Arquivo do mês: julho 2015

Mãe do Bispo

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

O eleitorado brasileiro registra 52% de mulheres, enquanto a representação feminina na Câmara Federal tem somente 51 deputadas, menos de 10% do total de 513; isto me parece injusto. Defendo uma participação mais significativa das mulheres na política, mas festejo a emenda recusada que reservaria 10% para elas nos legislativos municipais, estaduais e federais.

Seria iníquo e antidemocrático dar o mandato a uma candidata no lugar de um candidato eleito com mais votos do que ela. Melhor é despertar o gosto das mulheres pela política; fazê-las esquecer a repulsa que os atuais parlamentares provocam em quem tem juízo. Conscientizá-las do alto preço que pagam por não associar sua inteligência, energia e honestidade ao exercício da política.

Sou contra as tais das “cotas”. A cota para negros é uma discriminação explícita que rebaixa os afro-descendentes a cidadãos de 2ª classe, negando a projeção histórica e honrosa dos intelectuais, cientistas, literatos e políticos negros brasileiros. As cotas para as mulheres seriam muito pior, pela condição majoritária delas, que favorece a conquista da delegação política.

Estudando História, adquiri admiração pela baronesa de Staël-Holstein, a romancista e ensaísta francesa conhecida como Madame de Staël, a figura feminina que se projetou no Iluminismo.

Num dos debates que mantinha na corte, como defensora do direito das mulheres serem ouvidas pelos governantes, Staël foi interrompida por Napoleão Bonaparte que disse: – “Não gosto de mulheres que se ocupam da política”.

Madame de Staël não se amofinou, encarando Napoleão: – “Num País em que as mulheres são decapitadas, cabe-lhes o direito de saber por que”. (Lembrava o terror promovido pela revolução de 1789).

À mulher brasileira cabe também o direito de saber por que seu País é levado à falência pela incompetência e corrupção de um governo com menos de 9% de aprovação na opinião pública. Para isto, deve exercitar o espontaneísmo e a honestidade que possui e são necessários ao cumprimento do dever cívico.

As donas de casa que enfrentam a carestia imposta pela inflação, as profissionais desempregadas que se submetem ao subemprego e/ou a salário inferior por questão de gênero, e àquelas com formação acadêmica habilitadas ao debate político, são superiores a Dilma, cujo perfil é uma caricatura grosseira da mulher brasileira.

Como pode uma Presidente apelar para a condição de mulher como defesa para enfrentar a condenação da opinião pública por seus erros? Fazendo-o, Dilma se desnuda. E encontrando-se secretamente em Portugal com Ricardo Lewandowski, presidente do STF, se mostra inimiga da República!

Não surpreenderia a ninguém que ambos conversassem como chefes do Executivo e do Judiciário; revoltante é que isto seja feito subversivamente, por debaixo do pano, induzindo e fazendo-nos deduzir que conspiraram para manter o corrosivo lulo-petismo. Dilma e Lewandowski corromperam criminosamente a harmonia dos poderes constituídos. Esta fuga ao dever ético é uma aberração antidemocrática, a negação dialética do Estado de Direito.

Se os chefes do Executivo e do Judiciário tramam contra a República, a quem apelar? Aponto-lhe a última instância: a Mãe do Bispo, lembrando que se impôs no Rio de Janeiro a expressão “vá se queixar à Mãe do Bispo”.

A História se refere à respeitável mãe do bispo José Joaquim Justino, Ana Teodoro Mascarenhas Castelo Branco. Pela influência política no Estado, na Igreja e na Economia, don’Ana fez do filho um ‘príncipe da Igreja’, e pelo amor ao Direito exercendo-o na prática, granjeou também a confiança popular.

Na época, o casarão dos Mascarenhas Castelo Branco, que ficava no centro da cidade, esquina das atuais ruas Treze de Maio e Evaristo da Veiga, tornou-se um pólo de peregrinação em busca de justiça.

Dois séculos se passaram e não mais existem don’Ana e o casarão. Só nos resta agora rezar para a Mãe do Bispo, levando a nossa queixa em oração contra a esbórnia portuguesa de Dilma e Lewandowski, tramando às escondidas, sob o signo do padrinho dos dois, o pelego Lula da Silva.

 

George Gershwin – Summertime

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Dvořák – Symphony No. 9 “From the New World” – Philarmônica de Berlin – Maestro: Cláudio Abbado

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Fernando Gabeira

Política e realismo mágico

PUBLICADO EM 12.07.2015

“O Brasil é de uma fidelidade a si mesmo enorme. Muda para não mudar. É metade corrupção, metade incompetência”. Esta frase do historiador Evaldo Cabral de Mello define nossos principais problemas. Mas ele, que é um grande historiador, deve concordar também que existem pessoas talentosas, grupos capazes, ilhas de excelência no Brasil. Aqui no Rio aconteceu algo interessante. Liderado pela professora Suzana Herculano-Houzel, um grupo de pesquisadores brasileiros fez importante descoberta sobre o córtex cerebral.

O resultado da pesquisa foi publicado na revista “Science”. O estudo brasileiro desfez um mito sobre o córtex e sua relação com os neurônios. Um feito mundial. O grupo liderado por Suzana, no entanto, trabalha numa universidade em crise e ela colocou dinheiro do próprio bolso para comprar reagentes. Se quiser avançar em sua pesquisa, o grupo talvez tenha de escolher o caminho do aeroporto. A ilha de excelência corre o risco de naufragar no oceano de incompetência e corrupção.

O Brasil subestima a ciência e a pesquisa. É uma escolha que nos distancia do mundo. Deve haver mil razões para este fenômeno. Uma frase que ouvi na televisão talvez dê uma pista: os asiáticos construíram fábricas, e os latino-americanos, shoppings centers. De fato, muitas conquistas da ciência e da tecnologia desembocam nas prateleiras das lojas. Mas esta não é uma escolha acertada para o longo prazo. Falar em longo prazo no Brasil de hoje é quase heresia. Estamos enredados nas armadilhas do cotidiano. A política é um nó, a própria presidente evoca o seu impeachment e convida: venham me derrubar.

Não somos Macondo, o território mítico criado por García Márquez, mas nossa política, às vezes, se aproxima do realismo fantástico. Guardo alguns momentos na memória. Ulysses Guimarães, certa vez, cumprimentou o corneteiro numa solenidade. Houve um certo zunzum. Será que caducou, deixou de tomar o remédio diário? Mas eram momentos líricos. E para dizer a verdade, entre tomar remédios e cumprimentar corneteiros, talvez a última seja a solução mais branda. Esse lirismo já não existia mais nas intempéries de Collor: eu tenho aquilo roxo, dizia ele num acesso de arrogância.

Quando Dilma começou aquela frase: precisamos comungar o milho com a mandioca, percebi que estávamos vivendo mais um momento de realismo fantástico. No dia seguinte, na rua, um homem me abordou e disse que a explicação estava na dieta que Dilma faz para emagrecer.

Caetano Veloso escreveu um verso: “esse papo já tá qualquer coisa/ você já tá pra lá de Marrakesh”. No auge da crise, parece que dentro de Dilma mexe qualquer coisa doida. Mexe qualquer coisa dentro: numa outra oportunidade, ela saudou o fogo e a cooperação como as maiores criações tecnológicas da Humanidade. Pra lá de Teerã.

O filósofo inglês John Gray, que escreve interessantes ensaios, passou pelo Brasil e disse sobre a Europa: é possivel viver sem esperar que o mundo necessariamente melhore. Tudo bem. Nesse momento, no Brasil, estamos aprendendo a viver com a certeza de que o mundo vai necessariamente piorar. Dilma fez preleções sobre o fogo e a mandioca, mas é incapaz de dizer uma frase, ainda que não tenha muito sentido, sobre a crise nas universidades. Ela usou o slogan “Pátria educadora” como se usa um boné em dia de sol. Esqueceu no armário, com as outras quinquilharias produzidas pelo marketing.

Berço da filosofia ocidental, a Grécia passa por dificuldades. Entre o ajuste financeiro e as últimas medidas de Dilma, sobretudo a de cobrir parte do salário para evitar desemprego, há uma pequena contradição. Ela diz que será moleza permanecer no poder. Acho que continua saudando a mandioca. Não tem base política confiável, não consegue definir um ajuste e é cercada de problemas que partem de três direções: TCU, pedaladas; TSE, caixa dois; Operação Lava Jato, corrupção na Petrobras. Se ela conseguir superar esses problemas, com 9% de aceitação popular, no auge de uma crise econômica que produz desemprego, perda de renda, estarei saudando a mandioca.

Seria preciso combinar o milho com a mandioca, levar ao fogo para cozinhar no caldeirão a receita que salve o barco. No momento, ele navega rumo ao Triângulo das Bermudas. A comandante e seus marujos podem sumir nele. O país é grande demais para isso. O que sei é que esses tempos de incerteza nos atrasam. Não só o que acontece na universidades é desolador. Muitos projetos estão paralisados à espera de uma definição. Num país em que a presidente desafia a oposição a derrubá-la, quem vai fazer planos para o futuro? Ela mesma nos convida a adiar projetos e esperar o desfecho de seu mandato. Dilma é um manual ambulante da inabilidade política. Sua capacidade de complicar as coisas talvez contribua para uma saída mais rápida. Mas, ainda assim, vivemos num compasso de espera. É o tipo de situação que não pode se prolongar. Sair do buraco em que nos meteram é grande tarefa nacional.

Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 12/07/2015

Itzhak Perlman, Pinchas Zukerman – Passacaglia for violin and viola (Halvorsen/Handel)

https://youtu.be/yMkMja88DGA

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Carlos Gomes – O Guarani – Abertura

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Brahms – Symphony No.3 – Poco Allegretto

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Hector Berlioz – Roman Carnival Overture

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Beethoven – Concerto No. 2 para piano e Orquestra – Mitsuko Uchida, piano – Sir Simon Rattle (maestro)

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Rostropovich – Suite Nº 1 de Bach para Cello

https://youtu.be/7CV0w33EC0I

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