Arquivo do mês: junho 2020

MILAGRES

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“Coincidências são pequenos milagres onde Deus prefere não aparecer” (Provérbio Árabe)

Quando se fala em milagre o nosso interesse se volta imediatamente para o sentido religioso da palavra. Leva-nos a pensar de uma interferência sobrenatural na vida de alguém; entretanto, a palavra tem um sentido mais amplo.

Como verbete dicionarizado, Milagre é um substantivo masculino de origem latina, “miracŭlum,i”, significando coisa extraordinária, assombrosa, inexplicável. Como ação divina é uma dádiva que beneficia uma pessoa, “milagre de Nossa Senhora”; como ocorrência extraordinária, “milagre da Medicina”; ou que causa surpresa, “milagre, fulano passou no concurso da PF”…

Registra-se na História do Teatro uma espécie de tipo de drama medieval, baseado na vida dos santos e seus milagres, inspirador de Ariano Suassuna no seu “Auto da Compadecida, aparecendo posteriormente como filme.

Para o poeta Walt Whitman, é tudo: “Cada momento de luz ou de treva/ é para mim um milagre”, análise encantadora que cai muito bem na cultura popular brasileira, onde encontramos a acepção da palavra para o artesanato em madeira e cera, ou arte pictórica que servem como oferenda aos santos por uma graça obtida.

Temos mais do que isto. São mais de 30 municípios e distritos batizados de “Milagres” no País; destacam-se cidades nas Alagoas, na Bahia, no Ceará, no Maranhão e nas Minas Gerais.

Pelo menos para conhecimento geral são poucas referências para a origem do nome dessas cidades homônimas.  Fala-se numa cruz na entrada da cidade ou da vila, da passagem de frade milagroso, da edificação de santuário e de ermidas construídas por anônimos.

Tentei uma pesquisa e encontrei mais citações sobre o turismo religioso do que alusão aos fatos ocorridos. Os acontecimentos não estão disponíveis, omitindo-se circunstâncias, datas e nomes.

Estas áreas urbanas são, porém, o testemunho da religiosidade dos brasileiros, principalmente nos rincões interioranos do país, com suas oradas ajudando a multiplicar a crença nos fenômenos que transgredem a ordem natural das coisas.

Einstein, autor de uma frase muito citada nos círculos rabínicos em defesa da religião, quando disse que “a ciência sem a religião é manca, a religião sem a ciência é cega”, fala do milagre com uma simplicidade ímpar quando escreveu: “Só há duas maneiras de viver a vida: a primeira é vivê-la como se os milagres não existissem. A segunda é vivê-la como se tudo fosse milagre.

O grande poeta gaúcho Mário Quintana, ao contrário do Físico criador da Lei da Relatividade, é cético e nos deixou versos zombando dos crentes: “O milagre não é dar vida ao corpo extinto, / Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo…/ Nem mudar água pura em vinho tinto…/ Milagre é acreditarem nisso tudo! ”

Atribuindo à coincidência (que os árabes fatalistas consideram ‘pequenos milagres’) li outro dia a referência histórica às bravatas do ministro da propaganda nazista, herr doctor Goebbels, muito adotado no Brasil pelos populistas de direita e esquerda.

Quem escreveu foi um diplomata britânico, então em Berlim.  Conta que numa festa ocorrida em 1939, no auge do poder hitlerista e o esplendor totalitário, Goebbels discursou numa festa da chancelaria dizendo cheio de entusiasmo que despedaçaria a crença cristã como quebraria a taça de champanhe que tinha às mãos. Atirou-a contra a parede e ela caiu no chão sem trincar…  Sob risos (ainda havia quem sorrisse em Berlim) saiu da festa cheio de ódio.

Tem muito político fanfarrão capaz de subestimar a realidade por puro achismo, como fez o presidente Bolsonaro considerando a pandemia do coronavírus uma ‘gripezinha’; a partir daí o que assistimos é que ele vem perdendo cada vez mais a confiança da maioria dos que votaram nele.

Ao declarar que era ‘messias’, mas não fazia milagres, confessou a incapacidade de enfrentar a peste… A seguir, por vocação totalitária, referindo-se ao Congresso e ao Judiciário, baixou a palavra-de-ordem para os seguidores. “Acabou, porra! ”.

Assim, mesmo alinhando-me entre os que não creem em milagres e mitos, vejo, por coincidência, um castigo real chegar ao Presidente pela pesquisa do Instituto Orbis, dando-lhe 48% de rejeição…

A MORTE

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“A morte não extingue, transforma; não aniquila, renova; não divorcia, aproxima”  (Rui Barbosa)

A sabedoria do sertanejo nordestino diferencia a “morte morrida”, da “morte matada”, e o excelente “Dicionário de Termos e Expressões Populares”, do cearense Tomé Cabral, revela esta distinção entre a morte natural ou acidental e a morte por assassinato.

Encontramos também a expressão “morte súbita”, que no futebol passou a ser uma regra para decidir uma partida final que termina empatada após o tempo regulamentar; foi usada pela primeira vez na Cromwell Cup inglesa e é chamada pela Fifa de golden goal; mas a imprensa esportiva brasileira consagrou o nome funesto…

Do mesmo jeito como escrevi sobre a vida, e a proposta científica da sua origem, não custa ver o seu fim, a falência dos órgãos que animam os seres vivos, ocorrendo assim a morte.

Desde a mais remota antiguidade os homens sempre distinguiram o corpo do seu fluido vívido, a alma, o espírito, e as civilizações primordiais mantinham a crença na ressurreição dos mortos, criando um sem número de métodos para a preservação do corpo para a volta do espírito, ficando famosa a mumificação.

Como diversas religiões ainda persistentes no mundo, os espíritas, creem na vida post morte, com o espírito se desligando do corpo físico para a vida eterna, deixando a matéria inerte se decompondo. Originária da Índia e nações indígenas da América do Norte, viram cinzas ao se adotar a cremação…

No antigo Egito, dos faraós, das pirâmides e das múmias dominava a crença da reencarnação realizando a conservação dos corpos com métodos que os mantiveram por 4.000 anos… Junto ao morto, colocavam os seus pertences e ao lado da sua cabeça o Livro dos Mortos.

Assim foi batizado no Ocidente, mas na realidade era um rolo de papiro onde iam escritos hinos, orações, fórmulas mágicas e sobretudo a lembrança para a sua alma (KA) para defende-lo perante o ‘Grande Deus, o Deus de Amentet’, Khnemu, fazendo-o escutar o pedido, e não ouvir mentiras ao seu respeito…

Há também o Bardo Thodöl, em transliteração bar-do thos-grol, onde bardo é “transição” e thodol é “libertação”. É o chamado Livro Tibetano dos Mortos, tido como sagrado pelos monges budistas. É uma prece pela autolibertação da alma entre a morte e o renascimento para uma próxima reencarnação.

A cultura ocidental influenciada pelo cristianismo – em todas as suas vertentes – com a morte, o espírito vai para o céu ou para o inferno, sendo que para os católicos, ortodoxos, coptas e algumas denominações evangélicas, há o purgatório.

Segundo o vizinho judeu, o judaísmo prescreve que defunto seja despojado dos seus valores, dinheiro, joias, próteses e até perucas; que a sua casa tenha as janelas abertas e que o féretro deve ser de madeira, forrado de pano preto e uma estrela de Davi. Os caixões obedecem a um só padrão para mostrar que a morte iguala a todos.

Os muçulmanos creem que, como o nascimento, a morte está nas mãos de Deus. Lê-se no Alcorão:  “Foi Alá quem te criou, quem te sustentou, e é ele quem te fará morrer”, Suräh 30:40.

Não é demais falar-se da morte em plena pandemia do novo coronavírus, o covid-19. A ameaça é um cutelo que está sobre todas as cabeças, independendo de raça, sexo, condição social e econômica. Por isso devemos estar preparados para enfrentar os riscos, porque não se trata de uma ‘gripezinha’ como é vista negligentemente pelo Presidente da República.

Da minha parte, faço uma declaração pública:  Não acredito na sobrevivência da alma, nem tenho medo da morte; espero-a como cantou Raul Seixas a sua composição “Canto Para A Minha Morte”: “Vou te encontrar vestida de cetim/ Pois em qualquer lugar esperas só por mim/ Vem, mas demore a chegar…”

 

ALFARRÁBIO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“Entre velhas páginas uma folha ainda verde da casa antiga”. (Alice Ruiz)

No ano de 1960 eu trabalhava no Correio da Manhã, o primeiro grande jornal em que atuei profissionalmente, e, como era madrugador, estava sozinho na redação quando apareceu um cidadão pedindo para falar com o chefe.

Conversa vai, conversa vem, a figura queria levar para Campina Grande, na Paraíba, um jornalista para dirigir um jornal local que transformaria a circulação semanal em diária; desejoso de participar deste desafio, antes de levar o campinense no aquário do chefe (que era meu primo) fui antes, e pedi-lhe para me indicar…

Não deu outra. Foi sopa no mel; o proprietário da publicação já tinha gostado da minha conversa e aceitou de bom grado a indicação.

Na Campina Grande regurgitante de progresso e vibrante movimentação econômica e cultural, encontrei um bar chamado Alfarrábio; era uma casa velha, com as paredes descoloridas e emboloradas, que acumulava como atividade comercial a venda de livros usados, de frutas e servir cachaça e cerveja (não muito gelada, como gostava o saudoso poeta Raimundo Asfora).

Perdoe-me, se ainda estiver entre nós, por não lembrar quem a pessoa me levou lá pela primeira vez; mas recordo que convivi ali com os jovens intelectuais Agnelo Amorim, Figueiredo Agra, Orlando Tejo, o jornalista Wallace Figueiredo e os estudantes Alcir Góes e Emílio Bezerra.

Vivi uma encantadora convivência no Alfarrábio, onde o papo era livre e agradável, e a gente se divertia quando apareciam comerciantes e políticos com a desculpa de levar para casa laranjas, maçãs e peras (um luxo na época) e aproveitavam a oportunidade para tomar umas e outras…

O curioso e inteligente nome do estabelecimento caía bem. Quando menino, pouco ouvia citar-se a palavra “alfarrábio”, que foi para a UTI da gramática e, ao que parece morreu, ficando no dicionário como elogio fúnebre: substantivo masculino originário do árabe, Al-Farābi, significando livro antigo ou há muito editado, cujo valor muitas vezes reside somente pela antiguidade.

Além de significar também sebos e lojas de nostalgia, Alfarrábio foi pluralizado pelo famoso escritor brasileiro José de Alencar, que intitulou “Alfarrábios” sua trilogia de romances históricos, seriada como “O Garatuja”, “O Ermitão da Glória” e “Alma de Lázaro”, crônicas dos tempos coloniais publicadas em 1873.

Às vezes fico conjecturando se uma visita a casos e fatos políticos ocorridos no século passado seriam alfarrábios…. Para mim ainda estão muito próximos, eu que cobri jornalisticamente a Câmara dos Deputados ainda no Rio, na Praça XV, e depois o Senado Federal sediado no Palácio Monroe, um belo monumento arquitetônico demolido estupidamente em 1976. Em nome do “progresso”…

No Rio de Janeiro antes da mudança da capital, era o espelho social e político do Brasil e viveu, sem dúvida alguma, os seus “anos dourados” na década de 1950, com uma efervescência generalizada, e a consequente evolução comportamental dos brasileiros, pelos avanços na ciência, na cultura e a implantação da tecnologia moderna, com a popularização da televisão e dos automóveis nacionais.

O lado triste, no começo da década – a derrota para o Uruguai no recém-inaugurado Maracanã – foi logo esquecido. Eleito para a presidência da República, Getúlio Vargas, criou a Petrobras, à época uma aspiração do povo brasileiro.

Tivemos a eleição de Juscelino Kubitschek e com ele uma era democrática e alegre, com paz e esperanças no futuro, coincidindo com o sucesso do rock e da nossa “Bossa Nova” tendo como pioneiros Tom Jobim, Vinícius de Morais e João Gilberto.

Essa alegria foi conturbada pela até hoje inexplicável renúncia de Jânio Quadros, sucessor de JK, o movimento militar legalista que garantiu a posse de João Goulart e depois outro movimento também militar, a derrubada do Presidente. E assim tivemos a implantação de um regime que suprimiu a liberdade.

Pena que ainda haja hoje um grupo extremista querendo a volta do regime de exceção como se fora um destino nacional, fechando-se o Congresso e o STF. Isto é, porém, impensável pois significaria o fim do Estado de Direito.

Pensando assim, estão errados e podem ser castigados… Encontrei num Alfarrábio a história que mostra o Destino com mão e contramão…  Como todos sabem, o filósofo grego pré-socrático, Zenon de Eleia, ensinava que a humanidade era subordinada a um Destino inevitável.

Certa vez flagrou um dos seus servos roubando, e o ladrão, malandro, se justificou dizendo que o destino lhe determinou que furtasse…. Zenon ouviu-o e disse: – “Tens razão, o Destino quis que roubasses e depois fosses surrado”. E mandou aplicar-lhe umas bordoadas.

 

AS BRUXAS

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“Eu faço qualquer coisa, te dou tudo que tenho, oh bruxa, por um pedacinho de paz que um dia eu perdi”  (Raul Seixas)

Na sua comentada obra “Totem e tabu”, Freud estuda as primeiras hordas humanas e sugere três formas de pensamento: animismo, religioso e científico. O primeiro, tem a visão cosmogônica de entes superiores não humanos, animais, plantas, objetos inanimados ou fenômenos da natureza.

Mais tarde, nos albores da civilização, os medos diante do sobrenatural “se destacam nos nevoeiros das almas” como descreve Oliveira Martins no seu livro “Sistema dos Mitos Religiosos”. Assim criaram-se deuses por temor à floresta, à escuridão, aos raios e os trovões, no resguardo da caverna, na reverência ao sol e aos mortos.

As primeiras organizações sociais apresentaram o poder político exercido pelas mulheres, que desempenhavam um papel importante na administração social, respeitadas e admiradas sem impor-se pela força. Era o regime Matriarcal, cuja existência foi sugerida no século XIX pelo arqueólogo britânico Sir Arthur Evans, estudioso da Civilização Minoica.

Mais tarde, pesquisas arqueológicas da chamada Era do Gelo (40.000 – 10.000 a.C.) descobriram grande quantidade de estátuas femininas conhecidas como vênus ou Estatuetas de Vênus, identificando-as como representações da Deusa mãe.

Nas organizações sociais avançadas dos antigos impérios, as mitologias de diversos povos também consagram os mitos femininos da deusa-mãe, das amazonas ou mulheres guerreiras, valquírias, erínias, harpias e a deusa grega da sabedoria, inteligência e da guerra, Atena.

O cristianismo nascente, como religião acolhedora, caridosa, solidária e libertadora, contrapôs-se às práticas pagãs extravagantes realçando o papel da mulher na vida de Jesus de Nazaré.

São icônicas as três marias citadas nos evangelhos como participantes da pregação do Cristo, do seu suplício e ressureição. Não somente a mãe, Maria, como Maria Madalena, Maria Betânia, irmã de Lázaro, e Maria, mãe de Tiago, foram no princípio igualmente santificadas.

Entretanto, o cristianismo vitorioso, romano e imperial, sincretizou-se com outras religiões pagãs e, em defesa de um clero copiado do mitraísmo, apagou os registros do apostolado feminino contidos nos chamados evangelhos sinóticos.

A hierarquia eclesial fez mais. Desprezou a personalidade de Madalena, tratando-a como se fora uma prostituta ou endemoniada, insinuação machista motivada pelo medo de ver exaltada a importância dela entre os fundadores do cristianismo.

Na idade Média, a loucura fanática e inquisitorial passou a condenar a mulher independente, praticante de terapias fitoterápicas, ou como obstetra, acompanhando a gravidez até o parto. Foram confundidas com as bruxas persistentes na crença pagã, versão feminina dos xamãs. Então, perseguiu-as, torturou-as, e levou-lhes à fogueira.

Como restos caricatos dos tribunais da Inquisição, a América do Norte colonial registrou no século 17, para vergonha do povo norte-americano, os julgamentos das bruxas de Salem, em Massachusetts, processando mulheres acusadas de bruxaria. Este fato inspirou a intelectualidade dos Estados Unidos a chamar de “Caça às Bruxas” a inquisição macarthista que perseguiu os liberais e antifascistas, incriminando-os antidemocraticamente como se fossem comunistas.

A estupidez autoritária não compreende que não se mata uma ideia ou uma prática, sacrificando o seu agente. Foi assim que Hitler suicidou-se no seu bunker berlinense e o stalinismo soçobrou com o Muro de Berlim.

Entristece-me em assistir agora o choque dos extremismos, incentivado pela inépcia intelectual de quem não devia fazê-lo. Espero que este cenário não nos leve a uma “caça às bruxas”, porque “direita” e “esquerda” não representam uma ideologia estável, são apenas sinais de união grupal como inquisidores de todos os tempos.

 

 

 

 

 

HINOS

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“Liberdade! Abre as asas sobre nós…” (Hino da Proclamação da República)

Com letra de Medeiros e Albuquerque e música de Leopoldo Américo Miguez, o Diário Oficial publicou 37 dias depois do fim da monarquia, a 21 de janeiro de 1890, o Hino à Proclamação da República.

Pretendeu-se na época, segundo registros históricos, que se tornasse o Hino Nacional, mas esse só foi criado com letra de Joaquim Osório Duque Estrada e música de Francisco Manuel da Silva, tornando-se oficial sob a presidência de Epitácio Pessoa.

Conforme o que estabelece o art. 13, § 1.º, da Constituição do Brasil, o Hino Nacional Brasileiro era cultuado nos meus tempos ginasianos, juntamente ao Hino da Independência e o Hino à Proclamação da República.

Antes do início das aulas, os estudantes formavam alas de acordo com as classes e cantavam estes três hinos e mais um dedicado a Getúlio Vargas… vivíamos uma ditadura, mas Vargas era muito popular, principalmente após a declaração de guerra aos países do Eixo.

No correr das nossas vidas, a minha geração vibrava muito com a Marselhesa, sob a influência da revolução francesa de 1793 e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, sob o dístico Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Nos tempos do vinil colecionei quase todos os hinos brasileiros e muitos estrangeiros; por causa dessa mania, ganhei muitos de presentes, sendo dois deles realmente encantadores, o Hino da República e a espetacular performance da Banda do Batalhão Naval executando o “Cisne Branco” – Hino da Marinha.

O da República, fortemente marcial, fortalecia meu entusiasmo patriótico e a defesa da liberdade como um princípio que carrego comigo até hoje; e a beleza melódica junto à letra poética d’ “O Cisne” enaltecendo o encanto do mar, emociona.

No 2º Batalhão de Obuses de Costa, sediado no Forte do Leme (Rio), aonde servi o Exército, cantávamos um hino que ao recordar, acho graça: “Rio, cidade tranquila/ que repousa à beira do mar/ Cabe à nossa Artilharia/ A sua vida feliz resguardar…”

Quando me interessei pela música erudita, participando dos ’Concertos da Juventude” do maestro Eleazar de Carvalho, encantei-me de tal modo que até hoje não durmo sem ouvir os clássicos.

Ali fui apresentado à “Polonesa Heroica”, obra prima de Frederico Chopin; ele compôs muitas “polonesas” inspiradas nas danças populares da Polônia e escritas para piano solo. Uma delas foi a primeira composição do grande compositor e pianista.

A Heroica, porém, em La bemol maior, Op. 53, conhecida mundialmente pelo seu nome francês, “Polonaise”, tem uma forte temática patriótica, que me seduziu. Vejo-a como um hino exaltando a Polônia contra a invasão napoleônica; e, na 2ª Grande Guerra, usada pela resistência popular contra a ocupação nazista.

Uma prima minha, a pianista Edda Fiore, premiada em Varsóvia no Concurso Chopin – já falecida, tocava maravilhosamente a Polonaise, e eu quando visitava a casa dos meus tios não me cansava de pedir-lhe para tocar, e de ouvi-la.

Sobre Chopin corre uma anedota histórica. Ele foi protegido pela aclamada escritora e memorialista francesa, George Sand, baronesa de Dudevant, cuja desenvoltura agitava a sociedade de sua época, pois se vestia com roupas masculinas, para ela mais cômodas do que o vestuário feminino.

Pois bem. Recém-chegado a Paris, Chopin sofreu a aversão de um conhecido crítico musical, Kalkbrunner, e George Sand atuou na defesa dele usando uma artimanha: Convidou o Crítico para um concerto de Liszt (por quem ele mantinha grande admiração) na casa da duquesa de Orléans.  O sarau foi a meia luz, quase obscuridade e quem tocou foi Chopin recebendo aplausos entusiásticos de Kalkbrunner.

Ardis engenhosos como este merecem consideração e são válidos até para os mais exigentes do legalismo. Hoje, porém, as fraudes não são assim, mas cometidas nas redes sociais contra pessoas, entidades e poderes republicanos. São as fakes news criminosas.

E ainda por cima vemos o embuste indigno, e não menos delinquente, dos cúmplices dessa execrável prática, comparando os fake news com a liberdade de expressão do pensamento!