Arquivo do mês: dezembro 2017

Alfred de Musset

Canção (1840)

 

Quando a vaidosa Esperança

 

Acotovela-nos partindo,

 

Depois, num vôo rápido se lança,

 

E se volta sorrindo;

 

 Aonde vai o homem? Aonde seu coração o encaminha.

 

A andorinha segue o zéfiro – vento do ocidente,

 

E é menos ligeira a andorinha

 

Que o homem seguindo seu desejo somente.

 

 Ah! Fugidia e cheia de ardil,

 

Sabes ao menos a tua direção?

 

É mesmo preciso que o Destino ancião

 

Tenha uma amante tão juvenil!

 

 

 

Arthur Rimbaud

Canção da Torre Mais Alta

 


Ociosa juventude
De tudo pervertida
Por minha virtude
Eu perdi a vida.
Ah! Que venha a hora
Que as almas enamora.

Eu disse a mim: cessa,
Que eu não te veja:
Nenhuma promessa
De rara beleza.
E vá sem martírio
Ao doce exílio.

Foi tão longa a espera
Que eu não olvido.
O terror, fera,
Aos céus dedico.
E uma sede estranha
Corrói-me as entranhas.

Assim os Prados
Vastos, floridos
De mirra e nardo
Vão esquecidos
Na viagem tosca
De cem feias moscas.

Ah! A viuvagem
Sem quem as ame
Só têm a imagem
Da Notre-Dame!
Será a prece pia
À Virgem Maria?

Ociosa juventude
De tudo pervertida
Por minha virtude
Eu perdi a vida.
Ah! Que venha a hora
Que as almas enamora!
Tradução:  Claudio Daniel

Charles Baudelaire

A uma passante

A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra alva da saia;
Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.
Eu bebia, como um basbaque extravagante,
No tempestuoso céu do seu olhar distante,
A doçura que encanta e o prazer que assassina.
Brilho… e a noite depois! – Fugitiva beldade
De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?
Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!
Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste!

 

Tradução e notas de Guilherme de Almeida
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IGNORÂNCIA

 

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)                   

                         “Nada no mundo é mais perigoso que a ignorância sincera e a estupidez consciente” (Martin Luther King)

Machado de Assis conta no seu livro “Balas de Estalo” uma anedota vivida pelo Barão de Drummond (ele gravou com dois “m”) e o Coronel Gordilho. Este último foi motivo de chacota porque, interpretando mal uma ordem superior, prendeu o maçom Luís Prates acusado de participação no movimento revolucionário de 1817 que estourou no Nordeste.

Tempos depois interpretando o fato, o Barão assim se referiu: “O autor da prisão (de Luís Prates) foi o Gordilho que depois, “por merecimento da sua ignorância”, se tornou Marquês de Jacarepaguá e senador do Império.

Machado chamou a expressão “por merecimento da sua ignorância” uma “bala de estalo” – um artefato que riscando na caixa de fósforo estoura, e que usei muito quando eu era menino na época de São João. A frase, por exprimir o julgamento negativo de uma premiação é realmente um estalo.

Triste é que a ignorância entre os poderosos imperiais atravessou os anos e chegou à República na esfarrapada Democracia que vivemos. Ninguém “ignora” a palavra

Ignorância; é um substantivo feminino dicionarizado como falta de saber, de conhecimentos; a característica de quem não tem informação ou não está a par do que se passa à sua volta.

O povão na sua inteligência ampliou o conceito de ignorância para boçalidade, estupidez, grosseria e rudeza. Num dos meus últimos artigos fui criticado por citar como exemplos da decadência cultural no Brasil a intelectualidade eleita pela mídia, e a composição da Academia Brasileira de Letras e do Supremo Tribunal Federal.

Respondo à crítica através deste artigo que é lido por milhares de seguidores no Twitter e no Facebook. Julgo com a sabedoria dos antigos gregos que nos legou uma lição do grande Aristóteles: “o ignorante afirma, o sábio duvida, o sensato reflete”; isto basta para reafirmarmos minha menção aos “novos intelectuais”, “novos imortais” e novos “ministros togados”.

Como a “ignorância e a arrogância são duas irmãs inseparáveis, com um só corpo e alma” no dizer de Giordano Bruno, nós as encontramos como uma atração fatal dos fascistóides lulopetistas.

Haveria um exemplo maior de ignorante do que o pelego Lula da Silva, embora driblando a opinião pública com a astúcia e os ardis de pelego escolado na política sindical? E que, através dele, também tivemos na Presidência “por merecimento da sua ignorância” Dilma Rousseff, que foi defenestrada do cargo, mas continua a divulgar – sem o menor acanhamento – o seu besteirol de “work alcholic”.

Consideramos, também, a estupidez da fração populacional brasileira que se revela cega e faz ouvidos moucos às revelações sobre Lula e Dilma. Chega a 30% da população, incluindo pessoas que ocupam posições de relevo social.

Registram-se artistas, jornalistas, professores e até escritores, assumindo a ignorância ao defender o lulopetismo como se fora socialismo, e confundindo o narcopopulismo como finado stalinismo. Desconfia-se que é por interesse. Fala-se que é mercenarismo. Seja como for, fingidores ou não, travestem-se de ignorantes.

Dizem, também, que muitos destes surfistas da ignorância política o fazem por vaidade, repetindo como papagaios as palavras-de-ordem dos chefetes partidários para atrair holofotes.

Esta versão me agrada, por que os psicólogos dizem que a ignorância está sempre pronta a admirar-se a si própria, e parece ser o diagnóstico correto para os seguidores do Partidos dos Trabalhadores e suas linhas auxiliares…

Victor Hugo

Fábula ou história

Um dia, magro e sentindo um real desfastio,
Um macaco com a pele de um tigre se vestiu.
O tigre fora malvado, ele tornou-se atroz
Ele tinha assumido o direito de ser feroz.
Arreganhava os dentes, gritando: eu serei
O herói dos matagais, da noite o temível rei!
Como malfeitor dos bosques, emboscado nos espinhos,
De horror, morte e rapinas, escureceu os caminhos,
Degolou os viajantes e devastou a floresta,
Fez tudo o que faz aquela pele funesta.
Vivia no seu antro, no meio da voragem.
Todos, vendo-lhe a pele, criam na personagem.
Gritava e rugia como as feras danadas:
Olhem, a minha caverna está cheia de ossadas;
Olhem para mim, sou um tigre! Tudo treme,
Diante de mim, tudo recua e emigra; tudo freme!
Temiam-no os animais, fugindo com grandes passos.
Um domador apareceu e tomando-o nos braços,
Rasgou-lhe a pele, como se rasga um farrapo,
E, pondo a nu o herói, disse: Não passas de um macaco!

 

 Tradução: José Lino Grünewald

Paul Valéry

A adormecida 

[à Lucien Fabre]

Que segredo incandesces no peito, minha amiga,

Alma por doce máscara aspirando a flor?

De que alimentos vãos teu cândido calor

Gera essa irradiação: mulher adormecida?

Sopro, sonhos, silêncio, invencível quebranto,

Tu triunfas, ó paz mais potente que um pranto,

Quando de um pleno sono a onda grave e estendida

Conspira sobre o seio de tal inimiga

Dorme, dourada soma: sombras e abandono.

De tais dons cumulou-se esse temível sono,

Corça languidamente longa além do laço,

Que embora a alma ausente, em luta nos desertos,

Tua forma ao ventre puro, que veste um fluido braço,

Vela, Tua forma vela, e meus olhos: abertos.

Paul Valéry, em “Charmes”. (1922).. [tradução Augusto de Campos]. in: BARBOSA, João Alexandre. A comédia intelectual de Paul Valéry. São Paulo: Iluminuras, 2007. Op. cit., p. 76.

John Donne (1572 – 1631)

Oh, Morte, não te orgulhes, pois ruim
Como dizem não és, medonha e forte;
Quem pensas que abateste, pobre Morte,
Não morre; nem matar podes a mim.
Se o sono, o teu retrato, agrada assim,
Contigo fluirá melhor a sorte;
E o bom, ao conhecer o teu transporte,
Descansa o corpo e se liberta enfim.
Serva de reis, destino, acasos e ânsia,
À droga, à peste e à guerra te associas;
E adormecem-nos ópios e magias
Mais que teu golpe. Então, por que a jactância?
Um breve sono a vida eterna traz,
E, vai-se a morte. Morte, morrerás.

 

Trad. Paulo Vizioli

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A MAÇÃ

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

“O pecado original não foi a maçã que Eva comeu, foi achar que Adão precisava compartilhar exatamente o que ela havia experimentado” (Paulo Coelho)

Não tenho certeza e a “pesquisa Google” não contém, mas dizem que foi o grande Isaak Newton, o pai da Lei da Gravitação Universal, o autor da frase: “Física, liberta-me da metafísica”, que exclamou depois que uma maçã lhe caiu na cabeça.

Newton foi astrônomo, alquimista, filósofo natural, teólogo e cientista inglês, mas é mundialmente reconhecido como físico e matemático; e a estória da maçã, que muitos julgam ser fantasia, foi divulgada por Voltaire em seu “Ensaio Sobre Poesia Épica” e confirmada por John Conduitt, que trabalhou com Newton e era casado com uma sobrinha dele.

Eu acredito piamente que Newton teve o primeiro pensamento sobre o sistema de gravitação ao ver uma maçã cair da árvore quando caminhava em seu jardim, mas a frase “Física, liberta-me da metafísica” é duvidosa, por que não é tão genial como a lei da física batizada com o nome dele.

Vem de longe a ideia. Os filósofos da Grécia antiga já classificavam a ciência com três vertentes: Física, a Ética e a Lógica, divisão que consideravam de acordo com a natureza das coisas, e, para lhe completar resta apenas determinar com exatidão as subdivisões necessárias.

Immanuel Kant em defesa da ciência escreveu que “pode-se denominar empírica toda filosofia que se apoia na experiência científica”, mas distinguiu com a sua Lógica, que a visão filosófica se limitando ao pensamento, deverá ser considerada como Metafísica.

Completou este entendimento com a ideia de uma dupla metafísica: uma Metafísica da natureza e uma Metafísica dos costumes. Não sei aonde se enquadra a Maçã como a fruta responsável pela expulsão de Adão e Eva do paraíso no conceito da Metafísica da Natureza…

No Livro da Gênesis, a Bíblia traz que “Adão e Eva foram expulsos do paraíso por comerem “o fruto da árvore que está no meio do jardim”, não menciona que o fruto proibido era a maçã; isto foi herdado das antigas religiões que a representavam como perigosa causadora de confusão, discórdias, pecados, quebra de tabus e rebeldia.

Temos na mitologia grega a deusa Eris usando a maçã para provocar a guerra de Tróia, e o nórdico deus Loki que usando as maçãs da deusa Iduna derrubou os deuses do santuário de Asgard. Acho até que vem dessas lendas a tentação de Branca de Neve para morder a maçã que a bruxa má lhe ofereceu.

Nos dias atuais pouco importa aos pregadores das tradições judaico-cristãs que era indeterminado na Bíblia o fruto proibido no paraíso, fosse banana, pera ou uva. Eles insistem em dizer que o fruto proibido era a maçã…

Os agitadores patológicos, como o ditador Maduro e seus seguidores brasileiros, se aproveitam disso para combater os Estados Unidos usando a cidade de Nova Iorque como um centro satânico, a “Grande Maçã”. Entretanto, o apelido “Big Apple” dado a Nova Iorque, é elogioso, lembra a oportunidade de todos de comerem às custas dela…

Quando escrevia no New York Morning Telegraph, o escritor John Fitzgerald creditou o apelido aos jóqueis e treinadores que aspiravam os prêmios patrocinados pela prefeitura nova-iorquina nas corridas do hipódromo.

Mais tarde, no final dos anos 20 e início dos anos 30, também os músicos de jazz começaram a referir a Nova York como “The Big Apple” por que ali é que os músicos e artistas ganhavam dinheiro.

Não pensam assim dos portadores dos neurônios degenerados do bolivarianismo, eles preferem à Nova Iorque, a maçã podre das ditaduras cubana e venezuelana…

 

Paul Fleming

MEDITAÇÃO SOBRE O TEMPO

Vives no Tempo sem saber o que é o Tempo;
Ignoras de onde vens e no que te deténs.
Sabes apenas que num Tempo foste feito
E que num outro Tempo ainda serás desfeito.
Mas o que foi o Tempo que te trouxe incluso?
E o que há de ser aquele que te faz sem uso?
O Tempo é sim e não, o homem se multiplica,
Mas o que é este Sim-e-Não ninguém explica.
O Tempo morre em si e a si mesmo renasce.
O de que tu e eu viemos, de nós mesmos nasce.
O homem está no Tempo e o Tempo está no homem,
Mas o Tempo resiste enquanto o homem some.
O Tempo é o que és e és o que é o Tempo,
Embora tenhas menos do que o Tempo tem.
Ah, se esse outro Tempo, sem Tempo, chegasse
E a nós, de nosso Tempo, esse Tempo arrancasse,
E de nós mesmos, nós, para sermos também
Como esse Tempo, que nenhum Tempo contém.

Trad. Augusto de Campos.

Dylan Thomas

Não entres mansamente nessa noite funda

Não entres mansamente nessa noite funda.
Que as velhas almas ardem ao findar do dia.
Te insurge em fúria contra o fim da luz, e luta.

Os sábios, mesmo vendo a sombra que triunfa,
Sabendo que sua voz não fulge nem fulmina,
Não entram mansamente nessa noite funda.

Os bravos, ao romper das ondas, não se assustam,
Mas cantam suas proezas na enseada limpa:
Em fúria rugem contra o fim da luz, e lutam.

Os bárbaros, que aos brados catam sol e lua,
E, súbito, lamentam que essa luz se extinga,
Não entram mansamente nessa noite funda.

Os quase mortos ‒ cegos, lúcidos ‒ perscrutam
Clarões dos meteoros cegos da alegria:
Em fúria rugem contra o fim da luz, e lutam.

E tu, meu pai, erguido em tormentosa altura,
Com lágrima feroz me amaldiçoa e guia.
Não entres mansamente nessa noite funda;
Te insurge em fúria contra o fim da luz, e luta.

 

Tradutor: José Francisco Botelho é escritor, tradutor e jornalista. Sua coletânea de contos A árvore que falava aramaico (Zouk, 2011) foi finalista do prêmio Açorianos em 2012.  Para a Companhia das Letras, traduziu Contos da Cantuária e Drácula de Bram Stoker. Escreve para diversas revistas.