Arquivo do mês: setembro 2016

Junqueira Freire – Temor

 
 

                                                                                  (Hora de Delírio)

  
Não, não é louco. O espírito somente
É que quebrou-lhe um elo da matéria.
Pensa melhor que vós, pensa mais livre,
Aproxima-se mais à essência etérea.
 
Achou pequeno o cérebro que o tinha: 
Suas idéias não cabiam nele;
Seu corpo é que lutou contra sua alma,
E nessa luta foi vencido aquele.
 
Foi uma repulsão de dois contrários;
Foi um duelo, na verdade insano:
Foi um choque de agentes poderosos:
Foi o divino a combater com o humano.
 
Agora está mais livre. Algum atilho
Soltou-se-lhe do nó da inteligência;
Quebrou-se o anel dessa prisão de carne,
Entrou agora em sua própria essência.
 
Agora é mais espírito que corpo:
Agora é mais um ente lá de cima;
É mais, é mais que um homem vão de barro:
É um anjo de Deus, que Deus anima.
 
Agora, sim – o espírito mais livre
Pode subir às regiões supernas:
Pode, ao descer, anunciar aos homens
As palavras de Deus, também eternas.
 
E vós, almas terrenas, que a matéria
Ou sufocou ou reduziu a pouco,
Não lhe entendeis, por isso, as frases santas,
E zombando o chamais, portanto: – um louco!
 
Não, não é louco. O espírito somente
É que quebrou-lhe um elo da matéria. 
Pensa melhor que vós, pensa mais livre,
aproxima-se mais à essência etérea.

Geraldo Alverga

COURO MALDITO

Estes sapatos que tu usas
Já foi muito usado
Era um bicho do mato
Que o tempo transformou em calçado
Este casaco de pelo
Que te cobre de luxo
Foi uma onça pintada
Que hoje falta no mundo!

Augusto dos Anjos

Ao Luar

Quando, à noite, o Infinito se levanta
A luz do luar, pelos caminhos quedos
Minha táctil intensidade é tanta
Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos!

Quebro a custódia dos sentidos tredos
E a minha mão, dona, por fim, de quanta
Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos,
Todas as coisas íntimas suplanta!

Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado,
Nos paroxismos da hiperestesia,
O Infinitésimo e o Indeterminado…

Transponho ousadamente o átomo rude
E, transmudado em rutilância fria,
Encho o Espaço com a minha plenitude!

GUMEX

Miranda Sá (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

“Maquiagem bem-feita, um cabelo bem arrumado e o coração remendado. Ótimo, ninguém vai suspeitar!” (Amanda_Vaz)

A Lei, “Lex”, do verbo latino “legere” (aquilo que se lê), é uma regra jurídica que abrange os costumes de uma Nação e as normas produzidas por um Estado. Seu cumprimento é imperioso e coercitivo. Platão já afirmava: “Desobedecer às leis é desobedecer aos deuses”.

Comumente a palavra Lei se refere a uma regra escrita; entretanto tem sentidos diversos, usando-se “Lei da Natureza”, referindo-se aos ensaios de John Locke, “Lei Da Oferta e da Procura”, princípio da Economia, e “Lei da Gravidade”, fenômeno que ocorre com regularidade.

As leis que regem direitos e deveres nas sociedades vêm de longe. No Ocidente, datando de cerca de 2.000 a/C, conhecemos o Código de Hamurabi, um conjunto de 281 leis criadas pelo rei Hamurabi, da primeira dinastia babilônica. O crime, o julgamento, a condenação e a pena eram revistos pela “Lei de Talião”, punindo o transgressor com a proporção do ato praticado por ele. É o famoso “Olho por olho, dente por dente”.

Hamurabi mandou espalhar por todo reino cópias do seu Código talhadas em rochas de diorito escuro. O objetivo foi unificar a justiça por leis comuns. Mais tarde, entre os judeus, a Lei de Moisés, exposta nos cinco primeiros livros da Bíblia, inspirou-se nesta fonte.  O princípio da vingança, na justa retribuição pela ofensa recebida, está no Êxodo 21:23-27 e Deuteronômio 19:21.

Os gregos antigos e os romanos também deram grande importância à Lei de Talião. É basilar o enunciado de Epicuro: “A Lei é a vingança do homem em sociedade, como a vingança é a justiça do homem em estado selvagem”.

No Brasil do bacharelismo e da politicagem, costumou-se a decorar frases latinas para arrotar cultura. Uma das mais ouvidas é a “Dura Lex, sed Lex” (a lei é dura, mas é Lei), aproveitada pelo radialista e novelista Ari Barroso numa propaganda nos jornais, rádios e cartazes: “Dura Lex, sed Lex, no cabelo só Gumex”…

O Gumex era uma espécie de goma, fixadora dos cabelos. Vinha pronta num potinho ou em pó para se preparar em casa. Modelava penteados, sendo rival da brilhantina…  Não lembro quando saiu de moda, e me parece que está de volta em forma do gel usado atualmente nos cabelos de porco espinho da rapaziada…

A goma do Gumex também moldou o fatiamento do impeachment de Dilma. Esticou a impunidade golpeando a Constituição no Senado e, no STF disfarçou com maquiagem a horrível cicatriz do descrédito nas leis e na Justiça.

Pelo desrespeito à Carta Magna perpetrado pelos presidentes do Legislativo, Renan Calheiros, e do Judiciário, Ricardo Levandowisk, a regra escrita perdeu o valor; lembrando uma crônica do notável estilista Fernando Sabino que escreveu: “Para os pobres, é dura lex, sed lex. A lei é dura, mas é a lei. Para os poderosos, é dura lex, sed latex. A lei é dura, mas estica”.

O que se constata é que os ocupantes do poder esticam demais a Lei em proveito próprio. Haverá maior complacência e elasticidade do que o STF convidar Lula para a posse da nova presidente? Lula, investigado da Justiça, suspeito de um leque de crimes, vestirá a capa preta???

Acumpliciando-se com Lula, os ministros do STF subtraem do cidadão comum o receio de desobedecer a Lei, e assim não resta sequer o princípio de Justiça, a base disciplinar da sociedade. No desastrado período lulo-petista o Brasil se atrasou em política e na economia; agora a Justiça traz de volta um tribunal reinol, indiferente à conquista do Estado de Direito e contrariando a vontade do povo.

Manoel de Barros – Poemas

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

  • Comentários desativados em Manoel de Barros – Poemas

João Cabral de Melo Neto

Catar Feijão

 

Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

2.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a como o risco.

  • Comentários desativados em João Cabral de Melo Neto

J. G. de Araújo Jorge

À ESPERA

Ela tarda… E eu me sinto inquieto, quando
julgo vê-la surgir, num vulto, adiante,
– os lábios frios, trêmula e ofegante,
os seus olhos nos meus, linda, fitando…

O céu desfaz-se em luar… Um vento brando
nas folhagens cicia, acariciante,
enquanto com o olhar terno de amante
fico à sombra da noite perscrutando…

E ela não vem…Aumenta-me a ansiedade:
– o segundo que passa e me tortura,
é o segundo sem fim da eternidade…

Mas eis que ela aparece de repente!…
– E eu feliz, chego a crer que igual ventura
bem valia esperar-se eternamente!…

 

Florbela Espanca

AO VENTO

O vento passa a rir, torna a passar,
Em gargalhadas ásperas de demente;
E esta minh’alma trágica e doente
Não sabe se há-de rir, se há-de chorar!

Vento de voz tristonha, voz plangente,
Vento que ris de mim, sempre a troçar,
Vento que ris do mundo e do amar,
A tua voz tortura toda a gente!…

Vale-te mais chorar, meu pobre amigo!
Desabafa essa dor a sós comigo,
E não rias assim!… Ó vento, chora!

Que eu bem conheço, amigo, esse fadário
Do nosso peito ser como um Calvário,
E a gente andar a rir p’la vida fora!…

Elis Regina e Edu Lobo

  • Comentários desativados em Elis Regina e Edu Lobo

Ney Matogrosso – Tema De Amor De Gabriela

  • Comentários desativados em Ney Matogrosso – Tema De Amor De Gabriela