Arquivo do mês: junho 2016

Elizabeth Bishop

Uma arte

A arte da perda é fácil ter;
por tanta coisa cheia de intenção
de ser perdida não dá pra sofrer.

Perca algo todo dia. Perder
chaves aceite, junto com a aflição.
A arte da perda é fácil ter.

Treine perder muito sem se deter:
lugares, e nomes, a comichão
de viajar. Nada fará sofrer.

Perdi jóias da mamãe. E dizer
que perdi casas que amei de paixão.
A arte da perda é fácil ter.

Perdi duas cidades. E o prazer
de um continente na palma da mão.
Sinto falta mas não dá pra sofrer.

– Até perder você (a voz, o ser
que eu amo) não devia mentir. Não,
a arte da perda se pode ter
embora pareça (diga!) sofrer.

 

Saiba mais sobre Elizabeth Bishop aqui

Ferreira Gullar – Poema Sujo

turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos

menos que escuro
menos que mole e duro
menos que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro
como água? como pluma?
claro mais que claro claro: coisa alguma
e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo fabrica
e vem sonhando desde as entranhas
azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu
tua gengiva igual a tua bocetinha
que parecia sorrir entre as folhas de
banana entre os cheiros de flor
e bosta de porco aberta como
uma boca do corpo
(não como a tua boca de palavras) como uma
entrada para
eu não sabia tu
não sabias
fazer girar a vida
com seu montão de estrelas e oceano
entrando-nos em ti
bela bela
mais que bela
mas como era o nome dela?
Não era Helena nem Vera
nem Nara nem Gabriela
nem Tereza nem Maria
Seu nome seu nome era…
Perdeu-se na carne fria
perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia.

Saiba mais sobre Ferreira Gullar clique aqui

  • Comentários desativados em Ferreira Gullar – Poema Sujo

Garcia Lorca

AR DE NOTURNO

 

Tenho muito medo

das folhas mortas,

medo dos prados

cheios de orvalho.

eu vou dormir;

se não me despertas,

deixarei a teu lado meu coração frio.

 

O que é isso que soa

bem longe ?

Amor. O vento nas vidraças,

amor meu !

 

Pus em ti colares

com gemas de aurora.

Por que me abandonas

neste caminho ?

Se vais muito longe,

meu pássaro chora

e a verde vinha

não dará seu vinho.

 

O que é isso que soa

bem longe ?

Amor. O vento nas vidraças,

amor meu !

 

Nunca saberás,

esfinge de neve,

o muito que eu

haveria de te querer

essas madrugadas

quando chove

e no ramo seco

se desfaz o ninho.

 

O que é isso que soa

bem longe ?

Amor. O vento nas vidraças,

amor meu !

 

( tradução:  William Agel de Melo )

Saiba mais sobre Garcia Lorca aqui

Sylvia Plath

PAPOULAS DE JULHO

 

Ó papoulinhas pequenas flamas do inferno,

Então não fazem mal?

 

Vocês vibram. É impossível tocá-las.

Eu ponho as mãos entre as flamas. Nada me queima.

 

E me fatiga ficar a olhá-las

Assim vibrantes, enrugadas e rubras, como a pele de uma boca.

 

Uma boca sangrando.

Pequenas franjas sangrentas!

 

Há vapores que não posso tocar.

Onde estão os narcóticos, as repugnantes cápsulas?

 

Se eu pudesse sangrar, ou dormir !

Se minha boca pudesse unir-se a tal ferida !

 

Ou que seus licores filtrem-se em mim, nessa cápsula de vidro,

Entorpecendo e apaziguando.

Mas sem cor. Sem cor alguma.

 

( tradução de Afonso Félix de Souza )

 

Rainer Maria Rilke

Que farás tu, meu Deus, se eu perecer?

 

Que farás tu, meu Deus, se eu perecer?

Eu sou o teu vaso – e se me quebro?

Eu sou tua água – e se apodreço?

Sou tua roupa e teu trabalho

Comigo perdes tu o teu sentido.

 

Depois de mim não terás um lugar

Onde as palavras ardentes te saúdem.

Dos teus pés cansados cairão

As sandálias que sou.

Perderás tua ampla túnica.

Teu olhar que em minhas pálpebras,

Como num travesseiro,

Ardentemente recebo,

Virá me procurar por largo tempo

E se deitará, na hora do crepúsculo,

No duro chão de pedra.

 

Que farás tu, meu Deus? O medo me domina.

 

(Tradução: Paulo Plínio Abreu)

Para saber mais sobre Rainer Maria Rilke clique aqui

  • Comentários desativados em Rainer Maria Rilke

DEMOCRACIA

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

´Os males da democracia, só se curam com mais democracia´. (Georges Burdeau)

Depois de situar o Estado, como fiz no último artigo, é fundamental falar de Democracia, a aspiração dos povos para conquistar a Liberdade. Teoricamente (mais do que uma Utopia), a Democracia é o governo onde a cidadania (mais do que as massas) exerce sua soberania.

Diretamente ou através de eleições livres elegendo representantes, o povo (não confundir com a massa) participa da condução dos destinos do seu país, num País em que os poderes dirigentes do Estado, Executivo, Judiciário e Legislativo, são separados garantindo assim o Estado de Direito.

A conquista do funcionamento autônomo e convergente destes órgãos, seja em qualquer regime, monárquico ou republicano, produz a verdadeira Democracia, que foi construída através dos tempos.

Historicamente, os frutos que a Democracia colhe vêm de longe, fundamentando-se em experiências, como a do povo judeu que teve o Sinédrio (Sanhedrim, em grego Synedrion), uma assembleia de anciãos reunindo-se ora como Grande Sinédrio e o Sinédrio Menor, dependendo da interpretação e o julgamento da Lei de Moisés.

Funcionava mais ou menos como a Câmara e o Senado que temos, acumulando porém, as funções legislativa e judiciária. Foi o Sinédrio que interpretou a Torá (Lei), que julgou e condenou Jesus, segundo o Novo Testamento.

Também os gregos antigos nos deixaram a herança da Ágora – lugar de reunião onde as pessoas discutiam problemas de toda natureza. Era um espaço público de debates para os cidadãos gregos que tudo decidiam pelo voto direto.

Embora restrita aos cidadãos livres foi sem dúvida um lugar com característica democrática e até inspirou uma corrente anarquista defensora do “Agorismo”, exaltação de um governo sem Estado…

Em Roma – que nos legou quase todas as instituições que temos – constituiu-se o Senado do Povo Romano (Senatvs Popvlvsqve Romanvs) de uma importância ímpar durante a República e que se manteve no Império, embora sem o mesmo poder.

O Senado em Roma, marcou com tanta força a participação política da cidadania que o seu acrônimo SPQR (SENATVSPOPVLVSQVEROMANVS), estava inscrito nos estandartes das legiões romanas e foi aproveitado pelo cristianismo, ao assumir o poder. Poucas pessoas sabem que este distintivo é exibido nas procissões que representam os passos e a morte de Jesus Cristo…

É interessante que em Roma, como entre os judeus e os gregos, legisladores e julgadores se confundiam, surgindo nas assembleias alguns que se especializavam em elaborar leis e outros para julgar. De certa maneira parecidas com o que vemos hoje na Comissão do Impeachment que está funcionando no Senado.

O processo do impeachment de uma presidente que cometeu crime de responsabilidade fiscal é apreciado por parlamentares do ponto de vista político incorporando a condição de magistrados; e, dessa maneira, vem sendo conduzido.

Então cabe a pergunta: Há Democracia com o Congresso que aí está? Da minha parte respondo que sim, ainda que os senadores lulo-petistas contestem, aproveitando-se para desmoralizar a instituição. Também perguntamos se existe Democracia num País que faz eleições em urnas fraudáveis e candidatos que investem dinheiro sujo em suas campanhas?

Não, apesar de que é esta a Democracia que vivemos. Assistimos senadores petistas atacando o Judiciário e o Legislativo dizendo que o impeachment é golpe, apoiando a presidente afastada que enterrou a economia com fraudes, incompetência e ideologismo superado. Isso, para não falar da leniência com a ação dos gângsteres do seu partido.

Burdeau, o nosso epigrafado, nos dá uma lição magistral ao dizer que os males da Democracia, só se curam com mais Democracia. É por isso que denunciamos os golpes que o lulo-petismo confabula contra a Constituição, com pressões sobre o STF e fazendo uma campanha sórdida por novas eleições, possível tábua de salvação…

 

 

Carlos Drummond de Andrade – Mãos Dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.

Também não cantarei o mundo futuro.

Estou preso à vida e olho meus companheiros.

Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.

Entre eles, considero a enorme realidade.

O presente é tão grande, não nos afastemos.

Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,

não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,

não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,

não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.

O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.

  • Comentários desativados em Carlos Drummond de Andrade – Mãos Dadas

Fernando Pessoa – Passa uma borboleta

 Passa uma borboleta por diante de mim

E pela primeira vez no Universo eu reparo

Que as borboletas não têm cor nem movimento,

Assim como as flores não têm perfume nem cor.

A cor é que tem cor nas asas da borboleta,

No movimento da borboleta o movimento é que se move,

O perfume é que tem perfume no perfume da flor.

A borboleta é apenas borboleta

E a flor é apenas flor.

Para saber mais sobre Fernando Pessoa clique aqui

O ESTADO

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

“O Estado é como o corpo humano. Nem todas as funções que desempenha são nobres.” 
(Anatole France)

Ouvi falar de Teoria Geral do Estado no primeiro ano da Faculdade Nacional de Direito tendo como professor Pedro Calmon, um notável de sua época, que era o Reitor da antiga Universidade do Brasil. Pouco me lembro das aulas de Calmon, exceto seu castiço português, alguns exemplos engraçados e o carinho com que tratava seus alunos.

Certa vez, quando ele adentrou no anfiteatro, eu estava numa janela com um manuscrito na mão, distraído, coisa incomum, pois devíamos estar sentados cada um em sua banca em respeito ao mestre. Calmon foi até lá, pegou-me pelo braço e pediu para ver o que havia no papel.

Como todos jovens são metidos a poeta, e eu fizera um poema que terminava com o verso “as lágrimas da despedida circularam um espiral de saudades…” Calmon leu o texto e me corrigiu: – “Espiral é um substantivo feminino…” e carinhosamente completou: – “… Mas como licença poética, você pode deixar como está”.

Passados mais do que 60 anos, com a experiência de estudos e de vida, considero a Teoria do Estado importantíssima, um dos fundamentos do Direito Público e a parte mais importante do Direito Constitucional.

Herdamos do Direito Alemão a origem da expressão Teoria geral do Estado (‘Allgemeinestaatslehre’), criada pelo professor Ulrik Huber em 1672 e foi consagrada pelo jurista alemão Rudolf Von Ihering na sua obra “A Luta pelo Direito”, um referencial dos jurisconsultos e advogados.

A matéria estuda a origem do Estado, sua formação, organização, funcionamento e finalidades, enfim, tudo sobre sua existência através de estudos da História e seus ramos culturais, Antropologia, Economia, Filosofia, Geografia e até a Psicologia.

Hoje, pela evolução da sociedade humana temos o Estado de Direito, que disciplina os direitos e deveres da cidadania. Tristemente ainda temos ditadores e aprendizes de ditador, aplicando e sonhando com o absolutismo imposto pelo “direito divino dos reis” tendo como exemplo Luís XIV, com a sua declaração “o Estado sou eu”.

Pois bem, a caricatura tupiniquim de Luís XIV, outro Luís, Lula da Silva, usou e abusou do Estado Brasileiro como se fosse seu; e contando com o apoio de uma massa satisfeita com esmolas e idiotizada pela propaganda à ‘la Goeblles’ elegeu para sucedê-lo, um fantoche incompetente e manipulável que apelidou de “Gerentona”.

Nos anos anteriores ao golpe de 64 havia o temor de que João Goulart – por fraqueza política ou leniência – permitisse a implantação de uma ‘República Sindicalista’ entregando o Governo à pelegagem. Depois, numa tática inadvertida, o general Golbery deu força ao pelego Lula e permitiu que ele implantasse o tal regime.

Isto nos leva a Roberto Campos que nos deixou o pensamento: “Eu acreditava muito nos mecanismos governamentais, mas eles têm células cancerígenas que crescem incontrolavelmente”. E foram essas células que cresceram e se multiplicaram no corpo do governo lulo-petista.

O lulo-petismo usou todos os meios para a dominação completa do Estado: Solapou a unidade nacional dividindo a Nação entre pobres e ricos, brancos e negros, católicos e protestantes, homo e héteros sexuais; e, além de tudo, corrompendo a expressão política, entre ‘esquerda’ e ‘direita’.

Esta virulência enfermou a máquina estatal, permitindo a formação de uma organização criminosa que assaltou o patrimônio público e, arrombando os cofres do Estado, decompôs a economia nacional.

As reais funções do Estado foram pervertidas em nome de um tal ‘socialismo bolivariano’ totalitário, que afundou a Venezuela. E lembra uma lição de Bakunin que, enfrentando Marx, escreveu: “Quem quer, não a liberdade, mas o Estado, não deve brincar de Revolução.”

Ferreira Gullar – Os mortos

Os mortos veem o mundo

pelos olhos dos vivos

 

eventualmente ouvem,

com nossos ouvidos,

       certas sinfonias

                 algum bater de portas,

       ventanias

 

           Ausentes

           de corpo e alma

misturam o seu ao nosso riso

           se de fato

           quando vivos

           acharam a mesma graça

 

 

De Muitas Vozes (1999)

Saiba mais sobre Ferreira Gullar clicando aqui