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Futebol para dormir

Começou a pior Copa do Mundo da história. Apenas começou, mas o diagnóstico já é seguro. A evolução do futebol conseguiu, finalmente, acabar com o futebol.

A bola não rola mais. Voa. No máximo, quica. A tal da jabulani, o jaburu da Adidas, parece mesmo bola comprada em supermercado, como definiu com precisão o goleiro Júlio César. Nos dois primeiros jogos da Copa, a pobre esfera cansou de viajar de goleiro para goleiro – e vice-versa.

Chutão para lá, chutão para cá. Um sonífero poderoso.

A Copa da África conseguiu enfim a erradicação da inteligência em campo. O pensamento foi abolido. Não há tempo para reflexão – só para reflexo.

Os dois primeiros jogos do mundial resumiram o que serão todos os outros: 22 superatletas com saúde de vacas premiadas, sugando o espaço e o tempo, como carros de fórmula-1 tentando controlar uma bola de gás em festa infantil. Uma vigorosa comédia.

África do Sul e México ainda conseguiram fazer um gol cada, até porque os goleiros ainda não aprenderam a defender bola com asa. França e Uruguai nem isso.  A jabulani de supermercado pererecou em todas as direções, menos aquelas que poderiam ser traçadas pelo talento e a criatividade.

O futebol da África 2010 é uma espécie de rúgbi em que não vale usar as mãos. Ou seja: não há risco de acontecer algo relevante em campo.

O zero a zero de França e Uruguai é a mais completa tradução desse novo e estranho esporte.

Mas ainda há tempo de salvar a Copa – de forma inclusive bastante econômica. Se a brincadeira é transformar futebol em videoclipe, acelerando a bola e os jogadores até o nível de um festival de espasmos, um telão em cada estádio resolveria o problema.

No campo do audiovisual, Pelé, Maradona, Zico, Zidane, Gérson, Platini, Romário e companhia continuam em grande forma nas imagens de arquivo. Os moderninhos poderão editar, cortar e clipar à vontade, que não conseguirão extirpar a inteligência.

Só haverá um problema: a vuvuzela. Por mais que se resgate o tempo em que o futebol não era burro, o zumbido ensurdecedor e contínuo das cornetinhas africanas lembrará, a todo momento, a forte vocação humana para a estupidez.


Guilherme Fiúza, jornalista e escritor

O Dunga do Dunga

A Era Dunga está de volta para, se tudo der certo, consagrar de vez todos os clichês da ignorância. Está aberta a temporada da burrice de resultados.

Dunga, o técnico que é sem nunca ter sido, o jabuti colocado em cima da árvore pelas conveniências da CBF, traria o mérito de ter liderado em 1994 a seleção tetracampeã. Eis o primeiro crime da burrice de resultados.

Se Dunga foi o capitão do tetra, Bebeto foi o general, e Romário, o marechal.

Um corte no tempo, de 94 para 2010, mostra Felipe Melo – o Dunga do Dunga – declarando que a bola da Copa é ruim, porque bola boa “é como mulher de malandro”, gosta de ser chutada.

Declaração emblemática. Felipe Melo, um brucutu, está na África do Sul para que Ganso, um craque, possa assistir à Copa pela TV. A estranha escolha de Dunga deveria ser respeitada, se o técnico não desrespeitasse (e não agredisse) quem ousou questioná-la.

Nesse clima de intransigência primitiva, com caneladas na liberdade de expressão, chegou-se ao ponto de barrar o credenciamento de humoristas para a Copa. Na nova Era Dunga, a lei do silêncio é ato patriótico.

A idéia é não deixar passar nada. Só mulher de malandro que aceite ser chutada.

“Se Dunga ganhar a Copa vai calar todo mundo”, diz baixinho a voz rouca das ruas. Rouca e estúpida. Como se fazer mais gols que os adversários fosse o atestado da suprema virtude.

Se Felipe Melo e seu bando forem iluminados (haja luz) e ganharem a Copa, terão todos os méritos da conquista. Outra coisa é atribuir a essa conquista o status de lavagem da estupidez pregressa.

“Os resultados de Dunga na preparação da seleção são inquestionáveis”, repete a voz corrente, em sua corrente de insensatez. O que se viu em quatro anos foi um futebol precário, entediado, que levava sufoco do Equador, sem brilho e nem mesmo coerência (agora usada como eufemismo para mediocridade).

Mas os resultados – ah, os resultados! – a tudo abençoam.

O Brasil ganhou algumas competições fajutas, inclusive as sonolentas eliminatórias, hoje disputadas por times fantasmas: a cada três meses, os “europeus” de cada país se reúnem para passar uma semana juntos e jogar dois jogos por suas seleções. Quem acha que assim se monta um time não sabe por que o Brasil é pentacampeão mundial.

Os “resultados inquestionáveis” de Dunga não valem uma mariola na feira. Muito menos podem ser salvo-conduto para autoritarismo e estupidez.

O novo símbolo nacional do “nada a declarar” – cuja sisudez não o impede de fazer presepadas em comerciais de TV – declarou que nem todo mundo gosta de sexo. Pela doutrina fatalista que nos governa, se o hexa vier, é capaz de o celibato entrar na moda.

Guilherme Fiúza, jornalista e escritor.