Arquivo do mês: setembro 2025
DAS PROIBIÇÕES
MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)
Na ditadura militar que durou de 1964 a 1979 censurando a expressão do pensamento, cantou-se a canção de Caetano Veloso “É Proibido Proibir” como resistência. O autor parece até ter s’esquecido disto, pois não protesta contra a censura que o Governo Lula quer; mas os verdadeiros democratas, não.
Lembro-me de uma entrevista em que Caetano disse que o tema se inspirou num pichamento em muros, durante as revoltas estudantis de 1968 de Paris: “É Proibido Proibir”, palavra-de-ordem que se tornou um slogan nos países em que a liberdade é sufocada.
Desafiar proibições é da natureza humana; sofre, porém, a comezinha repressão desde a primeira infância, quando se é impedido de chupar o dedo na fase do prazer oral, e se torna rotineira ao longo da vida pelos costumes sociais e leis impostas pelos governos.
Algumas proibições no Brasil, por exemplo, são inusitadas… É ininteligível que um jovem de 15 anos tenha o direito de votar para presidente e não possa tirar a carteira de motorista.
Na minha mocidade, com menos de 18 anos, sofri a proibição de frequentar os salões de bilhar, e embora jogasse sinuca com destreza elogiável nos clubes sociais ficando, porém, impedido de disputar torneios públicos.
Revoltei-me logo cedo contra proibições estudando o que os escravocratas brasileiros criaram e deixaram uma preconceituosa herança para nós. Negava aos escravos comer à noite, inventando que é venenoso chupar manga e beber leite, que açúcar faz mal e banana dá prisão de ventre…. Tem até um ditado: “Banana de manhã é ouro, de tarde é prata, de noite mata…”.
Os males da escravatura são vigentes até hoje, com conceitos firmados, opiniões sem base sólida ou conhecimento científico aprofundado, sempre de forma negativa ou desfavorável.
As proibições são intolerantes, discriminatórias, opressivas e xenófobas, como termo literal de prejulgamento; com isto, estabelecem uma distopia simulada e repressiva contra as tendências sociais, políticas e tecnológicas discordantes do Sistema de Governo.
Esta constatação nos leva ao anarquista espanhol que chegou em país inóspito e perguntou a um nativo: – “Hay Gobierno nesta Tierra?”. “No”, respondeu o receptor; ele então foi veemente: – “Precisamos hacer-lo para después combater-lo!….”
No “Livro Vermelho dos Pensamentos de Millôr” o Humorista mostra revolta por ser governado. Diz: “Ser governado é ser inspecionado o tempo todo, ser espionado, legislado absurdamente, regulamentado, condicionado, doutrinado, estampilhado e proibido”.
Uma opinião bem diferente dos artistas que se submetem à opressão, por nostalgia de grilhões escravocratas ou porque se vendem pelos trinta dinheiros que o poder oferece com leis tipo Rouanet. Eles nos levam ao lamento de Maquiavel: “Como é perigoso tentar libertar um povo que prefere a escravidão!”.
Trazemos dos estudos da Mitologia Grega a dureza das proibições no Mito de Prometeu, Titã que simpatizava com os humanos e enfrentou o poderoso Zeus, que proibiu aos homens de possuírem o fogo. Vendo os viventes frágeis comendo alimentos crus e sofrendo frio, Prometeu rouba o fogo do Olimpo e o dá à humanidade, permitindo-lhe cozinhar, aquecer-se, desenvolver artes, ofícios e civilização.
Para puni-lo, Zeus manda acorrenta-lo a uma rocha onde um abutre diariamente lhe rasga a barriga e come-lhe o fígado, que à noite se regenera para que a tortura se repita eternamente.
O anedotário histórico conta que o dramaturgo francês Tristan Bernard contou esta lenda para seu netinho, que exclamou: – “Coitado do abutre!”. Bernard, surpreso, perguntou: -Como? Porque tens pena do abutre e não de Prometeu? A criança insistiu: – “Do abutre, sim, porque deve ser horrível comer fígado todos os dias…”
Vindos para legalizar as proibições, juízes interpretam as leis, nem sempre conforme determinou o legislador, e quando proíbem qualquer coisa fazem muitas vezes por interesses pessoais ou políticos.
… E as proibições nos levam a Montesquieu, curto e grosso: “Não há tirania mais cruel do que aquela que se perpetua sob o escudo da lei e em nome da Justiça”.
Augusto Frederico Schmidt
As chuvas da primavera
Em breve virão as chuvas da Primavera,
As chuvas da primavera
Vão descer sobre os campos,
Sobre as árvores pobres,
Sobre os rios degelando.
As chuvas da Primavera
Cairão sobre os jardins perdidos,
Sobre os rosais desnudos,
Sobre os canteiros sem flor.
As chuvas da Primavera anunciarão
Os grandes dias próximos,
E a cantiga das águas escorrendo
Dos beirais
Nos dirá do tempo próximo,
Das primeiras flores,
Dos primeiros ninhos,
Das primeiras palpitações
Dos brotos,
Das esperanças,
Da vida que se insinua em tudo,
Nos ramos,nas penugens,
Nos céus limpos.
Em breve virão as chuvas da Primavera.
Os rios já estão degelando
O frio já não é tão mau.
Adormece, pois, meu amor,
E esquece este inverno,
Deixa que o sono te leve,
Como as águas levam flores
E folhas soltas.
– Augusto Frederico Schmidt, no livro “Um século de poesia”. [organização Euda Alvim e Letícia Mey]. São Paulo: Editora Globo, 2005.
DE MURMÚRIOS
MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)
Só ouvi a palavra “Murmúrios” em letras de boleros e tangos. É visceral; o seu intimismo é raro. Dicionarizada, a palavra Murmúrio é um substantivo masculino que indica a ação ou efeito de falar baixinho, sussurrar; tem o sentido de queixa e lamentação. No seu lado negativo é um comentário malicioso que se faz cheio de insinuações.
Tenho um exemplo para a maledicência: um primo mineiro metido na política das Minas Gerais pretendeu candidatar-se a deputado. Escreveu aos parentes pedindo ajuda para o projeto; ao pai, meu tio João, pediu um jipe, que é econômico, seguro e indispensável para deslocamentos interioranos.
Do Pai recebeu uma carta – naqueles tempos de telefonemas difíceis, sem celular e sem Internet– que considero antológica; num conselho de inesperada frieza perguntou se o filho estava preparado para ser chamado de “viado”, “corno” e “ladrão” na campanha eleitoral; e assim descreveu a realidade murmurante do nosso mundo político cheio de falsas acusações, calúnias e difamações que, depois de publicadas, são como uma flecha; depois de disparada não tem volta.
Fuxicos, cartas anônimas e pichações contra alguém, lembram o que encenou Shakespeare com Hamlet e Ofélia, a advertência sobre a inevitabilidade da calúnia. O “Murmúrio” não caminha pela “Terra Plana”, não fala a linguagem neutra, nem pode ser considerado fake news. Levá-lo ao anedotário fica de bom tamanho; e um deles corre ao pé do ouvido entre os camitas e os semitas sacaneando uns aos outros.
Um amigo recém chegado de Nova Iorque contou-me uma anedota ocorrida no Inverno nevoento nova-iorquino, com temperatura abaixo de zero quando dois judeus saíram de um café aquecido e deixaram a porta aberta. Lá de dentro gritaram: – “Fechem a porta, mal educados!”; dai, Davi virou pra Jacó: – “Ouviste como estão atrevidos estes racistas antissemitas?”.
A anedota foi contada na casa de um amigo que namora uma judia; ouvindo a piada, retrucou com o caso de um palestino que morria de medo em viajar de avião e ouviu de um colega, fundamentalista: – “Alá (bendito seja o nome do profeta!), se quiser te levar, sabe onde encontra-lo…. E o medroso argumentou: – “Certíssimo, meu caro. E se Alá (glória ao nome de Alá!) quiser levar o piloto do avião?”
Estes murmúrios levados para fora do Oriente Médio são mais políticos do que xenófobos; nós conhecemos facécias de outros povos. Ouvi uma, referindo-se que os escoceses são o povo mais pão-duro do mundo; e relata que um deles estava se penteando e exclamou: – “Que desgraça!”, e falou à esposa: – “Quebrei um dente do pente e vou precisar comprar outro…” Aí a mulher, dos tradicionais MacListers, acudiu: – “Não podes deixar para depois?” …. E ouviu do marido; – “Não, não dá, minha querida, era o último dente!”.
Da Europa para o Extremo Oriente tem a chistosa cena ocorrida do japonês pedindo a um amigo brasileiro indicar nome para seu filho que estava para nascer, e o amigo se prontificou, dizendo: – “Sugiro que seja Sérgio”. E o futuro pai, agradecido: – “Ótimo! Gostei muito de ‘Sugiro’!” ….
No Hemisfério Sul, do lado Oeste do Atlântico, na Pindorama, ouvem-se murmúrios ecoando desde o Planalto Central; não chegam a tsunamis, mantêm-se como marolas espumantes de verdades que parecem mentiras e mentiras que se assemelham a verdades sobre a descondenação de Lula e a sua eleição, promovidas pelo STF.
De lá, as varreduras para livrar condenados, réus confessos pela Lava Jato estão enriquecendo parentes de ministros que usam e abusam de sentenças monocráticas em julgamentos cheios de suspeição.
Às direitas, a trama golpista dos militares amantes da ditadura e revanchistas insatisfeitos pela derrota eleitoral, provam a reprovação dos mesmos nos quesitos Estratégia e Tática; traçaram a condução de um golpe de Estado com uma ignorância flagrante, imperdoável, tanto como atentado ao Estado de Direito como pela antológica burrice dos Bolsonaro.
Surfando na “soberania lulopetista” multiplicam-se os murmúrios sobre a clamorosa mentira de Lula desvendada em plena assembleia geral da ONU: depois de repetir sete vezes que Trump não queria um diálogo, foi convidado por ele para uma reunião na Casa Branca, e se arregou covardemente….
No deserto de patriotismo que empoeira o Legislativo tivemos agora, com a reprovação de 76% dos brasileiros e brasileiras a PEC. da Blindagem, um louvor ao crime organizado com diploma de corporativismo da picaretagem delinquente.
Enfim, insinuam que o presidente da Câmara Federal, Hugo Motta, ouve como uma homenagem o bolero de Rafael Cardenas / Rubén Fuente, que Gregório Barrios cantou – “Que murmurem, / No mi importa que murmurem/ No mi importa que lo digam/ Ni que lo pensem la gente….”
Marina Colasanti
Outras palavras
Para dizer certas coisas
são precisas
palavras outras
novas palavras
nunca ditas antes
ou nunca
antes
postas lado a lado.
São precisas
palavras que inventaram
seu percurso
e cantam sobre a língua.
Para dizer certas coisas
são precisas palavras
que amanhecem.
– Marina Colasanti, em “Fino sangue”. Rio de Janeiro: Editora Record, 2005.
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Pagu
Canal
Nada mais sou que um canal
Seria verde se fosse o caso
Mas estão mortas todas as esperanças
Sou um canal
Sabem vocês o que é ser um canal?
Apenas um canal?
Evidentemente um canal tem as suas nervuras
As suas nebulosidades
As suas algas
Nereidazinhas verdes, às vezes amarelas
Mas por favor
Não pensem que estou pretendendo falar
Em bandeiras
Isso não
Gosto de bandeiras alastradas ao vento
Bandeiras de navio
As ruas são as mesmas.
O asfalto com os mesmos buracos,
Os inferninhos acesos,
O que está acontecendo?
É verdade que está ventando noroeste,
Há garotos nos bares
Há, não sei mais o que há.
Digamos que seja a lua nova
Que seja esta plantinha voacejando na minha frente.
Lembranças dos meus amigos que morreram
Lembranças de todas as coisas ocorridas
Há coisas no ar…
Digamos que seja a lua nova
Iluminando o canal
Seria verde se fosse o caso
Mas estão mortas todas as esperanças
Sou um canal.
O poema Canal foi publicado n`A tribuna de Santos, SP, em 27 de 11 de 1960.
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Patativa do Assaré
O agregado e o operário
Sou matuto do Nordeste
criado dentro da mata
caboclo cabra da peste
poeta cabeça chata
por ser poeta roceiro
eu sempre fui companheiro
da dor, da mágoa e do pranto
por isto, por minha vez
vou falar para vocês
o que é que eu sou e o que canto.Sou poeta agricultor
do interior do Ceará
a desdita, o pranto e a dor
canto aqui e canto acolá
sou amigo do operário
que ganha um pobre salário
e do mendigo indigente
e canto com emoção
o meu querido sertão
e a vida de sua gente.Procurando resolver
um espinhoso problema
eu procure defender
no meu modesto poema
que a santa verdade encerra
os camponeses sem terra
que o céu deste Brasil cobre
e as famílias da cidade
que sofrem necessidade
morando no bairro pobre.Vão no mesmo itinerário
sofrendo a mesma opressão
nas cidades, o operário
e o camponês no sertão
embora um do outro ausente
o que um sente o outro sente
se queimam na mesma brasa
e vivem na mesma Guerra
os agregados sem terra
e os operários sem casa.Operário da cidade
se você sofre bastante
a mesma necessidade
sofre o seu irmão distante
levando vida grosseira
sem direito de carteira
seu fracasso continua
é grande martírio aquele
a sua sorte é a dele
e a sorte dele é a sua.Disto eu já vivo ciente
se na cidade o operário
trabalha constantemente
por um pequeno salário
lá nos campos o agregado
se encontra subordinado
sob o jugo do patrão
padecendo vida amarga
tal qual burro de carga
debaixo da sujeição.Camponeses meus irmãos
e operários da cidade
é preciso dar as mãos
cheios de fraternidade
em favor de cada um
formar um corpo comum
praciano e camponês
pois só com esta aliança
a estrela da bonança
brilhará para vocês.Uns com os outros se entendendo
esclarecendo as razões
e todos juntos fazendo
suas reivindicações
por uma democracia
de direito e garantia
lutando de mais a mais
são estes os belos planos
pois nos direitos humanos
nós todos somos iguais.
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Carolina Maria de Jesus
Dá-me as rosas
No campo em que eu repousar
Solitária e tenebrosa
Eu vos peço para adornar
O meu jazigo com as rosas
As flores são formosas
Aos olhos de um poeta
Dentre todas são as rosas
A minha flor predileta
Se a afeiçoares aos versos inocentes
Que deixo escritos aqui
E quiseres ofertar-me um presente
Dá-me as rosas que pedi.
Agradeço-lhe com fervor
Desde já o meu obrigado
Se me levares esta flor
No dia dos finados.
– Carolina Maria de Jesus, em “Antologia pessoal”. (Organização José Carlos Sebe Bom Meihy). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996, p.169
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Manoel de Barros
Deus disse
Deus disse: Vou ajeitar a você um dom:
Vou pertencer você para uma árvore.
E pertenceu-me.
Escuto o perfume dos rios.
Sei que a voz das águas tem sotaque azul.
Sei botar cílio nos silêncios.
Para encontrar o azul eu uso pássaros.
Só não desejo cair em sensatez.
Não quero a boa razão das coisas.
Quero o feitiço das palavras.
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Machado de Assis
O VERME
Existe uma flor que encerra
Celeste orvalho e perfume.
Plantou-a em fecunda terra
Mão benéfica de um nume.
Um verme asqueroso e feio,
Gerado em lodo mortal,
Busca esta flor virginal
E vai dormir-lhe no seio.
Morde, sangra, rasga e mina,
Suga-lhe a vida e o alento;
A flor o cálix inclina;
As folhas, leva-as o vento.
Depois, nem resta o perfume
Nos ares da solidão…
Esta flor é o coração,
Aquele verme o ciúme.
(Falenas – 1870)
Veja mais sobre “Poemas de Machado de Assis” em: https://brasilescola.uol.com.br/literatura/poemas-machado-assis.htm
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Ariano Suassuna
O mundo do sertão
Diante de mim, as malhas amarelas
do mundo, Onça castanha e destemida.
No campo rubro, a Asma azul da vida
à cruz do Azul, o Mal se desmantela.Mas a Prata sem sol destas moedas
perturba a Cruz e as Rosas mal perdidas;
e a Marca negra esquerda inesquecida
corta a Prata das folhas e fivelas.E enquanto o Fogo clama a Pedra rija,
que até o fim, serei desnorteado,
que até no Pardo o cego desespera,o Cavalo castanho, na cornija,
tenha alçar-se, nas asas, ao Sagrado,
ladrando entre as Esfinges e a Pantera.
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