Arquivo do mês: outubro 2016

Hugh Selwyn Mauberly (Ezra Pound)

Vai, livro natimudo,
E diz a ela
Que um dia me cantou essa canção de Lawes:
Houvesse em nós
Mais canção, menos temas,
Então se acabariam minhas penas,
Meus defeitos sanados em poemas
Para fazê-la eterna em minha voz
Diz a ela que espalha

Tais tesouros no ar,
Sem querer nada mais além de dar
Vida ao momento,
Que eu lhes ordenaria: vivam,
Quais rosas, no âmbar mágico, a compor,
Rubribordadas de ouro, só
Uma substância e cor
Desafiando o tempo.

Diz a ela que vai
Com a canção nos lábios
Mas não canta a canção e ignora

Quem a fez, que talvez uma outra boca
Tão bela quanto a dela
Em novas eras há de ter aos pés
Os que a adoram agora,
Quando os nossos dois pós
Com o de Waller se deponham, mudos,
No olvido que refina a todos nós,
Até que a mutação apague tudo
Salvo a Beleza, a sós.

(Trecho de Hugh Selwyn Mauberly, de Ezra Pound. Tradução de A. de Campos)

Affonso Romano de Sant´Anna

Fascínio

Casado, continuo a achar as mulheres irresistíveis.
Não deveria, dizem.
Me esforço. Aliás,
já nem me esforço.
Abertamente me ponho a admirá-las.
Não estou traindo ninguém, advirto.
Como pode o amor trair o amor?
Amar o amor num outro amor
é um ritual que, amante, me permito.

* Este poema foi recitado na voz de Tônia Carrero no CD “Affonso Romano de Sant’Anna por Tônia Carrero” da Coleção “Poesia Falada”.

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Bosco Lopes

Riogrande

 

Rio grande da morte

Rio grande sem sorte

Rio grande sem forte

Rio Grande do Norte

Rio pequeno do Norte

Rio finito do corte

Rio seco de sorte

Rio Grande do Norte

Rio sem cais sem porto

Rio você já foi morto

Rio de leito torto

Rio chorando de fome

Rio triste sem nome

Rio cansado que some

 

LOPES, Bosco.  Projeto / Zero.  Natal, RN: Sebo Vermelho Edições, 2008.   Editor: Abimael Silva.  Edição inconsútil, 6 folhas soltas.  Poema-processo. 16×16 cm  “ Bosco Lopes “ Ex. bibl. Antonio Miranda

Olavo Bilac

A velhice

O neto:

Vovó, por que não tem dentes?

Por que anda rezando só.

E treme, como os doentes

Quando têm febre, vovó?

Por que é branco o seu cabelo?

Por que se apóia a um bordão?

Vovó, porque, como o gelo,

É tão fria a sua mão?

Por que é tão triste o seu rosto?

Tão trêmula a sua voz?

Vovó, qual é seu desgosto?

Por que não ri como nós?

 

A Avó:

Meu neto, que és meu encanto,

Tu acabas de nascer…

E eu, tenho vivido tanto

Que estou farta de viver!

Os anos, que vão passando,

Vão nos matando sem dó:

Só tu consegues, falando,

Dar-me alegria, tu só!

O teu sorriso, criança,

Cai sobre os martírios meus,

Como um clarão de esperança,

Como uma benção de Deus!

 

In: Poesias Infantis

RJ: Francisco Alves, 1929.

PRINCÍPIOS

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

“A sinceridade é o princípio e o fim de todas as coisas” (Confúcio)

Princípio (do latim principiu) significa começo, fundamento, ou essência de algum fenômeno. É uma regra geral, a causa primária. Do ponto de vista acadêmico, é a regra ou lei que controla a forma de agir ou a postura dos indivíduos.

Podemos definir princípios como experiências, ensinamentos, normas ou saberes essenciais e imprescindíveis; na sociedade humana os princípios estão indissoluvelmente ligados à liberdade individual, sem pressão externa e influente no processo de socialização.

Na Filosofia, é a proposição ao início de uma dedução e que não é deduzida de nenhuma outra proposição do sistema filosófico. Na antiga Grécia, mãe da cultura ocidental, seus sábios estabeleceram princípios para o estudo da Natureza que, na sua visão teórica, era regida por leis imutáveis.

Para Pitágoras, o princípio das coisas era os números e induziu os seus discípulos a crer que “todas as coisas são números”. Estes filósofos do passado inspiraram os estudos matemáticos de Descartes com a geometria, e os científicos de Emanuel Kant sobre a filosofia da natureza e da natureza humana.

Em todos os ramos da Ciência encontramos o olhar analítico dos princípios que produzem pesquisas da comunidade científica, principalmente para a medicina.

Nas religiões orientais, os ensinamentos de Confúcio e Buda são os princípios adotados pelos crentes, e, no cristianismo, encontramos os princípios bíblicos do Livro de Mateus e nos Evangelhos com as parábolas de Jesus Cristo.

Dos exemplos apresentados também nascem as doutrinas e os preceitos que regem a Política que, infelizmente, uns confundem com Ciência e outros com Religião; nesta vertente do comportamento humano os princípios são geralmente questionados ou oportunisticamente inventados…  É daí que neste campo, as ideologias precisam ser discutidas e disputadas.

Como aceitar, por exemplo, o princípio adotado pelos lulopetistas do “sempre se fez assim”? A vulgaridade para justificar a saga dos seus crimes, desmente as proposições iniciais do Partido dos Trabalhadores, insincero, desviando-se por atalhos que receberam o repúdio de muitos dos seus fundadores.

Ao aderir ao velho sistema, aliando-se com os 300 picaretas do Congresso, o PT precisava dar uma satisfação às correntes esquerdistas; e acolheu outro princípio, que os jesuítas atribuíram aos comunistas e que Trotsky disse ser da Congregação: “Os fins justificam os meios”.  É possível que ambos estivessem certos…

Vagando na “undiscorey country” a região desconhecida e fantasiosa que Shakespeare mapeou no 3º Ato de “Hamlet” a meninada controlada pelos pelegos da UNE e da UBES repetem o mantra do “Não à reforma do Ensino”, sem sequer tenham lido o texto…

Também devemos atribuir à reversão dos princípios éticos aos eleitores do “Quanto pior, melhor”, ao apoiar no Rio de Janeiro o candidato do PSOL, defensor dos Black Blocs que agridem, depredam, vandalizam e até contabilizam uma morte com seus desatinos.

Por sorte, ainda vigoram neste País princípios jurídicos estabelecendo padrões de conduta para a cidadania e para o Estado. Assim, a Justiça Federal persegue todos os corruptos e a organização criminosa que aparelhou o governo federal para corromper e ser corrompida.

Nesta segunda semana de outubro, o juiz Moro decretou a prisão de Eduardo Cunha, considerando-o um serial infrator da Lei. Pelo princípio constitucional de que “todos são iguais perante a Lei”, fica nos devendo a prisão de Lula da Silva, o mega-corrupto chefe do quadrilhão do PT e seus satélites.

Tobias Barreto

A Escravidão

 

Se Deus é quem deixa o mundo

Sob o peso que o oprime,

Se ele consente esse crime,

Que se chama a escravidão,

Para fazer homens livres,

Para arrancá-los do abismo,

Existe um patriotismo

Maior que a religião.

 

Se não lhe importa o escravo

Que a seus pés queixas deponha,

Cobrindo assim de vergonha

A face dos anjos seus,

Em seu delírio inefável,

Praticando a caridade,

Nesta hora a mocidade

Corrige o erro de Deus!…

 

1868

Publicado no livro Dias e Noites (1893). Poema integrante da série Parte I – Gerais e Naturalistas.

In: BARRETO, Tobias. Dias e noites. Org. Luiz Antonio Barreto. Introd. e notas Jackson da Silva Lima. 7.ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Record; Brasília: INL, 1989. p.122. (Obras completas

 

Cecília Meireles

INTERLÚDIO

As palavras estão muito ditas
e o mundo muito pensado.
Fico ao teu lado.

Não me digas que há futuro
nem passado.
Deixa o presente — claro muro
sem coisas escritas.

Deixa o presente. Não fales,
Não me expliques o presente,
pois é tudo demasiado.

Em águas de eternamente,
o cometa dos meus males
afunda, desarvorado.

Fico ao teu lado.

Carlos Drummond de Andrade

CANÇÃO AMIGA

Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.

Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não se vêem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.

Eu distribuo um segredo
como quem anda ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.

Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.

Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.

CAVIAR

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

— “Caviar é comida de rico/ Curioso fico/ Só sei que se come/ Na mesa de poucos” —(Zeca Pagodinho)

O caviar é um dos ingredientes mais esnobados, luxuosos e valorizados do mundo e, por ser muito caro, desperta mais a atenção e curiosidade das pessoas para degusta-lo. O caviar legítimo é a ova de um peixe, o esturjão, capturado no Mar Cáspio.

Foram os russos e os iranianos os primeiros povos a comercializar o caviar, iguaria que era desconhecida até nas regiões mais próximas. Ao ser descoberto e apreciado, limitou-se, porém, às classes mais abastadas pelo alto custo.

No Brasil popularizou-se, entrou na letra de músicas populares e o escritor Jorge Amado ajudou na sua divulgação citando-o nos seus livros. Vadinho, personagem de “Dona Flor e seus dois Maridos”, experimentou o caviar e comentou: “tem cheiro e gosto de xibiu”.

Também os socialistas de triplex e mansões foram apelidados de “esquerda caviar”, o que veio a inspirar o jornalista Rodrigo Constantino a escrever o livro “A Esquerda Caviar”. É uma crônica divertida, agradável de se ler, além de conter uma crítica expressiva à esnobação dos que vivem uma vida nababesca e arrotam um revolucionarismo falso.

Além do mais, Constantino lista vários socialistas que levam uma vida de abundância, especialmente por causa do discurso que propagam. Artistas que mantém apartamentos em Paris e Nova Iorque se manifestam com extremismo obreirista.  E também faturam com a exibição esquerdizante na mídia, auferindo com seus discursos nos governos petistas, afagos e financiamento da Lei Rouanet.

Jornalistas de alto salário que também respiram o mesmo ar das ideias superadas pela experiência em vários países, insistem em comungar com elas. A poucos dias, levaram uma porretada da ministra Carmen Lúcia, presidente do STF. Perguntaram-lhe sobre os seus vencimentos. Carmen abriu a gaveta e mostrou-lhe seu contracheque, pedindo: – “Vocês podem mostrar os seus? ”.

O exibicionismo faz parte dos prazeres dos esquerdistas narcopopulistas quando conquistam o Poder. O ideólogo do lulopetismo, José Dirceu, antes de ser preso por corrupção e formação de quadrilha, tomava vinho de R$ 1.300 a garrafa.

Assistimos igualmente nas gestões dos ex-presidentes Lula e Dilma, essa distorção ideológica e a anomalia ética.  Só se hospedavam em hotéis de conforto régio, e Lula, desmoralizado como réu em três ações penais, só viaja em jatinho particular.

Por ato do governo Temer, Dilma perdeu semana passada 90 motoristas de uso particular (e familiar) e devolveu 28 carros. Sua filha também devolveu 8 carros e 16 servidores.

O luxo dos lulopetistas, é um desvio da teoria socialista; mas no caso deles é a própria razão de militar no esquerdismo. Vemos isto nas campanhas eleitorais. No Rio de Janeiro as calças rasgadas e remendadas das mocinhas que apoiam Freixo, não ocultam o perfume francês que usam habitualmente.

Em paralelo uma pesada gozação vem de baixo para cima: Zeca Pagodinho desmoraliza a “esquerda caviar” com os versos – “Você sabe o que é caviar? / Nunca vi, nem comi/ Eu só ouço falar…” E como nem só de caviar pode viver o homem, também a falsidade socialisteira não podemos suportar: Chega! Vamos derrotar no 2º Turno o puxadinho do PT e o seu candidato, Freixo.

 

 

Fernando Pessoa

Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva

Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego…

Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece…

Não paira vento, não há céu que eu sinta.
Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente…