Poesia
Manuel Bandeira
O Último Poema
Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
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Carlos Drummond de Andrade
Os Ombros Suportam o Mundo
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
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Ferreira Gullar
Cantiga para não morrer
Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.
Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.
Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.
(Dentro da noite veloz, 1975)
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João Cabral de Melo Neto
O Engenheiro
A luz, o sol, o ar livre
envolvem o sonho do engenheiro.
O engenheiro sonha coisas claras:
superfícies, tênis, um copo de água.
O lápis, o esquadro e o papel:
o desenho, o projeto, o número:
o engenheiro pensa o mundo justo,
mundo que nenhum véu encobre.
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George Orwell
“A massa mantém a marca, a marca mantém a mídia e a mídia controla a massa.”
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Oscar Wilde
Désespoir
As estações deixam, ao passar, sua ruína,
E pois, na Primavera, o narciso que abre
Só murcha quando a rosa em chama rubra arde,
E as violetas roxas florem no Outono,
E o croco faz no Inverno a neve estremecer;
Assim hão-de florir de novo os lenhos nus
E este barro gris enverdecer de chuva
E dar boninas, que um moço há-de colher.
Mas que dizer da vida cujo mar faminto
A nossos pés escorre, e das noites sem sol
Toldando os dias de que não resta esp’rança?
A ambição, o amor, tudo o que penso ou sinto,
Cedo é perdido, e há que achar prazer tão-só
Nas espigas ressequidas da morta lembrança.
.
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Walt Witman
Escuto a América a cantar, as várias canções que escuto;
O cantar dos mecânicos – cada um com sua canção, como deve ser, forte e contente;
O carpinteiro cantando a sua, enquanto mede a tábua ou viga,
O pedreiro cantando a sua, enquanto se prepara para o trabalho ou termina o trabalho;
O barqueiro cantando o que pertence a ele em seu barco – o assistente cantando no deque do navio a vapor;
O sapateiro cantando sentado em seu banco – o chapeleiro cantando de pé;
O cantar do lenhador – o jovem lavrador, em seu rumo pela manhã, ou no intervalo do almoço, ou ao por-do-sol;
O delicioso cantar da mãe – ou da jovem esposa ao trabalho – ou da menina costurando ou lavando – cada uma cantando o que lhe pertence, e a ninguém mais;
O dia, ao que pertence ao dia – De noite, o grupo de jovens, robustos, amigáveis,
Cantando, de bocas abertas, suas fortes melodiosas canções
T. S. Eliot
O Nome dos Gatos
Dar nome aos gatos é um assunto traiçoeiro,
E não um jogo que entretenha os indolentes;
Pode julgar-me louco como o chapeleiro,
Mas a um gato se dá TRÊS NOMES DIFERENTES.
Primeiro, o nome por que o chamam diariamente,
Como Pedro, Augusto, Belarmino ou Tomás
Como Victor ou Jonas, Jorge ou Clemente
– Enfim nomes discretos e bastante usuais.
Há mesmo os que supomos soar com som mais brando,
Uns para damas, outro para cavalheiros,
Como Platão, Admetus, Electra, Demétrio
Mas são todos discretos e assaz corriqueiros
Mas a um gato cabe dar um nome especial
Um que lhe seja próprio e menos correntio:
Se não como manter a cauda em vertical,
Distender os bigodes e afagar o brio?
Dos nomes desta espécie é bem restrito o quorum,
Como Quaxo, Munkunstrap ou Coricopato,
Como Bombalurina, ou mesmo Jellylorum…
Nomes que nunca pertencem a mais de um gato.
Mas, acima e além, há um nome que ainda resta,
Este de que jamais ninguém cogitaria,
O nome que nenhuma ciência exata atesta
SOMENTE O GATO SABE, mas nunca o pronuncia.
Se um gato surpreenderes com ar meditabundo,
Saibas a origem do deleite que o consome:
Sua mente se entrega ao êxtase profundo
De pensar, de pensar, de pensar em seu nome:
Seu inefável afável
Inefanefável
Abismal, inviolável e singelo Nome.
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Rainer Maria Rilke
A Pantera
(No Jardin des Plantes, Paris)
De tanto olhar as grades seu olhar
esmoreceu e nada mais aferra.
Como se houvesse só grades na terra:
grades, apenas grades para olhar.
A onda andante e flexível do seu vulto
em círculos concêntricos decresce,
dança de força em torno a um ponto oculto
no qual um grande impulso se arrefece.
De vez em quando o fecho da pupila
se abre em silêncio. Uma imagem, então,
na tensa paz dos músculos se instila
para morrer no coração.
( Rainer Maria Rilke )
(tradução de Augusto de Campos)
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Jorge Luis Borges
A LUIS DE CAMÕES
Sem lástima e sem ira o tempo vela
As heróicas espadas. Pobre e triste
Em tua pátria nostálgica te viste,
Oh capitão, para enterrar-te nela
E com ela. No mágico deserto
A flor de Portugal tinha perdido
E o áspero espanhol, antes vencido,
Ameaçava o seu costado aberto.
Quero saber se aquém dessa ribeira
Última compreendeste humildemente
Que tudo o que se foi, o Ocidente
E o Oriente, a espada e a bandeira,
Perduraria (alheio a toda a humana
Mudança) na tua Eneida Lusitana.
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