Pequenos Poemas em Prosa – Charles Baudelaire
“Meu bom cão, meu cachorrinho, querido Totó, chegue- se e venha respirar um excelente perfume comprado no melhor perfumista da cidade.”
E o cão, agitando a cauda, o que é, creio eu, nesses pobres seres, o sinal correspondente a um sorriso ou riso, aproximou-se e pousou curiosamente seu focinho úmido sobre o frasco destampado; em seguida, recuando subitamente, com medo, latiu contra mim como se me reprovasse.
“Ah! miserável cão, se eu tivesse lhe oferecido um pacote de excrementos, você o teria farejado com prazer e talvez até devorado. Assim você mesmo, indigno companheiro de minha triste vida, você se parece com o público a quem não se pode jamais presentear com perfumes delicados que o exasperam mas com sujeiras cuidadosamente escolhidas.”
Ainda bem que esse público, pode ser qualquer um. Atualmente, trambicagens estão em todos os lugares, em todas as classes, aos montes.
Lembrei do texto de Brecht, my lord, Se os Tubarões Fossem Homens Infelizmente é assim Vais comentar que algo bom aconteceu com alguém e ninguém presta atenção Comentas uma fofoca e todos são ouvidos
Baudelaire atualíssimo. Estamos como cães: ignorantes da necessidade da beleza na vida, a feiúra toma nossos espaços mentais sem resistência. Pior: até mesmo com aceitação tácita.
Seja na música ou na arquitetura, na verdade ou na justiça, o culto ao belo – que, aliás, nos impele à transcendência – vai tornando-se irrelevante. Já o contrário, o que agride o ouvido ou a alma, a retina ou a consciência, passa a ser, pela freqüência com que se impõe, o aceitável.
Não surpreende que os citadinos brasileiros, a qualquer feriado, fujam para o baluarte da resistência à feiúra que se transformou a natureza.
…
Ontem, Mário Sabino escreveu ironicamente que chegou ao Brasil e ao aspirar o cheiro do Tietê se sentiu, enfim, num país normal.