Arquivo do mês: dezembro 2015

O Caos

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

“O homem, e os animais, e as flores, vivem todos dentro de um caos estranho e permanentemente revolto. É um caos ao qual nos acostumamos”. (D. H. Lawrence)

Na sua sublime insensatez, Lawrence busca poesia no caos do embaralhamento das palavras concluindo que “A poesia consiste em combinar palavras para fazê-las ondular e vibrar e colorir”. Se lhe contrapõe Machado de Assis, racionalmente organizado e categórico: “Palavra puxa palavra, uma idéia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução…”

Revolucionário anti-desordem, prefiro Machado, por que o caos é o imenso nada. Os antigos gregos consideraram isto a mais velha das formas de consciência, o começo de tudo. O Caos, levado à mitologia sem forma ou aparência, é um deus andrógino, trazendo em si a confusão do feminino e do masculino.

Como as complexas visões ancestrais do caos, um grupo de cientistas modernos aceita a “teoria do caos”, cujo fundamento é que uma ínfima mudança nas leis da natureza promoverá conseqüências futuras. O criador dessa tese, o meteorologista americano Edward Lorenz, afirma que a simples batida de um prego na parede influi no padrão das massas de ar.

Acreditando na força das alterações insignificantes, Lorenz enunciou que “o bater das asas de uma borboleta no Brasil poderia causar um tornado no Texas”. E batizou a sua teoria como “Efeito Borboleta”.

Pelo menos na literatura não há grande novidade nesta interpretação. Precederam à teoria de Lorenz, Balzac (O pai Goriot), Eça de Queirós (O Mandarim) e o nosso Machado de Assis com o seu conto “O enfermeiro”. O tema é conhecido como “o motivo do mandarim assassinado”.

Resumindo, trata-se de uma proposta: “Você ganharia uma fortuna se tocando uma campainha determinasse a morte de um mandarim nas fraldas do Himalaia”. (Era no tempo da China Imperial e dos mandarins)… Exploração ficcional da causa e efeito.

Nem a mitologia, nem a temática literária e muito menos o “Efeito Borboleta” serão capazes de explicar o enriquecimento aparatoso dos pelegos que conquistaram o poder no Brasil por um estelionato eleitoral. E que se mantêm no governo pela perda dos sentidos e a câimbra mental de muitos brasileiros.

A cidadania lúcida vê, ouve e se conscientiza de que a pelegagem enriqueceu e levou o País ao caos. Não só pela falência da Petrobras e outras estatais, nem pelo arrastão nos fundos de pensão, no superfaturamento das inconclusas obras da transposição do São Francisco ou no roubo nos bancos de sangue, medicamentos e merenda escolar!

No grande vazio da incompetência lulo-dilmista o bater das asas de sinistras mariposas bruxulearam o vírus da mentira e da fraude, exaltadas ao vivo e a cores pelos canais de televisão vendidos ao PT-governo. Doentiamente, governantes e parlamentares desmontaram os valores da moral e da ética, administrando e legislando em proveito próprio.

O descrédito do Brasil no concerto das nações é vergonhoso. E não se trata apenas da economia caótica, cuja palha de salvamento é o aumento criminoso dos impostos; está nos serviços prestados da pior qualidade. Somos um País onde os Correios fecham aos domingos, a guarda municipal folga nos fins de semana e os professores, somadas as férias e as greves, trabalham apenas seis meses no ano.

Somos um País onde os banqueiros se envolvem em fraudes – mesmo ganhando lucros exorbitantes –, lobista é sinônimo de ladrão e “consultor” é um arrecadador de propinas.

É ou não é um “caos”? O poeta Lawrence, nosso epigrafado, nos oferece uma saída poética: “… trata-se, em última instância, de um caos, iluminado por visões, ou não iluminado por visões”. Assim anteviu o impeachment de Dilma como uma assepsia que nos devolverá à normalidade econômica, política e psíquica!

O Povo na Rua

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

“A praça, a praça é do Povo!/ Como o céu é do Condor!/ É antro onde a liberdade/ Cria a águia ao seu calor!” (Castro Alves)

Um dos políticos brasileiros mais preparados do século passado, Ulisses Guimarães, nos legou uma lição cientificamente correta e fácil de entender: “Só o povo nas ruas faz medo aos políticos…”, que nos leva à conclusão recíproca de que “… político só tem medo do povo nas ruas”…

É um dever que nos cabe: ir para rua pressionando os parlamentares a defender a reivindicação de 63% da cidadania: Tirar Dilma da presidência, varrendo esse trambolho histórico que se reelegeu financiado por propinas e confirmado por urnas eletrônicas suspeitas e uma apuração “secreta”, inconfiável.

Não se restringe às fraudes eleitorais a imposição do clamor popular para afastar Dilma; Somam-se à essa ilicitude o seu comprovado despreparo, sua postura arrogante, a mentira compulsiva e a leniência com a corrupção.

E nem só por isso o impeachment é necessário e urgente. Dilma ocupa o poder desmanchando a ordem nacional. Agride a consciência dos brasileiros pelo desprezo à administração pública e o abandono das estruturas fundamentais do governo, a Educação, Saúde e Segurança.

Além de destruir o Estado, alinha-se ao que há de mais venal no exercício da política: barganha apoios por cargos e verbas públicas, compra os órgãos de imprensa e despreza a opinião pública.

À frente de um arrastão de incompetência, erros incorrigíveis, malfeitos e crimes visíveis, o Poste de Lula destrói a economia. Começou pelo assalto à Petrobras, ícone das estatais, o roubo de verbas públicas e o desmanche do Tesouro.

Com seu humor incomparável, Millôr Fernandes nos deixou uma gozação que vale a pena lembrar. “A economia compreende todas as atividades do país, mas nenhuma atividade do país compreende a economia”.

Não há verdade maior se levada ao PT-governo, que pluralizou a inflação, que não se limitou ao substantivo feminino que designa a desvalorização do dinheiro, a diminuição do poder aquisitivo do povo e a consequente carestia de vida.

O lulo-petismo nos traz muitas inflações. Inflação de ignorância presunçosa, de irresponsabilidade, de egos irracionais, de falta de autocrítica. A “inflatio,onis” dos antigos romanos chegou ao Brasil com excessos de desqualificação, de desonestidade e de empáfia.

A pior de todas inflações de Dilma trouxe a corrosão do Plano Real; sem trocadilho, a inflação real que nos impõe dois dígitos no IPCA e levam aos supermercados e à feira um aumento de 78% nos preços dos produtos de primeira necessidade.

Contra este quadro de lúgubre realidade, a voz rouca das brasileiras e dos brasileiros ecoam nos quatro cantos do País; apela para que nossos heróis e mártires quebrem o mármore das estátuas e voltem à vida patriótica.

E cantemos todos nas ruas do Brasil a canção de Castro Alves que evoca o povo no poder: “A praça, a praça é do Povo!/ Como o céu é do Condor!/ É antro onde a liberdade/ Cria a águia ao seu calor!”

 

 

A CARTA

MIRANDA SÁ (E-amail: mirandasa@uol.com.br)

“A terra é de tal maneira graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo” (Pero Vaz de Caminha)

Como a gente teve conhecimento no começo do aprendizado escolar, a primeira carta que entrou na nossa História foi escrita por Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota de  Pedro Álvares Cabral, que oficializou a descoberta do Brasil.

A descrição do nosso país nos envaidece pelos louvores, como trouxemos na epígrafe; Caminha fala das águas, da abundância de animais, frutos, raízes e a fecundidade dos campos; realça a inocência dos indígenas que “nem fazem caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara”.

O documento registra também a origem do nepotismo da politicalha brasileira, com o missivista apelando para o rei D. Manuel a libertação do seu genro, preso por assalto e agressão… Um aloprado da época.

A outra carta que se faz presente na História do Brasil é o testamento político de Getúlio Vargas, trazendo um balanço do seu enfrentamento com o capital estrangeiro e combate às fraudes no comércio exterior.

Vargas assinalou as agressões pessoais que sofreu, e se projeta para o futuro, como uma maldição, estimulando o povo brasileiro a lutar contra a corrupção e os coveiros da economia nacional: “Quando a fome bater à vossa porta sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos”.

Alentando os que enfrentam o autoritarismo medíocre da presidente da República, e seus desmandos na economia do País, chega-nos agora, uma carta do vice-presidente Michel Temer dirigida a ela, realçando sua soberba incompetência e amoralismo político.

A epístola teve cunho particular, mas foi publicada em todos os jornais do dia seguinte; desconfia-se que chegou à imprensa por uma tramóia palaciana, que age costumeiramente dessa forma.

Temer se refere à divulgação de uma reunião dele com Dilma que “foi divulgada, e de maneira inverídica, sem nenhuma conexão com o teor da conversa”. Trata-se de mais um desmentido à Presidente, cuja compulsão pela falsidade é doentia.

Segundo o presidente do PMDB, “fatos reveladores” mostram a desconfiança que a governante sempre demonstrou nele e no PMDB; Temer enumerou um a um dos episódios que comprovam situações em que, pelo cargo que ocupa, foi rifado por Dilma.

O escanteio mais importante é recente. Dilma ignorou-o como presidente do PMDB chamando o líder do partido na Câmara, o deputado Picciani e seu pai, para um acordo.

Dando uma lição de Democracia à antiga lutadora por um regime stalinista, Temer faz uma profissão de fé liberal, escrevendo: “Democrata que sou, converso, sim, senhora Presidente, com a oposição. Sempre o fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento”.

E mostrando sua capacidade de articulação e apoio às medidas econômicas urgentes para o País pré-falimentar graças à incompetência petista, Temer lembra que ajudou a aprovação da primeira medida provisória do ajuste, conquistada por ele com oito votos do DEM, seis do PSB e três do PV.

A carta revela que o programa peemedebista “Uma Ponte para o Futuro”, aplaudido pela sociedade, foi tido por Dilma como uma manobra desleal e, a partir daí, se multiplicaram as manobras do Planalto para dividir o partido.

A Carta de Temer está à altura da de Pero Vaz de Caminha pelas revelações contidas, e à de Getúlio Vargas, pelas denúncias a um governo que falseia o monopólio das conquistas sociais dos trabalhadores. O maior valor do documento, porém, é ampliar e consolidar a frente nacional pelo impeachment.

GOLPE

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

 “Que importância faz se seguimos por caminhos diferentes, desde que alcancemos o mesmo objetivo?” (Gandhi)

Pela tristeza em assistir a dispersão de idéias sobre o impedimento de Dilma, duas coisas me preocupam. A primeira é aceitar o que os defensores da IncompetentA querem que vejamos: que o processo de impeachment é uma luta entre Cunha e Dilma, dois vilões, como se referiu a eles a jornalista Eliane Cantanhêde.

O outro desvio, resultante também da contra-informação é ver um vício de origem no encaminhamento que o presidente da Câmara faz do pedido de impeachment. Essa ilação não tem o menor sentido: um comentário saído no Facebook de autor cujo nome me escapou, e a quem peço desculpas, é perfeito:

“No caso de você receber um telefonema de um criminoso, assassino ou estuprador, lhe avisando que irrompeu um incêndio no seu prédio, você corre, recolhe o que pode e foge. E fica agradecido sem se importar com a ficha policial de quem avisou…” Essa é uma figuração semelhante ao que temos: a proposta de salvação nacional proceder de um corrupto.

Também pouco importa aos patriotas, que o escapismo lulo-petista multiplicado na propaganda televisiva e radiofônica acusem de “golpe” uma medida constitucional de que o PT se aproveitou nos governos de Sarney, Collor, Itamar e Fernando Henrique…

O próprio ministro Jacques Wagner cujo vozeirão de megafone combate o impeachment incriminando-o como “golpe” assinou o pedido que o PT tentou contra Itamar e FHC…

Embora no melhor estilo de Goebbles, a massiva e repetitiva acusação de golpe é mais uma mentira na coleção do lulo-petismo. A Constituição é clara e os advogados da Presidente sabem que nenhum jurisconsulto neste País verá o contrário. Há, pela imprensa, vários pronunciamentos neste sentido, inclusive de simpatizantes do PT-governo, impossibilitados de violentar a própria consciência.

E assim devem atuar todos que querem um Brasil liberto da quadrilha que se apossou do poder e levou drasticamente o País para a estagnação econômica, a degenerescência política e a fragilidade externa pelo abandono das fronteiras geográficas e a traição nacional de um governo subalterno ao bolivarianismo chavista.

Mahatma Gandhi, o grande pensador e ativista contra o racismo na África do Sul e pela liberdade da Índia, que epigrafamos neste texto, reforça a necessidade da união de todos brasileiros de consciência livre e espírito patriótico, apontando o caminho: “Que importância faz se seguimos por caminhos diferentes, desde que alcancemos o mesmo objetivo?”

Urge a formação de uma frente nacional pelo afastamento da Presidente inepta como administradora e leniente com a corrupção. Não importa que ruídos de comunicação e adoções filosóficas ou religiosas nos diferencie. São níveis secundários no grande jogo político da derrubada do autoritarismo petista.

Lutemos juntos para que a onda saneadora levantada pelo impeachment derrube o muro da incompetência que o Partido dos Trabalhadores ergueu na base da corrupção; e trabalhemos para que a reconstrução do governo brasileiro desmoralize a vanguarda do atraso stalinista, o carcomido centralismo estatal.

A remoção de Dilma dará ensejo para recuperarmos o triste período de abandono da harmonia dos três poderes republicanos, do desmonte do federalismo e da proliferação de grupos de pressão terroristas subvencionados com verbas públicas contra os interesses nacionais.

Temos na verdade um golpe; o golpe do continuísmo. Impeachment já!

Fernando Gabeira: Quase tudo em ruínas

Agora que tudo está em ruínas, exceto algumas instituições que resistem, não me preocupo em parecer pessimista. Quando anexei às listas das crises o grave momento ambiental, algumas pessoas ironizaram: el Niño? Naquele momento falava apenas da seca, da tensão hídrica, das queimadas e enchentes. Depois disso veio o desastre de Mariana, revelando o descaso do governo e das empresas que, não se contentando em levar a montanha, transformam o Doce num rio de lama.

No fim de semana compreendi ainda outra dimensão da crise. O Brasil, segundo especialistas, vive uma situação única no mundo: três epidemias produzidas pelo Aedes Aegypti (dengue, chikungunya e o zika vírus). O zika está sendo apontado como o responsável pelo crescimento dos casos de microcefalia. Sabe-se relativamente pouco sobre ele. E é preciso aprender com urgência. O dr. Artur Timerman, presidente da Sociedade Brasileira de Dengue e Arboviroses, considera a situação tão complexa como nos primeiros momentos da epidemia de aids.

Agora que está tudo em ruínas, restam os passos das instituições que funcionam, o prende aqui, prende lá, delata ou não delata, atmosfera de cena final, polícia nos calcanhares. Lembra-me a triste cena final do filme Cinzas e Diamantes, de Andrzej Wajda. A Polônia trocava um invasor, os nazistas, por outro, os comunistas: momento singular. No entanto, há algo de uma tristeza universal na Polonaise desafinada e no passeio do jovem casal por uma cripta semidestruída pelos bombardeios.

Aqui, a cena não é de filme de guerra, ocupação militar, mas de um thriller policial em que a quadrilha descoberta vai sendo presa progressivamente. Enquanto isso, não há governo para responder ao desemprego, empobrecimento, epidemias, mar de lama e ao sofrimento cotidiano dos brasileiros.

As cenas finais são eletrizantes e a ausência de um roteirista tornou o filme político ainda mais atraente. Mas perto da hora de acender a luz os cinemas se preparam, abrem as cortinas e já se pode ver, de dentro, como é sombria a noite lá fora.

Quase todos concordam com a gravidade da crise, nunca antes neste país o governo errou tanto, corrompeu tão disciplinadamente a vida política, corroeu tanto os alicerces da jovem democracia, engrandecida com a luta pelas diretas. Naquele momento, a bandeira das diretas tinha conotação positiva, era a esperança que nos movia. Muitos acham que só ela nos move. Mas diante das circunstâncias ameaçadoras é o instinto de sobrevivência que nos pode mover: o Brasil está se desintegrando.

Hoje a esperança só pode ser construída na luta pela sobrevivência. Chegou a hora de conversarmos por baixo, uma vez que do sistema político não vem resposta. Naturalmente, saindo do pequeno universo, abrindo-se para as diferentes posições no campo dos que querem a mudança. Nada que ver com conversa de ex-presidentes ou com essa história de que oposição e governo têm de se entender.

O governo tem de entender que chegou sua hora, pois é o grande bloqueio no caminho da esperança. Não é possível que, no auge de uma crise econômica, epidemias e desastre ambiental, o país aceite ser governado por uma quadrilha de políticos e empresários.

Às vezes me lembro do tempo do exílio, quando sonhava com um passaporte brasileiro. Agora é como se tivesse perdido o passaporte simbólico e de certa maneira voltasse à margem.

Vivemos momento em que quase tudo está em ruínas, como se fôssemos uma multidão de pessoas sem papel. O foco nas cenas de desmonte policial é importante. O voto direto dos senadores não seria aprovado, no caso Delcídio, não fora a vigilância da sociedade.

No entanto, a gravidade da situação pede muito mais. Há um momento em que você se sente órfão dos políticos do país. Mas logo em seguida percebe que é preciso caminhar sem eles. Hora de conversar na planície.

Não descarto a importância de um núcleo parlamentar que nos ajude a mandar para as Bermudas o triângulo Dilma, Renan, Cunha. Mas as grandes questões continuam: como recuperar a economia, como voltar a crescer de forma sustentável, como reposicionar o Brasil no mundo, distanciando-nos dos atrasados bolivarianos?

Uma das muitas maneiras de ver os limites do crescimento irracional é o próprio desastre em Mariana, a agressão ao Rio Doce. A essência desse crescimento é o depois de nós, o dilúvio. Às vezes o dilúvio se antecipa, como no distrito de Bento Rodrigues, e fica mais fácil compreender a gigantesca armadilha que legamos às novas gerações. É preciso uma conversa geral e irrestrita entre todos os que querem mudar, tirando da frente os obstáculos encalhados em Brasília.

Não se trata de estender o dedo como naquele cartaz do Tio Sam, dizendo: o país precisa de você. Na verdade, o caminho é mostrar que você precisa do país; se ele continuar se enterrando, alguns sonhos e perspectivas individuais se enterram também.

Compreendo as pessoas que temem a derrubada do governo e seus aliados porque não sabem precisamente o que virá adiante. Não sei se isto as conforta, mas o descobrimento do Novo Mundo foi feito com mapas equivocados e imprecisos. A fantasia dos navegantes estava povoada de monstros e prodígios, no entanto, acabaram sendo recompensados por se terem movido.

O desafio de agora é menor do que lançar-se nos mares desconhecidos. Os mapas nascem de um amplo diálogo e, mesmo se não forem cientificamente precisos, podem nos recompensar pela movida.

Desde o princípio, o impeachment era uma solução lógica, mas incômoda. Muita gente preferiu ficar com um governo porque ele foi eleito. Não importa se a campanha usou dinheiro do petrolão, Pasadena, não importam as mentiras, a incapacidade de Dilma. Ela foi eleita. Tem um diploma. E vamos dançar nas ruínas contemplando o luminoso diploma, cultuando sua composição gráfica, a fita colorida.

Muitos povos já se perderam no êxtase religioso como resposta a uma crise profunda. Mas os deuses eram mais fortes, o sol, a fecundidade, a morte. Estamos acorrentados a um diploma.

Publicado pelo Estadão em 04/12/2015

 

OS QUE FICAM

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br

“Se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão/Se gritar pega ladrão, não fica um…” Bezerra da Silva

Durante muitos anos fui um aficionado leitor de livros policiais que lia com voracidade, consumindo contos e romances de um sem número de autores. A literatura criminal, como nos filmes de faroeste com seus mocinhos e bandidos, condena o crime enaltecendo o investigador e condenando o criminoso.

Essa função ideológica das estórias policiais sempre me pareceu com as velhas fábulas educativas que deviam constar dos sistemas de educação infantil. Um ministro da Educação devia torná-las obrigatórias, fertilizando a imaginação das crianças com Esopo, Fedro, La Fontaine, Calderón de La Barca e o nosso Monteiro Lobato.

A herança literária do Ocidente, como quase tudo no nosso processo civilizatório, nos chegou através da Grécia e de Roma, importada do Oriente… Dizem que o conto tem origem na literatura oral transmitindo as lendas e os mitos folclóricos orientais e, enriquecidos pela imaginação popular da Europa e das Américas, chegaram à literatura escrita.

Então, de Boccaccio com seu Decamerão até hoje a humanidade fez uma viagem maravilhosa atraindo leitores para as narrações curtas como o pólen atrai as abelhas.

No conto policial, sobressaíram-se entre os grandes autores a escritora, romancista, contista, dramaturga e poetisa Agatha Christie e Conan Doyle médico e escritor escocês, ambos com milhões de livros vendidos no mundo inteiro.

Os fatos rocambolescos que dominam o cenário político brasileiro trouxeram-me à memória um episódio que se passou com Conan Doyle – não sei se verdadeiro ou não  –, que ele por brincadeira escolheu 10 amigos para uma ‘pegadinha’:

Mandou-lhes um telegrama: “Foge imediatamente; descobriu-se tudo”. Eram pessoas conhecidamente honradas e coerentes, tanto na vida profissional como na pessoal, mas em menos de 24 horas todos haviam viajado para fora do país com pretextos vários…

Imagine-se o que ocorreria se destinássemos e-mails (hoje o telegrama está superado) aos políticos brasileiros! Para não perder tempo folheando o caderno de endereços do Congresso Nacional, das assembléias legislativas e câmaras municipais, poderíamos usar apenas a lista que o doutor Janot enviou ao STF com 28 nomes, ou o rol dos denunciados pelos doleiros e lobistas que fazem delação premiada na Lava Jato… Seria um corre-corre nunca visto!

A rota de fuga traçada por Delcídio Amaral para Nestor Cerveró ficaria congestionada, com mais de 50 políticos do PP, PMDB, PSDB, PT, PTB e Solidariedade; seriam 25 deputados, seis senadores e três governadores.

As duas figuras que se digladiam no momento, acusando-se mutuamente de barganhas, chantagens e mentiras, o presidente da Câmara Eduardo Cunha e a presidente da República Dilma Rousseff, não fugiriam: ele, pela frieza calculista; ela, por indigência neuronial.

Se fosse um embate entre Cunha e Lula empatava, sem dúvida; os dois se igualam na amoralidade. Cunha, porém, está sendo chamado nas redes sociais de “meu malvado favorito”, por que aceitou o pedido de impeachment contra Dilma, atendendo a um clamor nacional

Esta trinca de malfeitores são personagens de um romance policial contemporâneo e vão demonstrar que não pode haver crime perfeito, sem lugar para impunidade. A ordem social exige para Cunha e Lula, cadeia; para Dilma, impeachment.