiritismo kardecista vê a morte como retorno ao mundo espiritual, com continuidade da consciência e aprendizado. Nas outras religiões espiritualistas de origem africana e de tradições indígenas, a morte representa reintegração ao cosmos e convivência com ancestrais.

Predominante no Oriente, o budismo vê a morte como uma etapa transitória marcada pela impermanência e pelo renascimento, cuja superação plena ocorre no nirvana, e, no hinduísmo, a morte integra o ciclo de samsara, no qual a alma renasce até alcançar a libertação espiritual (moksha).

Assim, apesar das diferenças, predomina a ideia de que a morte não é um fim, crendo na continuidade e sentido corporal para além da vida física. Não me parece tão desigual com o Livro dos Mortos, escrito por volta de 1470 a.C no antigo Egito….

Temos conhecimento da morte com ritual suicida tradicional no Japão, chamado seppuku ou haraquiri, praticado pela classe dos samurais para restaurar a honra…. E no Ocidente, o suicídio é interpretado em termos de sofrimento psicológico, depressão ou falta de apoio, sendo raríssimos os casos em que a vergonha é o fator.

Tivéssemos no Brasil a cultura da vergonha os poderes republicanos, Executivo, Judiciário e Legislativo se transformariam em cemitérios, graças a suicídios amplos, gerais e irrestritos….

DAS COINCIDÊNCIAS

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

A vida é cheia de coincidências; mas as coincidências que encontramos nos círculos políticos são exageradas. Como verbete dicionarizado, a palavra Coincidência é um substantivo feminino vindo do latim vulgar “coincidere”, significando a condição de dois fatos ocorrerem igualmente por acaso.

Não encontramos para Coincidência um sinônimo perfeito que represente claramente sua significação, a justaposição de situações distintas em tempo e espaço. Nada tem a ver com coexistência, nem concordância, nem semelhança; o mais próximo que achei foi simultaneidade, e mesmo assim passa raspando….

Encontra-se na História Geral o caso ocorrido na 2ª Guerra com o prodígio da engenharia naval alemã, o couraçado Bismarck, que lançado ao mar fez o almirantado inglês temer pela sua invulnerabilidade; mas a 27 de maio de 1941, por uma coincidência, uma bomba lançada pelo encouraçado inglês Prince Of Wales, entrou em uma das chaminés do navio alemão e explodiu a casa de máquinas.

Até hoje nos círculos navais se discute este fato de um dos navios mais lendários do mundo afundar na primeira batalha naval de que participou.

Das situações que ocorrem simultaneamente podemos listar muitas delas, como a história de um milionário norte-americano que simples empregado numa granja, indo a uma barbearia ouviu do cabelereiro que tinha palhetas de ouro nos cabelos. O personagem lembrou-se que se banhava diariamente num riacho que corria num terreno devoluto e, comprovando a existência de ouro ali, foi ao órgão competente registrar o terreno como sua propriedade. E assim fez a sua fortuna.

Entretanto, o modo de pensar independente desconfia das coincidências. O grande ficcionista Ian Fleming disse, e é repetido por muitos, que um fato ocorre uma vez por acidente, duas vezes pode se considerar coincidência, mas na terceira vez vê-se um propósito.

Também um humorista que fez sucesso no século passado, Leon Eliachar, enunciou no seu livro “Homem Ao Quadrado”, um problema brasileiríssimo: – “A pontualidade é a coincidência de duas pessoas chegarem ao encontro com o mesmo atraso”.

Há pessoas livres dos dogmas religiosos e das intrincadas cadeias ideológicas que mantêm uma sincronia com a realidade, aprendem a se livrar dos chamados universos paralelos, a artificialidade mental que escraviza os fanáticos.

É esta, infelizmente, a identidade que se assentou no Brasil quando coincidentemente levou-se para a política a briga natural dos cordões azul e encarnado nas lapinhas folclóricas. Antes eram eleitoralmente jogadas de compadrio, tipo PSDB vs PT, com uma duração marcada; terminada a eleição tudo voltava à estaca zero.

Hoje impera como política esquizofrênica, introduzindo na sociedade malquerença entre amigos e familiares e leva tal alucinação para a vida comum, nos empregos, nas escolas e na vizinhança.

Entre todas as formas de desencontros entre as pessoas, o discurso do ódio é a pior delas; e os assemelhados extremistas de direita e esquerda fazem-no com a maior sem-cerimônia. Assistimos o aplauso dos fanáticos quando isto era urdido nos porões do Planalto do Governo Bolsonaro, e assistimos agora com o besteirol de Lula dizendo que a Alemanha não tem 10% da qualidade de vida do Pará…

Seria mera coincidência que Bolsonaro fizesse o mesmo que Hitler recomendou no “Mein Kampf”, assumindo um regime totalitário? Ou será com Lula elogiando qualidade de vida numa cidade onde 80% convive com esgotos ao céu aberto?

Coincidentemente, Bolsonaro que não completou o aprendizado de Estado Maior do Exército, cometeu erro de estratégia e viu o golpismo sair pela culatra levando-o à prisão e lhe mutilando politicamente; do lado, de Lula, alguém lembrou que o maior golpe executado no Brasil, após a anulação da sua condenação por conchavo do STF foi o aparelhamento feito no INSS para facilitar a roubalheira dos pelegos lulopetistas.

A mídia mercenária e as pesquisas suspeitas adotam coincidências hilárias. O Sistema Globo chapa branca levanta a defesa da “soberania” do Descondenado ameaçada pela fala do chanceler alemão; e as pesquisas eleitorais insistindo em manter o nome do Inelegível….

São estas coisas que nos alertam para o que Henry Miller repassou, curto e grosso: – “Não se esqueça: toda coincidência tem um significado!”

  • Comentários desativados em DAS COINCIDÊNCIAS

DA VIDA

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Recebi msg de um colega do ‘X’, leitor das minhas postagens, perguntando-me a razão que me leva a dar um “Viva a Vida!” diariamente…. A minha resposta, curiosamente, que deveria ser simples e direta, exigiu de mim uma profunda reflexão.

Quando dou a ênfase à interjeição não estou pensando no meu apego à existência material. Vejo a Vida com uma amplitude tão grande, abrangendo tudo o que a Natureza comporta, alcançando um papel predominante desde o surgimento da vida na Terra chegando ao aparecimento do ser humano.

Entre cientistas e filósofos que abordaram o tema, guardo a lembrança juvenil dos anos escolares, do bioquímico russo Aleksandr Oparin, pesquisador sobre a origem da vida, que condensou seus estudos num opúsculo de pouco mais de cem páginas, “O que é a Vida”.

Oparin ensinou-me a ser contrário à tese que resume “arbitrariamente” a Vida apenas para a existência humana. A Ciência contemporânea atesta que o nosso planeta passou milhares de anos, desde a sua formação, mantendo-se sem vida, e, no caminho percorrido da sua evolução, é que surgiram organismos primitivos, os protobiontes, designação que a Biologia dá aos primeiros seres vivos.

Aprende-se assim que a Vida surgiu há cerca de 3,8 bilhões de anos, num ambiente aquático repleto de simples compostos químicos. De acordo com biólogos e bioquímicos, foram as reações entre moléculas orgânicas, como aminoácidos e ácidos nucleicos, que deram origem a organismos semelhantes a bactérias, capazes de se replicar.

Os registros históricos desta mudança e transformação do planeta atestam depois o surgimento dos eucariontes, células com núcleo definido, que deram origem aos organismos pluricelulares.

Foi daí que pela via biogenética a massa fundamental de oxigênio molecular na atmosfera terrestre se formou após o surgimento de vida na Terra; dessa maneira, com a ajuda da luz solar produzindo energia liberou-se mais oxigênio e permitiu o advento de organismos mais complexos e diversificados como plantas, animais e fungos, culminando, passados milhões de anos de seleção natural, no aparecimento dos primeiros hominídeos.

No período histórico que os geólogos batizaram de Era Terciária que em algum continente, possivelmente submerso no Oceano Índico, viviam bandos de macacos antropoides, mais tarde descritos por Darwin como de estatura média, o corpo peludo e orelhas pontudas, passando a maior parte do tempo sobre árvores.

Foram estes, pelo fato de subirem nas árvores que usaram as mãos diferentemente dos pés e este exercício fê-los desacostumar de empregar as mãos para caminhar e, sem a ajuda das mãos, adquiriram pouco a pouco uma posição ereta.

Na transição da marcha quadrúpede para a bípede, nossos antepassados passaram e empregar as mãos para outras tarefas, na confecção de ferramentas, tecidos, na colheita e na caça, já com instrumentos fabricados com lascas de pedra.

Chegaram desta maneira a um estágio rudimentar do trabalho e a necessidade de comunicação, porque tinham algo a dizer para os outros. A sua laringe mal constituída aperfeiçoou-se e adaptou-se a exprimir sons inteligíveis. A produção de bens explica assim a origem da linguagem articulada.

A filosofia moderna raciocina que a mudança é a Lei da Vida. Infelizmente há muita gente que por ignorância e desinformação não alcança isto; e na nossa vivência atual convivemos com a mesma grosseria e a estupidez anteriores à conquista da humanização dos antropoides….

Alguns de nós resistem e se indignam em ver que o trabalho é menosprezado pelo crime, como ocorreu no assalto às aposentadorias e pensões do INSS. Dotados de consciência, lutam para encerrar este atual ciclo dantesco da política brasileira, aprendendo com Machado de Assis que “a Vida sem luta é um mar morto no centro do organismo universal”.

DA CONTRADIÇÃO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

A Dialética de Hegel reinterpretada por Marx e Engels, tornou-se materialista, isto é, sai do campo do pensamento passando a ser vista como física e não apenas como um conflito lógico; uma força presente nas coisas animadas e nas leis da Natureza.

Hegel é considerado pelos marxistas, “anticientífico”, “idealista” e “metafísico”, avaliação comum nos compêndios stalinistas para os não marxistas, estando presente no Pequeno Dicionário Filosófico de M. Rosental e P. Iudin, publicado pela Editora Política do Estado “Gospolitzidat” na finada URSS.

O método hegeliano, sem dúvida, foi aperfeiçoado constituindo-se um método científico para o estudo das leis que regem a Natureza e, historicamente, a sociedade humana.

Já abordei este tema antes; trago-o de novo à baila para realçar as contradições que sobressaem por si só na Dialética. A contradição é o motor do movimento da realidade; uma ferramenta necessária ao processo analítico entre duas afirmações logicamente incompatíveis.

A aplicação do método dialético é simplificada pela equação: “Tese x Antítese = Síntese”; sendo a Tese uma proposta, a Antítese, a oposição discordante, e a Síntese o resultado da divergência entre as duas proposições em que uma exclui a outra.

Como verbete dicionarizado a Contradição é um substantivo feminino de etimologia latina, “contradictĭo”, ato ou efeito de contradizer(-se); afirmação em contrário do que é apresentado.

Como exemplo, encontramos na obra de Engels, “Dialética da Natureza”, o gatilho que dispara o caráter histórico da evolução humana, com um capítulo especial que mostra a humanização do macaco pelo trabalho.

Na sociedade humana as contradições se expressam historicamente na economia e na política influenciando mudanças qualitativas, a base dinâmica do desenvolvimento revela que nada é estático, que tudo se transforma pela interação dos opostos.

Vemos assim uma conjuntura que traz em si elementos opostos — forças, tendências ou aspectos contrários — que se enfrentam e proporcionam as transformações.

Em verdade, a análise dialética nos ajuda a conhecer a realidade e para descomplicar o método, a milenar filosofia chinesa nos legou o visual simbólico e conceitual do Yin e Yang, forças cósmicas opostas, a interação dos contrários interagindo para manter o equilíbrio e a harmonia do universo.

Dentro de cada força oposta, há a semente do seu oposto, simbolizada pelos pontos de cor oposta no diagrama (o ponto branco na seção preta e o ponto preto na seção branca).

Assim, na oscilação dos contrários, os princípios antagônicos do Yin e o Yang interagem ao mesmo tempo e estão presentes na Natureza como a energia universal; e é curioso ver-se que na Era Tecnológica que vivemos, tornou-se uma ferramenta da Inteligência Artificial.

O conceito central da contradição é que todas as coisas existem como pares de forças opostas que, na verdade, se completam e são interdependentes. Uma não pode existir sem a outra, como o dia e a noite.

Isto qualifica a realidade como uma dança dinâmica de opostos complementares que na política brasileira, com a polarização eleitoral de Jair e Lula, não representa o bem contra o mal, mas o fluxo da ideologia distorcida do populismo.

Em artigo anterior lembrei que ideias ou atos dos polarizadores mostram a incoerência com a ética, aceita apenas pelos seus fanáticos cultuadores. Como expressão da verdade, os que temos é a negação de tudo com que os brasileiros sonham, nosso país vivendo um quadro de Liberdade e Justiça e não de golpismo e corrupção.