Arquivo do mês: junho 2019

ACÓRDÃO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“Só quem entende a beleza do perdão pode julgar seus semelhantes” (Sócrates)

Poucas sentenças jurídicas satisfazem as duas partes de um processo, porque é decisão proferida por um único magistrado, de qualquer instância ou tribunal. A única aceita por unanimidade foi a de Salomão no caso das duas mães, de conhecimento geral.

Entre as fabulosas histórias da Grécia Antiga, temos o caso de Cicno, rei de Colonê, que acreditando em calúnias de que o filho do primeiro casamento, Tenes, o traía com a nova esposa, mandou encerrá-lo num baú e jogá-lo ao mar. Foi reconhecida injusta essa decisão, e o Deus do Mar levou o baú para a ilha de Leucofris; protegido de Netuno e salvo milagrosamente, Tenes se tornou rei da ilha que passou a se chamar Tenedo.

Tanto empolgam as histórias sobre a Justiça que alguns processos se rivalizam com as novelas, dando no Brasil uma grande audiência à TV-Justiça, que suspeitosamente alguns ministros do STF sugerem que deixe de transmitir julgamentos.

É do Supremo que saem os acórdãos, que significam a decisão plenária de um tribunal, diferenciando-se da sentença, que é uma decisão monocrática, de juiz de primeira instância, desembargador ou ministro de tribunais superiores.

O acórdão, como decisão final de um processo, serve de paradigma para solucionar casos análogos. É uma palavra forte trazendo curiosamente o acento agudo de tonalidade aberta e o sinal diacrítico til, para anasalar vogais.

Dicionarizado, o verbete acórdão é um substantivo masculino, de origem latina “cor” – coração, como termo jurídico é “saber pelo coração”, equivalente ao “de cor” e também de acordar, “cordatus”.

Usando o conto de François Andrieux, “O Moleiro de Sans-Souci”, o célebre dramaturgo Bertold Brecht pôs na boca de um dos seus personagens a expressão “ainda há juízes em Berlim”. Repito isto muitas vezes para enaltecer os juízes brasileiros que levam a sério o combate à corrupção e ao crime organizado.

Repito que estes magistrados estudam e conquistam suas cátedras aproveitados por concursos muito concorridos. São admirados pelos três “iii” que possuem, independência, inteligência e intransigência. Gosto de destacar entre eles o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro.

É impossível esquecer a coragem de Moro ao sentenciar à prisão, por corrupção e lavagem de dinheiro, o ex-presidente da República, Lula da Silva. Sofre até hoje a perseguição dos fanáticos seguidores do presidiário, enaltecido pelos que fazem dos companheiros corruptos “heróis”.

Como juiz, Moro foi reconhecido pelas instâncias superiores, o Tribunal Regional Federal (TRF4) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que confirmaram a condenação proferida, a despeito de pressões políticas, tramas e conspirações inomináveis dos fanáticos defensores do narcopopulismo.

Levando este texto para o desfile dos provérbios em apoio aos magistrados que praticam a justiça boa e perfeita, pesquei um caso vindo da Austrália, o julgamento em Brisbane de uma jovem, conhecida como “A Japonesa”, denunciada pelos médicos locais pela prática fraudulenta da Medicina. Sentada no banco dos réus foi inquirida pelo juiz.

– “A senhora é formada em Medicina? ”

– “Não, Excelência”.

– “Atende pessoas que buscam cura para enfermidades? ”

– “Sim, Excelência”.

– “Como atende os pacientes sem ser pela medicina oficial? ”

– “Rezo, e ajudada pela meditação, prescrevo o uso de certos chás e amuletos…”

Ouvida esta última declaração, o Promotor se apressou para pedir a condenação da ré, aplaudido pelos médicos que lotavam a sala. O Juiz-Presidente pediu silêncio e atenção; e falou:

– “Não vou atender o que reivindica o Promotor, porque de consciência não posso condenar esta mulher. Arrisco a minha posição e até a minha carreira, mas absolvo-a”, sentenciou, e justificou: – “Enquanto uma junta médica formada por ilustres professores me declararam portador de doença incurável, a Japonesa salvou-me a vida”.

 

 

 

ARANHAS

MIRANDA SÁ (E-mail-mirandasa@uol.com.br)

                                 “A teia de nossa vida é composta de fios misturados: de bens e de males”. (Shakespeare)

Machado de Assis criou um personagem impressionante ao contar uma história ainda mais espetacular, inspirando-me para uma incursão nos seus domínios. Esta figura, apaixonada pelas leis que regem a natureza, envolveu-se com os naturalistas Darwin e Büchner e resolveu estudar as aranhas.

Esta decisão veio acompanhada de um discurso atacando todos os demais insetos, mosquitos, pulgas e até a exaltada formiga dos provérbios. – “A aranha”, disse, “é diferente. Não nos aflige, nem defrauda; apanha moscas, nossas inimigas, fia, tece, trabalha e morre. Que melhor exemplo de paciência, de ordem, de previsão, de respeito e de humanidade? ”

O pesquisador foi além da curiosidade científica. Não somente ampliou em quantidade e qualidade a sua coleção de aranhas, como descobriu a linguagem fônica delas; e uma, particularmente, trouxe-lhe fácil entendimento; dissertou pelo idioma aracnídeo sobre a forma de governo adotado pelas aranhas.

Descreveu o processo eleitoral que entre elas é muito simples. Fazem um saco e nele coloca-se bolas com os nomes dos candidatos. Tradicionalmente, eram apenas dois, porque a República Arachnida, da Ordem Araneae, só reconhece dois partidos, o Partido Retilíneo e o Partido Curvilíneo.

O PR defende que as aranhas devem fazer as teias com fios retos; e o PC, ao contrário, dispõe que as teias sejam feitas com fios curvos. A disputa entre os dois é acérrima e permanente. Cada um puxa para si a defesa do bem, da justiça, da integridade e do respeito igual para todos; e acusam os outros de incentivo à bajulação, a deslealdade, a fraude e o patrimonialismo…

Este costume foi interrompido pelo surgimento de um terceiro partido, que embora também se apresentasse como geométrico, era menos anguloso, menos exclusivista, sem extremismos, propondo combinar os contrastes pela simultaneidade das linhas como se encontra no mundo físico e moral. O surgimento deste “tercius” terminou indo para a Corte de Justiça, porque no sistema das teias, tudo é judicializado.

O resultado do julgamento não foi divulgado porque não interessou ao contador de história; ele fora advertido que a teia da justiça era submissa ao bipartidarismo; eu então nem  continuei a ler o conto do Machado, “A Sereníssima República”.

Sabia que dali por diante, a narrativa convergiria para coisas do nosso conhecimento, pois a democracia dos araneídeos se parece com a dos Estados Unidos, que Gore Vidal descreve como: “A Democracia nos EUA é o direito de escolher entre o Analgésico “A” e o Analgésico “B”. Mas ambos são aspirinas”.

E tem uma certa semelhança com o nosso decantado Estado de Direito, onde a gente vê que o pragmatismo legislativo e o judiciário seletivo caírem em cima de quem tenta se colocar entre a direita e a esquerda.

Entre nós, chega a ser hilário, que cada um dos tradicionais protagonistas políticos sempre se mostra teoricamente simpático a colar com o centro. Não sei se já notaram que o lulopetismo, corrupto e corruptor, mais sujo do que pau de galinheiro, só fala agora em “centro-esquerda”?

Na tentativa de se limpar, esconde que confunde “centro” com “centrão” e corre para o abraço com os mesmos parceiros corruptos de sempre…

 

A TECLA

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

“Pelos mesmos caminhos não se chega sempre aos mesmos fins” (Jean-Jacques Rousseau)

A ficção é como uma vara de pescar. Com o anzol sortido de boa isca, traz à tona peixes de que a gente nunca viu e, se tomou conhecimento alguma vez, s’esqueceu…  É o caso do “Mandarim” que um personagem de Balzac citou como se fosse de Jean Jacques Rousseau, o nosso epigrafado.

Há controvérsias. O escritor italiano Carlo Ginzburg d’ “O Queijo e os Vermes”, diz que Balzac se equivocou sobre a autoria da parábola, que para ele é de François-René de Chateaubriand, autor d’ “O gênio do Cristianismo”.

No meu modo de ver, quero que seja mesmo de Rousseau, em homenagem ao escritor, filósofo e teórico político suíço que contribuiu para o Iluminismo europeu enriquecendo a cultura ocidental. Tive um querido cachorro com o seu nome.

A estória do mandarim se resume a uma pergunta: “Se para você se tornar o único herdeiro com a morte de um bilionário de quem nunca ouviu falar e para isto só precisasse digitar uma tecla de computador, faria isto? ”.

A parábola inteira, como foi traduzida do francês e eu atualizei para a Era da Internet, é a seguinte: “No interior da China existe um mandarim mais rico que todos os reis de que a fábula ou a História contam. Dele nada conheces, nem o nome, nem o semblante, nem a seda de que se veste. Para que tu herdes os seus cabedais infindáveis, basta que digites a tecla que está no teclado do teu computador. Ele soltará apenas um suspiro nos confins da Mongólia. Será então um cadáver: e tu verás a teus pés mais ouro do que pode sonhar a ambição de um avaro. Tu, que me lês e és um homem mortal, digitarás? ”

Esta historieta me dá absoluta certeza de que no mundo de hoje, e no Brasil particularmente, cheio de corruptos, milicianos, oportunistas políticos e traficantes, muitos não titubeariam em fazê-lo. Será pessimismo meu, será que estou sendo injusto com a humanidade e com meus patrícios?

Deixo o julgamento aos leitores. Entretanto, como a Declaração dos Direitos Humanos de que Rousseau foi um dos inspiradores me dá direito de defesa, mostro-lhes o que está a nossa volta.

Vejo o cenário de terra arrasada pelo Brasil afora. Os tanques russos que destruíram Berlim, como os nazistas fizeram com Moscou; e a bomba atômica americana lançada sobre Hiroshima e Nagasaki vingando-se de Pearl Arbour, se rivalizam com o caos imposto ao Rio de Janeiro pela quadrilha Lula-Cabral.

Morador do Rio, devo me conformar e perdoar o que vejo aqui? Não; porque conhecendo os membros do bando desses dois facínoras, todos, sem exceção, são capazes de assassinar um mandarim chinês à distância por dinheiro.

Indo para o plano nacional, ouvimos nos últimos dias o presidente Jair Bolsonaro afirmar que o Brasil é ingovernável sem conchavos. A oposição e a mídia sempre de má fé contra o Presidente, dizem que ele exagerou.

Não creio que seja exagero falar-se do comportamento negativista dos picaretas do Congresso Nacional, ameaçando, chantageando e conspirando para obter benesses e cargos, acostumados a receber vantagens desde que Fernando Henrique inventou o Mensalão para comprar a reeleição, e depois repassou-o ao companheiro Lula.

Esses digitadores de botões, dispostos a matar qualquer um de quem possam herdar alguma coisa, se mostram de corpo inteiro. Vimos a pouco a bancada lulopetista se unir à bandidagem do chamado centrão arrancando o Coaf do Ministério da Justiça só para se vingar de Sérgio Moro, que levou o seu chefe à cadeia por corrupção.

Diante do exposto, peço absolvição por suspeitar da humanidade e dos meus patrícios, porque faço o que recomendou Rousseau ao dizer:  – “Na juventude deve-se acumular o saber. Na velhice fazer uso dele”.

 

Manuel Bandeira

Porquinho-da-Índia

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração eu tinha
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos,
Ele não se importava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas…
– O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.

Ferreira Gullar

Madrugada

Do fundo de meu quarto, do fundo
de meu corpo
clandestino
ouço (não vejo) ouço
crescer no osso e no músculo da noite
a noite

a noite ocidental obscenamente acesa
sobre meu país dividido em classes

Augusto dos Anjos

A Obsessão do Sangue

Acordou, vendo sangue… – Horrível! O osso
Frontal em fogo… Ia talvez morrer,
Disse. Olhou-se no espelho. Era tão moço,
Ah! certamente não podia ser!

Levantou-se. E eis que viu, antes do almoço,
Na mão dos açougueiros, a escorrer
Fita rubra de sangue muito grosso,
A carne que ele havia de comer!

No inferno da visão alucinada,
Viu montanhas de sangue enchendo a estrada,
Viu vísceras vermelhas pelo chão …

E amou, com um berro bárbaro de gozo,
O monocromatismo monstruoso
Daquela universal vermelhidão!

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